Samba-jazz revive com J.T.Meirelles
Saxofonista e líder do Copa 5 volta à ativa e renova suas esperanças na sonoridade que ajudou a embalar
João Máximo
23/07/2001
J.T. Meirelles já deve estar cansado de explicar por que renunciou à carreira de saxofonista-líder do conjunto Copa 5, lá se vão 35 anos, e por que se afastou da música em geral, há quase seis. As explicações — não só dos porquês, mas também de sua recente volta à cena — ele vai buscá-las em dois Shaws de sua admiração: "Um dia, Artie Shaw, grande clarinetista e band leader americano, sentiu que já não tinha o que fazer em música e parou. O outro Shaw, o George Bernard, dizia que na vida o homem só tem duas preocupações: a primeira, não conseguir o que o coração deseja, e a segunda, consegui-lo." Não que ele, como o Shaw da música, achasse que já não tinha o que fazer. Nem que, como filosofava o outro Shaw, já não soubesse o que fazer com o que seu coração realmente conseguiu em 1964 e 1965: gravar dois discos antológicos que consagram aquilo conhecido como samba-jazz: sobre o samba, improvisos por conta de uma instrumentação jazzística.
Meirelles deixa simplesmente que a vida siga seu curso, que o levou a parar e o que leva agora a voltar. O primeiro dos dois LPs antológicos, O Som, por muito tempo uma raridade que só se conseguia no exterior (e por algo em torno de US$ 400), vai ser lançado em CD, com três faixas do segundo, Novo Som. Será dia 24, às 17h, numa happy hour na loja de discos Modern Sound, onde Meirelles se apresenta com seu trio nas tardes de sábado. Só que, para o recital de lançamento, ele vai reviver o Copa 5: ao seu sax e à sua flauta se juntarão o trompete de Guilherme Dias Gomes (no lugar que em 1964 foi de Pedro Paulo), o piano de Fernando Martins (no de Luís Carlos Vinhas), o baixo de Adriano Giffoni (no de Manuel Gusmão) e a bateria de Kleberson Caetano (no de Dom Um Romão).
Filho de um flautista de sinfônica, o autodidata Meirelles seguiu corajoso, a ponto de, aos 20 anos, organizar conjunto para abrir os espetáculos de Dizzy Gillespie na TV Record. Já então vivia em São Paulo, tocando na noite, pesquisando sons. Um dia, ouvindo a gravação de Barquinho por Maysa, parou. "Na verdade, me deu um estalo" recorda. "Não pela interpretação de Maysa, mas pelo acompanhamento de Luisinho Eça e do Tamba Trio. Aquela concepção, aquela maneira de tratar o samba, era exatamente o que eu e o Donato já fazíamos no Pigalle. Ninguém estava inventando nada, assim como nós não tínhamos inventado um som que a Turma da Gafieira, Zé Bodega, Sivuca, Jorginho, Cipó, já tinham feito antes. O que chamam de samba-jazz vem justamente daí. Só que a Turma da Gafieira tinha como modelos, entre outros, Lester Young e Coleman Hawkins, enquanto nós nos ligávamos mais no bop, no cool, em Sonny Rollins e Stan Getz."
Como na época não havia jazz em São Paulo, Meirelles pediu as contas e voltou para o Rio. Não só partiria para formar o Copa 5, já dentro dos padrões do samba-jazz, como trabalharia como arranjador, por 11 anos, na antiga Odeon. Seus arranjos estariam rigorosamente dentro do estilo, o que já se nota, entre outros, no Jorge Ben de Mas Que Nada e Por Causa de Você. O Copa 5, infelizmente, durou pouco.
"Nos anos que vão de 1967 a 1970, praticamente não havia espaço para músicos como nós", diz Meirelles. Os anos passados como arranjador de gravadora apenas se prolongaram. Em 1995, vendeu o sax e parou. Foi estudar informática, aconselhado por amigo que lhe garantia que música, agora, se escrevia em computador. "Virei um especialista no assunto", garante o instrumentista. "Sempre fui assim: enquanto não atinjo meu limite, não descanso. Fiz alguma coisa de música em computador e recebi excelente proposta de um banco para converter num programa 1.500 partituras de Chiquinha Gonzaga, mas o projeto infelizmente ficou na proposta."
Foi então que colecionadores começaram a procurá-lo. Alguns tinham pago os US$ 400 pelo LP O Som e convenceram Meirelles não só a deixar que eles fizessem cópias domésticas em CD para distribuir entre os fãs como também a voltar a tocar. Uma turma que se reúne para trocar figurinhas, ou melhor, informações fonográficas na Rua Pedro Lessa, cotizou-se e comprou um sax para ele. "As coisas começaram muito bem", admite Meirelles. "Mas logo os fãs se transformaram em donos. Diziam-me para fazer isso, não fazer aquilo, tocar aqui, não tocar ali, e minha liberdade se perdeu. Dei um basta na história, vendi o sax outra vez, quis devolver o dinheiro, mas não aceitaram. Até que um dia me apareceu outro fã, este do tempo do Beco das Garrafas. Chama-se Fernando Coutinho e tem um sax da mesma marca do meu primeiro. É com este sax, emprestado, que estou tocando agora."
Longe de ser o fim de uma longa história, é apenas o começo. O próprio Meirelles concorda que, há dois ou três anos, quando vivia debruçado sobre o computador, não se imaginava de volta à música e, de certa maneira, à vida. Toca em duo num restaurante do Centro, em trio, aos sábados, em quinteto no recital de lançamento. E o raro O Som continua raro, mas não mais por estar fora de catálogo, e sim por pôr ao alcance de todos um “samba-jazz” como poucos.
Meirelles deixa simplesmente que a vida siga seu curso, que o levou a parar e o que leva agora a voltar. O primeiro dos dois LPs antológicos, O Som, por muito tempo uma raridade que só se conseguia no exterior (e por algo em torno de US$ 400), vai ser lançado em CD, com três faixas do segundo, Novo Som. Será dia 24, às 17h, numa happy hour na loja de discos Modern Sound, onde Meirelles se apresenta com seu trio nas tardes de sábado. Só que, para o recital de lançamento, ele vai reviver o Copa 5: ao seu sax e à sua flauta se juntarão o trompete de Guilherme Dias Gomes (no lugar que em 1964 foi de Pedro Paulo), o piano de Fernando Martins (no de Luís Carlos Vinhas), o baixo de Adriano Giffoni (no de Manuel Gusmão) e a bateria de Kleberson Caetano (no de Dom Um Romão).
Filho de um flautista de sinfônica, o autodidata Meirelles seguiu corajoso, a ponto de, aos 20 anos, organizar conjunto para abrir os espetáculos de Dizzy Gillespie na TV Record. Já então vivia em São Paulo, tocando na noite, pesquisando sons. Um dia, ouvindo a gravação de Barquinho por Maysa, parou. "Na verdade, me deu um estalo" recorda. "Não pela interpretação de Maysa, mas pelo acompanhamento de Luisinho Eça e do Tamba Trio. Aquela concepção, aquela maneira de tratar o samba, era exatamente o que eu e o Donato já fazíamos no Pigalle. Ninguém estava inventando nada, assim como nós não tínhamos inventado um som que a Turma da Gafieira, Zé Bodega, Sivuca, Jorginho, Cipó, já tinham feito antes. O que chamam de samba-jazz vem justamente daí. Só que a Turma da Gafieira tinha como modelos, entre outros, Lester Young e Coleman Hawkins, enquanto nós nos ligávamos mais no bop, no cool, em Sonny Rollins e Stan Getz."
Como na época não havia jazz em São Paulo, Meirelles pediu as contas e voltou para o Rio. Não só partiria para formar o Copa 5, já dentro dos padrões do samba-jazz, como trabalharia como arranjador, por 11 anos, na antiga Odeon. Seus arranjos estariam rigorosamente dentro do estilo, o que já se nota, entre outros, no Jorge Ben de Mas Que Nada e Por Causa de Você. O Copa 5, infelizmente, durou pouco.
"Nos anos que vão de 1967 a 1970, praticamente não havia espaço para músicos como nós", diz Meirelles. Os anos passados como arranjador de gravadora apenas se prolongaram. Em 1995, vendeu o sax e parou. Foi estudar informática, aconselhado por amigo que lhe garantia que música, agora, se escrevia em computador. "Virei um especialista no assunto", garante o instrumentista. "Sempre fui assim: enquanto não atinjo meu limite, não descanso. Fiz alguma coisa de música em computador e recebi excelente proposta de um banco para converter num programa 1.500 partituras de Chiquinha Gonzaga, mas o projeto infelizmente ficou na proposta."
Foi então que colecionadores começaram a procurá-lo. Alguns tinham pago os US$ 400 pelo LP O Som e convenceram Meirelles não só a deixar que eles fizessem cópias domésticas em CD para distribuir entre os fãs como também a voltar a tocar. Uma turma que se reúne para trocar figurinhas, ou melhor, informações fonográficas na Rua Pedro Lessa, cotizou-se e comprou um sax para ele. "As coisas começaram muito bem", admite Meirelles. "Mas logo os fãs se transformaram em donos. Diziam-me para fazer isso, não fazer aquilo, tocar aqui, não tocar ali, e minha liberdade se perdeu. Dei um basta na história, vendi o sax outra vez, quis devolver o dinheiro, mas não aceitaram. Até que um dia me apareceu outro fã, este do tempo do Beco das Garrafas. Chama-se Fernando Coutinho e tem um sax da mesma marca do meu primeiro. É com este sax, emprestado, que estou tocando agora."
Longe de ser o fim de uma longa história, é apenas o começo. O próprio Meirelles concorda que, há dois ou três anos, quando vivia debruçado sobre o computador, não se imaginava de volta à música e, de certa maneira, à vida. Toca em duo num restaurante do Centro, em trio, aos sábados, em quinteto no recital de lançamento. E o raro O Som continua raro, mas não mais por estar fora de catálogo, e sim por pôr ao alcance de todos um “samba-jazz” como poucos.