Serenidade aos 60 e inéditas do <i>exagerado</i>
Ney Matogrosso: um sessentão de bem com a vida e que prepara álbum com inéditas de Cazuza
Arnaldo Bloch
05/08/2001
Na última quarta-feira, 1º. de agosto, Ney de Souza Pereira, o Matogrosso (de Boa Vista, no Mato Grosso...), completou 60 anos, na moita, no Rio. Não quis festa, ficou em casa. E aí, como sempre, os mexeriqueiros, na sua endêmica falta de originalidade, disseram que estava deprimido. Já os amigos preferiram conferir pessoalmente em vez de problematizar o livre arbítrio do aniversariante. Resultado: de oito da matina a uma da madrugada, as visitas não deram sossego. Ney estava ótimo e os comes-e-bebes, a postos para eventualidades. De noitinha, quando os salões da cobertura no Leblon começaram a se movimentar, várias levas emergenciais de carpaccio foram encomendados pelo telefone.
"Foi um aniversário em sistema de rodízio. Eu estava lá, na minha, e de repente tudo foi acontecendo aos pouquinhos. É assim que eu gosto: festa planejada, com horário, a gente nunca aproveita, não consegue conversar com os amigos, se aborrece... ", afirma o cantor.
No semblante não há sombras. Pelo contrário: a expressão é luminosa como o solzinho de início de tarde que colore o apartamento. Não que ele subestime os tais dos 60 anos: ficar sexagenário é importante, claro. Só que é assunto mais para a razão do que para a emoção. "Envelheço. Isso é uma constatação inevitável que só vem nesta data, que é redondíssima: aos 60, fica claro que se está mais próximo do fim do que do começo. Mas o fato não provoca reflexões ou emoções especiais. Sempre estive refletindo, medindo conseqüências e, agora, quando mais uma vez reflito, o que vejo? Meu corpo em suas plenas funções, o aparelho em forma, organismo cem por cento, uma vida cheia de realizações individuais. Sou muito bem-sucedido para estar triste.", fala Ney.
A receita de alegria para os que fazem 60 não é para todos: amar a si próprio acima de todas as coisas, desafio que aprendeu a superar nos sete anos que viveu nos largos espaços de Brasília na década de 60; não cultivar expectativas salvadoras; não correr atrás de novos relacionamentos e tampouco aguardá-los; e trabalhar incessantemente para realizar projetos e sonhos, se possível prolongando a vida até os 150 anos.
"Hoje é difícil se relacionar seriamente com alguém. As pessoas estão medrosas e frívolas, ninguém confia em ninguém. Amigos me dizem: não há porque ser fiel, o amor não existe. O engraçado é que as pessoas que defendem essa lamentável posição são justamente aquelas que se encontram mais carentes. Pois eu não estou carente. Já vivi, mais de uma vez, o amor profundo. E conheço muitos que nunca viveram. Se nada de novo surgir, ao menos já sei o que é amar, e não sofro em minha própria companhia. Mas, se surgir, vai ter que ser com seriedade, amor e fidelidade."
Andou-se confundindo essa abstinência, circunstancial, com atitude casta. Ney rechaça de bate-pronto: "Olha para a minha cara e veja se eu me pareço com alguém que cultive a castidade. Apenas deixei de ser movido a sexo. Houve um tempo em que ele guiava minha forma de ver o mundo, eu me submetia a ele. Não sou mais de viver trocando óleo. Os hormônios mudam e a idade vai trazendo esclarecimentos. E isto é bom porque me sinto livre da obrigatoriedade. Mas está tudo em cima! Viagra nem de longe..." Livrar-se da obrigatoriedade: eis um pensamento que, quando seguido rigorosamente, pode ser a chave do rejuvenescimento. E que começa a predominar em todas as estâncias da vida de Ney Matogrosso.
A ditadura da sensualidade, por exemplo, foi deposta. Das várias fitas que recebe com propostas de novos compositores, dispensa a maioria. Estão por demais comprometidas com uma certa latinidade e com o apelo à libido. "O pessoal compõe pensando numa imagem minha, e não na voz, no trabalho, ou no meu pensamento, que sempre foi, de alguma forma, radical." Sensualidade sim, no palco, e guiada mais pelo conteúdo que pelas tentações do showbiz: se O Vira é para bailar, Sangue Latino chama o protesto, e Rosa de Hiroshima , as lágrimas....
"Esteve aqui um pessoal de uma revista de celebridades fotografando a minha ginástica. Pediram para eu botar uma sunga e ir para a piscina. De jeito nenhum! Ginástica se faz com shortão e camiseta!", comenta. Até a voz, sua característica mais marcante, começa a sofrer uma metamorfose planejada. A questão é a seguinte: por que a obrigatoriedade de mantê-la nos registros agudos? "Embora o meu timbre sempre tenha sido mais nesta extensão, nem tudo foi assim tão natural: a proposta, nos Secos & Molhados, era que eu fizesse a voz feminina, e isto acabou me condicionando. Nos últimos discos, no entanto, tenho trabalhado mais os médios e os graves. Fiz aulas voltadas para isso, e venho exercitando essas regiões", diz.
A liberdade também vai ganhando a parada na escolha de repertório e dos conceitos dos discos: além dos vários trabalhos de pesquisa — em que reviveu Villa-Lobos, Ângela Maria, Chico Buarque e, no recente Batuque , o cancioneiro nacional via Carmen Miranda — em 1999 quebrou a corrente e trouxe à superfície novos talentos com Olhos de Farol . E, ao levar Batuque para os palcos — numa turnê que roda o país e volta ao Rio em 2002 — ignorou o formato sagrado que vem predominando nos grandes shows de MPB desses tempos bicudos, que é a de misturar ao repertório do disco grandes sucessos e composições do momento, de olho no filão “ao vivo”. "Pelo contrário, no show ainda aprofundo o conceito original do CD, incluindo mais canções da época enfocada", afirma o cantor.
O próximo trabalho, contudo, é uma bomba em termos de potencial de mercado: um CD só com inéditas de Cazuza, garimpado de seu baú particular. O baú particular de Ney, bem entendido... "É um material totalmente desconhecido e belo, que encontrei numa agenda de Cazuza que estava guardada comigo. Letras, poesias, pensamentos, um material enorme. Eu e Lucinha (Araújo, mãe do roqueiro) estamos fazendo a triagem, organizando, selecionando. É um trabalho para ser concluído com calma, encontrar os parceiros, construir tudo com muito carinho", termina Ney.
No semblante não há sombras. Pelo contrário: a expressão é luminosa como o solzinho de início de tarde que colore o apartamento. Não que ele subestime os tais dos 60 anos: ficar sexagenário é importante, claro. Só que é assunto mais para a razão do que para a emoção. "Envelheço. Isso é uma constatação inevitável que só vem nesta data, que é redondíssima: aos 60, fica claro que se está mais próximo do fim do que do começo. Mas o fato não provoca reflexões ou emoções especiais. Sempre estive refletindo, medindo conseqüências e, agora, quando mais uma vez reflito, o que vejo? Meu corpo em suas plenas funções, o aparelho em forma, organismo cem por cento, uma vida cheia de realizações individuais. Sou muito bem-sucedido para estar triste.", fala Ney.
A receita de alegria para os que fazem 60 não é para todos: amar a si próprio acima de todas as coisas, desafio que aprendeu a superar nos sete anos que viveu nos largos espaços de Brasília na década de 60; não cultivar expectativas salvadoras; não correr atrás de novos relacionamentos e tampouco aguardá-los; e trabalhar incessantemente para realizar projetos e sonhos, se possível prolongando a vida até os 150 anos.
"Hoje é difícil se relacionar seriamente com alguém. As pessoas estão medrosas e frívolas, ninguém confia em ninguém. Amigos me dizem: não há porque ser fiel, o amor não existe. O engraçado é que as pessoas que defendem essa lamentável posição são justamente aquelas que se encontram mais carentes. Pois eu não estou carente. Já vivi, mais de uma vez, o amor profundo. E conheço muitos que nunca viveram. Se nada de novo surgir, ao menos já sei o que é amar, e não sofro em minha própria companhia. Mas, se surgir, vai ter que ser com seriedade, amor e fidelidade."
Andou-se confundindo essa abstinência, circunstancial, com atitude casta. Ney rechaça de bate-pronto: "Olha para a minha cara e veja se eu me pareço com alguém que cultive a castidade. Apenas deixei de ser movido a sexo. Houve um tempo em que ele guiava minha forma de ver o mundo, eu me submetia a ele. Não sou mais de viver trocando óleo. Os hormônios mudam e a idade vai trazendo esclarecimentos. E isto é bom porque me sinto livre da obrigatoriedade. Mas está tudo em cima! Viagra nem de longe..." Livrar-se da obrigatoriedade: eis um pensamento que, quando seguido rigorosamente, pode ser a chave do rejuvenescimento. E que começa a predominar em todas as estâncias da vida de Ney Matogrosso.
A ditadura da sensualidade, por exemplo, foi deposta. Das várias fitas que recebe com propostas de novos compositores, dispensa a maioria. Estão por demais comprometidas com uma certa latinidade e com o apelo à libido. "O pessoal compõe pensando numa imagem minha, e não na voz, no trabalho, ou no meu pensamento, que sempre foi, de alguma forma, radical." Sensualidade sim, no palco, e guiada mais pelo conteúdo que pelas tentações do showbiz: se O Vira é para bailar, Sangue Latino chama o protesto, e Rosa de Hiroshima , as lágrimas....
"Esteve aqui um pessoal de uma revista de celebridades fotografando a minha ginástica. Pediram para eu botar uma sunga e ir para a piscina. De jeito nenhum! Ginástica se faz com shortão e camiseta!", comenta. Até a voz, sua característica mais marcante, começa a sofrer uma metamorfose planejada. A questão é a seguinte: por que a obrigatoriedade de mantê-la nos registros agudos? "Embora o meu timbre sempre tenha sido mais nesta extensão, nem tudo foi assim tão natural: a proposta, nos Secos & Molhados, era que eu fizesse a voz feminina, e isto acabou me condicionando. Nos últimos discos, no entanto, tenho trabalhado mais os médios e os graves. Fiz aulas voltadas para isso, e venho exercitando essas regiões", diz.
A liberdade também vai ganhando a parada na escolha de repertório e dos conceitos dos discos: além dos vários trabalhos de pesquisa — em que reviveu Villa-Lobos, Ângela Maria, Chico Buarque e, no recente Batuque , o cancioneiro nacional via Carmen Miranda — em 1999 quebrou a corrente e trouxe à superfície novos talentos com Olhos de Farol . E, ao levar Batuque para os palcos — numa turnê que roda o país e volta ao Rio em 2002 — ignorou o formato sagrado que vem predominando nos grandes shows de MPB desses tempos bicudos, que é a de misturar ao repertório do disco grandes sucessos e composições do momento, de olho no filão “ao vivo”. "Pelo contrário, no show ainda aprofundo o conceito original do CD, incluindo mais canções da época enfocada", afirma o cantor.
O próximo trabalho, contudo, é uma bomba em termos de potencial de mercado: um CD só com inéditas de Cazuza, garimpado de seu baú particular. O baú particular de Ney, bem entendido... "É um material totalmente desconhecido e belo, que encontrei numa agenda de Cazuza que estava guardada comigo. Letras, poesias, pensamentos, um material enorme. Eu e Lucinha (Araújo, mãe do roqueiro) estamos fazendo a triagem, organizando, selecionando. É um trabalho para ser concluído com calma, encontrar os parceiros, construir tudo com muito carinho", termina Ney.