Sepultura: novo petardo com toques políticos

Em entrevista exclusiva, Igor Cavalera e Paulo Jr. falam de Roorback, próximo CD da banda, prestes a ser lançado

Eliane Fernandes
04/05/2003
Hamburgo, Alemannha - O Sepultura se encontra mais uma vez em turnê mundial. Depois de terem feito uma tour promocional por vários países europeus para apresentar o novo trabalho Roorback, que será lançado na Europa dia 26 de maio, eles estarão se apresentando pelos Estados Unidos o mês de maio inteiro. Em junho eles retornam à Europa para participar do Sweden Rock Festival, na Suécia (06/06); e em julho, tocam no Graspop Metal Meeting Festival (na Bélgica, 04/07) e no With Full Force Metal Festival(Alemanha, 05/07). Por onde o Sepultura passa, o grupo deixa um número cada vez maior de fãs. Na Alemanha, mesmo quem não tem nada a ver com heavy metal sabe quem são os reis brasileiros do rock pesado, ultrapassando de longe a fama de muitos outros grupos ou cantores da nação tupiniquim. A Nação Sepultura está a todo vapor, ela não para de crescer! Cliquemusic esteve com o baterista Igor Cavalera e o baixista Paulo Jr. em Hamburgo, no dia 12 de abril, e teve a oportunidade de bater um papo. Confira:

Cliquemusic: Falando do trabalho de vocês: qual foi o critério de escolha das músicas para Revolusongs, o último disco da banda? Foram as músicas que mais impressionaram vocês na época?
Paulo Jr.:
Eu acho que foram as músicas que mais se encaixaram no nosso estilo de tocar. A gente fez uma seleção gigantesca e que tinha várias bandas, coisas que a gente nem conhecia direito. A idéia era essa de pegar bandas que não influenciaram o Sepultura diretamente e dali tentar trazer uma nova sonoridade, um novo lance de colocar a nossa cara nesses covers. A gente sentou e tinha The Police, tinha King Crimson, Funkadelic, tinha uma porção de coisa. E nesta listagem toda a gente foi peneirando, achando o que seria mais ideal no momento pra gente gravar. E acabaram sendo escolhidas essas músicas, essas sete músicas que representam, de uma forma ou de outra, partes das nossas vidas durante todos os anos.

Como será a estratégia de lançamento de Roorback, agora em maio? Onde vai ser lançado?
Igor:
Normalmente a gente não tem aquela coisa de lançamento do disco, pelo motivo da gente fazer muitas turnês durante o ano todo. E como a gente já começou a promover este disco antes mesmo dele ser lançado, o lançamento vai acabar sendo onde a gente estiver tocando na época. Mas a gente vai acabar fazendo o lançamento do Roorback no mundo inteiro.

O termo Roorback significa 'mentira ou história falsa usada para conseguir vantagens políticas'... vocês escolheram esse nome por causa da situação atual de conflito no Oriente Médio?
Igor:
Não foi basicamente por isso... é pra descrever a situação geral, o que acontece muito no mundo hoje em dia. A gente pode ver isso em muitos países, governos, lugares. Mas o título é bem atual por causa disso. Não é de repente só na política, mas em tudo. Eu acho que se as pessoas usarem pelo lado errado, elas podem influenciar muita gente também de uma maneira totalmente também errada. E eu acho que isso é uma coisa que está rolando bastante. A gente pôde ter esta experiência de estar no Brasil e de repente estar vendo coisas que aqui eles nem sonham. Desde helicóptero americano caindo até soldado. E de aqui, de repente, eles não estarem mostrando nada. Fica como que uma “guerra light”. Como se a gente dissesse: Ah, eles estão lá no Iraque, invadiram tal lugar. Mas você, como telespectador, na realidade não está vendo o que está acontecendo. Isso pra gente é muito triste, porque a gente está começando agora um século novo e está vendo coisas de uma ignorância gigantesca e isso é impossível de se aceitar.

Então vocês discutem isso também entre vocês?
Igor:
Com certeza, mas acho que de uma maneira bem aberta, porque é totalmente complicado quando se trata de política e do que for. Cada um vai ter uma opinião diferente e você acaba discordando ou concordando. Mas o mais importante no Sepultura é colocar essas idéias e não tentar ensinar pra alguém ou dizer tipo “você tem que agir de tal maneira”. E sim fazer essa pessoa pensar. Isso é o mais importante. Principalmente um moleque de 12 ou 13 anos, como a gente era, que foi influenciado por outras bandas. A gente quer fazer essa molecadinha pensar um pouco. Isso é o mais legal. Cada um tem que ter a opinião própria e não seguir o que a gente fala a risca ou o que a tv está falando, ou o que a MTV está falando, ou o que for, mas sim ter uma opinião própria.

Na homepage de vocês na Internet, na biografia do grupo, está escrito que vocês viram que tinham que continuar, depois dos problemas que aconteceram no ano de 1997 e que “Sepultura é mais que entretenimento, é uma ideologia”. Como vocês explicam esta ideologia?
Igor:
(Explicamos) justamente pelo fato da gente conseguir ter conquistado espaço no mundo inteiro e o fã do Sepultura ser uma pessoal muito leal com o que a gente faz. Acho que isso é umas das coisas que manteve mesmo. Na hora da gente tomar uma decisão, da banda estar ali em uma situação mais difícil, da gente sentar e falar: não, vamos continuar lutando, por que nunca foi fácil pra gente e nem vai ser. Isso é uma das coisas que mais mantém a gente. Este lado do fã nosso ter o Sepultura é como o futebol pra muita gente, é mais do que só ver o cara jogando a bola. Com o Sepultura é mais do que a música, tem mais do que uma história por trás de tudo.

Como é pra vocês sentir o fenômeno Sepultura? No mundo inteiro? Igor: Pra gente, o que tem de mais legal nisso, é que o Sepultura consegue fazer uma coisa diferente, que não é simplesmente tocar pro brasileiro que mora na Europa ou pro basileiro que mora no exterior, mas conseguir atingir outras pessoas. Pessoas, que muitas vezes nem sabem e vêm descobrir somente depois que a gente é brasileiro, mas que acabam se ligando na nossa música em primeiro lugar. Pra gente isso é uma das coisas mais legais: o fato da gente conseguir atravessar barreiras. Isto mostra que música não tem preconceito nenhum. O cara acaba curtindo a música e só depois ele fica conhecendo a história inteira do Sepultura. Eu acho que é uma das coisas mais legais que rolam. Não é simplesmente aquela banda que tem um sucesso no Brasil e vem tocar na Alemanha e ao show só vai a comunidade brasileira e mais ninguém da Alemanha fica sabendo, que eles estiveram aqui. Isso eu acho que é uma coisa muito importante.

E como vocês explicam este fenômeno? Música brasileira no exterior é sempre relacionada ao samba. Como vocês conseguiram fazer sucesso no heavy metal?
Igor:
O lance era que no início da banda a gente não tinha intenção nenhuma de soar como música brasileira. Como qualquer moleque de 13, 14 anos, você quer ser diferente de tudo. A gente queria ser diferente de tudo que estava rolando no Brasil. E a gente acabou virando para este lado mais de Metal, de rock pesado. Este foi um fator mais do que importante pra gente, porque a gente conseguiu se desprender desse vínculo de só tocar música brasileira e no futuro incorporar muitos destes ritmos, que a gente já vinha fazendo, se tornando uma banda totalmente diferente, misturando a música brasileira com o tradicional metal e a música que o pessoal da Europa curte mais. Então eu acho que este foi o fator mais diferencial mesmo.

O primeiro disco de vocês foi lançado por volta de 1985. Vocês eram praticamente moleques ainda. Você, Paulo, tinha 16 e o Igor 15... Quando vocês olham para trás, como vocês vêem isso?
Paulo Jr.:
Acho que na verdade a gente teve um pouco de sorte de ter começado tão cedo. A gente está na faixa dos 30 anos agora e isso ainda é considerado bastante novo pro estilo de música que a gente faz. Então eu acho que a gente ainda tem um caminho bem longo pra andar. Se depender da energia e de cada um de nós, ainda tem de sobra.
Igor: Eu acho que a coisa mais importante foi o apoio das nossas famílias. Acho que isso é a coisa que mais conta. Tanto da parte de cada um mesmo da banda, se não tivesse o apoio total dos pais a gente não estaria aqui hoje, porque não é todo pai ou toda mãe que aceita um filho com 13 ou 14 anos gravando disco e indo tocar em lugar que só tem maluco. Mas eu acho que essa confiança dos pais é muito importante, de ver e sentir que o filho está fazendo a coisa certa e está tocando com o coração. Isso a gente deve muito aos nossos pais e acho que cada um da banda tem a sua parcela. Isto é a coisa mais importante: da gente ter começado tão cedo e ter dado certo tão cedo, também.

O que vocês recomendariam aos grupos novos que querem entrar no mercado? Qual seria o caminho?
Paulo Jr.:
Em primeiro lugar você deve fazer a música com sinceridade e fazer o que você gosta de fazer. Eu acho que este é o primeiro passo. Você deve se concentrar no que você gosta de fazer e trabalhar bastante. Tocar o máximo que você conseguir tocar ao vivo: Isso é super importante. Hoje em dia está muito mais fácil do que na nossa época, na verdade. Porque hoje em dia você tem Internet, tem MP3, você consegue passar a sua mensagem muito mais rápido. Na nossa época era bem mais difícil . Era até difícil achar disco. Hoje em dia a tecnologia está muito mais avançada. É muito mais fácil. Você consegue até fazer um disco dentro de casa e na nossa época não existia isso. Então eu acho que essa geração ainda tem uma grande vantagem em cima da nossa. É pela tecnologia que se tem hoje e dá pra ser aproveitada.
Igor: Mas a competição é maior também. Então tem os dois lados da moeda. Acho que a informação é muito importante. Acho que isso aí que o Paulo falou é totalmente real. Hoje em dia você tem a chance de ouvir falar de uma banda, fazer o download, ouvir a música na hora. Na nossa época você pegava de repente um fã europeu e pedia pro cara mandar o disco. Demorava até um mês para você ter aquela informação. Mas em compensação a concorrência hoje é muito maior. Então tem os dois lados. Nunca foi fácil pra ninguém. Acho que essa é a realidade. Quem batalha e quem corre atrás, consegue.