Sérgio Dias: uma guitarra na guerra contra a burrice nacional

O eterno mutante lança o disco solo Estação da Luz disparando contra a devastação cultural promovida pela ditadura e reivindicando ídolos vivos para a juventude

Silvio Essinger
03/04/2001
"Você está p.? Pois eu estou p. também. Mas não adianta nada ficar p. e não fazer nada!", argumenta o guitarrista dos Mutantes, Sérgio Dias. A pergunta era sobre as razões que o levaram a gravar o disco solo Estação da Luz ouvir 30s, que está sendo lançado pelo seu selo, Lótus Music, com distribuição da Ouver Records. Para Sérgio, este CD é nada menos que sua declaração de guerra total contra a burrice do Brasil de 2001. "Tentei ser mais claro e objetivo possível nas letras", diz. A faixa Filhos do Silêncio, que abre o disco, é mais direta na sua denúncia da devastação cultural promovida pela ditadura militar (que exilou tropicalistas como Gil e Caetano e manteve sua mão de ferro da censura sob os Mutantes). "O importante hoje é entender que o dinheiro é conseqüência. Educação e cultura são mais importantes", prega.

Preocupado com a possível entrada do Brasil na Alca ("O país está psicologicamente dominado!"), Sérgio se assusta com a ideologia do "cada um por si e Deus por todos" que vigora entre a juventude: "A busca pela tribo é mais importante que a busca pelo sucesso. O que move é o tesão — os Mutantes, por exemplo, nunca venderam disco." Até os decepcionantes resultados do piloto de Fórmula Um Rubens Barrichello entram em sua tese apocalíptica sobre o país: "Isso quer dizer: 'Acordem! Não tem mais Senna, não tem mais Mutantes, não tem mais Seleção.' Algo está muito errado!"

Ídolos vivos
Estação da Luz, conta o guitarrista, nasceu ao longo dos últimos quatro anos que passou em Araras, na região serrana fluminense (ele acaba de voltar para São Paulo, "estressado com todo aquele verde"). Esse tempo, o guitarrista passou acompanhando a entrada da filha Virginia, de 17 anos de idade, na puberdade e vendo a angústia que ela e os amigos sentiam diante da falta de referências. "Se eles descobriram Janis Joplin e Jimi Hendrix, isso é muito positivo. Mas ficar só com ídolo morto é uma grande perda de tempo. A juventude precisa de ídolos vivos, reflexos concretos de sua personalidade", acredita Sérgio.

Segundo ele, a saída para essa garotada é fazer o que ele fazia quando era garoto: "Tocar na rua, tocar de graça, sem querer ganhar um milhão." Mas com uma ressalva: "Quero que ela ache uma identidade, que ela nos conteste." Ele vê hoje em dia algumas "pequenas explosões" a romper com o estado de coisas. Como Lobão, que numerou seus discos e os vendeu em bancas de jornais para denunciar a corrupção nas grandes gravadoras. Ou então o Sepultura, que se notabilizou no exterior e depois acabou tendo que ser aceito no Brasil. E também os selos independentes, que se aproveitam da Internet para fazer a informação correr. "Tudo é caótico, louco. Mas é um começo. Na nossa época, por exemplo, a gente ficava ligado na BBC de Londres", diz, deixando mais uma vez escapar o saudosismo.

Sérgio faz questão de dizer que continua mutante — coisa que já era mesmo antes de existirem os Mutantes. Com a popularidade da banda aumentando no exterior, sua caixa de e-mails não fica vazia, com mensagens de todos os cantos do mundo. Há algum tempo, recebeu uma de Sean Lennon, um dos maiores entusiastas dos Mutantes, agradecendo pela influência exercida por eles e perguntando quem os teria influenciado. "Será que ele não sabe quem foi o pai dele?", ironiza (John e os Beatles, por sinal, são lembrados por Sérgio na canção 4 Ever, de Estação da Luz). Com Sean, ele está desenvolvendo agora o projeto de trilha para videogame — e suas incursões pelo exterior seguem em shows na África do Sul.

O guitarrista se diz contente com o convite que o irmão e companheiro de Mutantes, Arnaldo Baptista, recebeu para participar no próximo fim de semana do Abril Pro Rock, em Recife, ao lado de Lobão. "Nada mais merecido. O Arnaldo sempre foi um iluminado", diz. Com shows de estréia do disco marcados para os próximos dias 1 e 2 no Bourbon Street (SP), ele revela a vontade de estar com o irmão no festival, que reunirá muitas bandas surgidas direta ou indiretamente da explosão do rock brasileiro nos anos 80. Que, segundo ele, teve uma insuspeita herança dos Mutantes: Sérgio lembra que o falecido Samuel Wainer Filho, o Samuca, que tinha sido empresário da banda, foi quem, junto com o jornalista Luís Antônio Mello, transformou a rádio Fluminense FM (de Niterói, RJ) na Maldita, levando para as ondas do rádio pela primeira vez fitas demo de bandas como a Blitz e os Paralamas do Sucesso.