Sesc-SP lança mais 13 discos
Na nova leva da coleção A Música Brasileira deste Século por seus Autores e Intérpretes quem mais ganha são os amantes do samba – de todos os tipos
Nana Vaz de Castro
13/12/2000
No quesito produção, a dupla Faro & Pelão continua imbatível no que diz respeito à preservação da memória da música popular brasileira. Fernando Faro produziu e dirigiu os programas Ensaio e MPB Especial, para as TVs Tupi e Cultura desde 1969 até a década de 90. João Carlos Botezelli, o Pelão, cuidou de transformar esses programas em CD, e lança agora a terceira leva (13 discos e um livro), sempre com o apoio não menos importante do Sesc de São Paulo, ícone institucional da produção artística de qualidade.
Em junho saíram as duas primeiras partes da coleção, totalizando 25 CDs e dois livros com as transcrições dos programas (leia matéria). Os boatos que afirmavam que os discos seriam vendidos separadamente por enquanto ainda não se confirmaram. Só é possível comprar os volumes completos, diretamente no Sesc Pompéia (Rua Clélia, 93, São Paulo, Tel: 11 3871-7729) ou pela internet (www.sescsp.com.br), por R$ 106 (primeiro volume, 12 CDs), R$ 114 (segundo e terceiro volumes, 13 CDs cada), mais despesas de remessa.
Os novos discos são dos programas de Hervê Cordovil , Ismael Silva , MPB-4 , Cascatinha e Inhana , Nelson Cavaquinho , Pedro Caetano (todos de 1973), Newton Teixeira (1974), Paulo Soledade (1975), Paulinho da Viola e os Quatro Crioulos , Dominguinhos (ambos de 1990), Pena Branca & Xavantinho , Roberto Menescal (os dois de 1991) e Quinteto Violado (1993).
Sambistas em destaque
Os fãs de samba foram os privilegiados com a seleção deste terceiro volume. São especialmente bons os discos de Paulinho da Viola e os Quatro Crioulos, Ismael Silva, Nelson Cavaquinho e Pedro Caetano, este último a melhor surpresa da caixa. Com uma simpatia invejável, o autor de É Com Esse Que Eu Vou desfilou um rosário de sambas maravilhosos, acompanhado apenas pelo violão de Makumbinha. E fez questão de frisar: "estou dando uma de cantor aqui, mas nunca fiz isso na minha vida". A falta de experiência no entanto passa despercebida. Caetano não faz feio, muito pelo contrário, e delicia cantando Onde Estão os Tamborins? (samba que fez para a Mangueira nos anos 60, quando achava que o amigo Cartola estava morto), Caprichos do Destino (com seu parceiro favorito, Claudionor Cruz), A Dama de Vermelho (com Alcyr Pires Vermelho). Ilustrando as músicas, histórias que envolvem figurões como Cyro Monteiro e Francisco Alves, que insistiu em transformar em samba de carnaval o originariamente choro Sandália de Prata.
Tem especial importância o depoimento de Ismael Silva, figura central na história do samba, diretamente envolvido na gênese das primeiras escolas de samba do Estácio, como a Deixa Falar. Freqüentador da famosa casa da Tia Ciata, Ismael discorre também sobre o convívio (e a parceria) com Noel Rosa e Francisco Alves, com quem tinha "contrato de exclusividade", vendendo seus sambas e dividindo o crédito. No programa Ismael canta acompanhado pelo violonista Codó e por Cristina Buarque nos vocais, o que não acrescenta muito às interpretações dada a limitação vocal tanto de Ismael quanto de Cristina à época.
Paulinho da Viola protagoniza um divertido momento quando, depois de iniciar o programa sozinho, como estava combinado, é surpreendido pela entrada dos Quatro Crioulos (Anescar do Salgueiro, Elton Medeiros, Nelson Sargento e Jair do Cavaquinho), justamente quando cantava o samba com esse nome (de Elton Medeiros e Joacyr Santana). Em meio a lembranças e batuques, os cinco levam a cabo uma interessante discussão sobre os rumos tomados pelas escolas de samba do Rio e seus sambas-enredo, a motivação do carnaval e os elementos que marcam a diferença entre o samba nos anos 60 e em 1990, ano do programa.
A figura quase mítica de Nelson Cavaquinho, com seus cabelos prateados, voz arrastada e toque de violão absolutamente inconfundível (pela maneira pouco ortodoxa como puxava as cordas) aparece em outro CD da coleção, acompanhada pelo seu mais perfeito parceiro, de figura diametralmente oposta, Guilherme de Brito, com sua bela voz de tenor e violão macio, postura sempre elegante e fala macia. Segundo Nelson, sua parceria com Guilherme é como uma "fábrica de samba". E tome pérolas: Mulher sem Alma, Folhas Secas, A Flor e o Espinho ("essa, eu e Guilherme demos parceria para um cara que nunca fez nada pela música", diz, referindo-se a Alcides Caminha, e sem entrar em maiores detalhes).
Marchinha, samba-canção, marcha-rancho
Outras vertentes do samba contam com interessantes depoimentos e repertórios raros, como as marchinhas executadas ao piano por Hervê Cordovil, parceiro de Lamartine Babo (entre outras, em Alô, Alô, Carnaval) e de Luiz Gonzaga, acompanhador de Carmen Miranda e autor da marcha non sense Inconstitucionalissimamente. Já Newton Teixeira se acompanha ao violão ("eu tocava bandolim, mas depois que vi o Jacob tocando desisti, passei pro violão") em sambas-canções de sua autoria, como Deusa da Minha Rua (com Jorge Faraj), grande sucesso de Silvio Caldas, ou na marcha Mal-Me-Quer (com Cristóvão de Alencar), que ganhou o rádio na voz de Orlando Silva. Sua voz impostada, cheia de vibrato, remete diretamente aos grandes gogós da era do rádio.
E o samba não se esgota por aí. A caixa traz um dos pilares da bossa nova em sua versão menos politizada, e mais "barquinho, amor e flor", Roberto Menescal, acompanhado pela voz e o violão de Wanda Sá, contando (mais uma vez) as histórias da turma de Copacabana, do show do Carnegie Hall, do sucesso recente no Japão. E ainda o MPB-4, que começou a carreira bem politizado (com o nome Quarteto CPC) e mostra, nesse programa de 1973, afinação impecável em arranjos a capela, como São Salvador. É uma das entrevistas mais engraçadas, Ruy, Magro, Aquiles e Miltinho se atropelando, falando ao mesmo tempo, em um momento de afirmação da carreira do grupo. Há ainda Paulo Soledade, parceiro de Vinicius de Moraes, Fernando Lobo, Antonio Maria, Marino Pinto e autor de sambas-canções e marchas-rancho que marcaram época, como Estão Voltando as Flores e Estrela do Mar, imortalizadas respectivamente nas vozes de Helena de Lima e Dalva de Oliveira.
Muito além do samba
Como nem só de samba vive a música brasileira, o terceiro volume de A Música Brasileira Deste Século... (provavelmente o maior nome de coleção da história) traz a preciosidade em forma de forró, pelas mãos e voz do pernambucano Dominguinhos, acompanhado por um típico regional que inclui, além de sua sanfona, zabumba e triângulo. Muito à vontade, Dominguinhos toca desde os clássicos Lamento Sertanejo e Eu Só Quero um Xodó até outros estilos que pontuaram sua carreira de músico de boate, como clássicos da canção francesa (La Vie en Rose), norte-americana (Tenderly) ou latina (Solamente Una Vez). Voltando à música nordestina, o Quinteto Violado, que protagonizou o programa mais recente (93), faz um disco estranho, com altos e baixos, em se levando em conta o clima geral do resto da caixa. Abusando dos teclados e do contrabaixo, faz versões pop-progressivas de Pisa na Fulô e Lamento Sertanejo, que podem interessar aos mais inovadores e fazer o horror dos puristas.
A música caipira vem em sua vertente "raízes", por assim dizer. A tradicionalíssima dupla paulista Cascatinha e Inhana mostra que, além do mega-sucesso Índia, de 1951, e das muitas canções paraguaias tradicionais, também passeia por outras searas, como o samba-de-breque no melhor estilo Kid Morengueira. Fechando o pote, os simpáticos e afinados irmãos Pena Branca & Xavantinho (morto no ano passado) mostram o vigor das duplas caipiras na sua mais completa tradução, cantando em terças sobre temas rurais, acompanhados pela viola.
Uma bela coleção, traçando um panorama diversificado da MPB, focado no samba carioca em suas diversas vertentes, mas com o cuidado de não desmerecer a força e a importância das músicas nordestina e caipira. Longe de interessar apenas aos aficionados, pesquisadores e colecionadores, a série A Música Brasileira etc. etc. etc. prova ser um trabalho de inestimável importância, oferecendo qualidade musical a um preço justo.
Em junho saíram as duas primeiras partes da coleção, totalizando 25 CDs e dois livros com as transcrições dos programas (leia matéria). Os boatos que afirmavam que os discos seriam vendidos separadamente por enquanto ainda não se confirmaram. Só é possível comprar os volumes completos, diretamente no Sesc Pompéia (Rua Clélia, 93, São Paulo, Tel: 11 3871-7729) ou pela internet (www.sescsp.com.br), por R$ 106 (primeiro volume, 12 CDs), R$ 114 (segundo e terceiro volumes, 13 CDs cada), mais despesas de remessa.
Os novos discos são dos programas de Hervê Cordovil , Ismael Silva , MPB-4 , Cascatinha e Inhana , Nelson Cavaquinho , Pedro Caetano (todos de 1973), Newton Teixeira (1974), Paulo Soledade (1975), Paulinho da Viola e os Quatro Crioulos , Dominguinhos (ambos de 1990), Pena Branca & Xavantinho , Roberto Menescal (os dois de 1991) e Quinteto Violado (1993).
Sambistas em destaque
Os fãs de samba foram os privilegiados com a seleção deste terceiro volume. São especialmente bons os discos de Paulinho da Viola e os Quatro Crioulos, Ismael Silva, Nelson Cavaquinho e Pedro Caetano, este último a melhor surpresa da caixa. Com uma simpatia invejável, o autor de É Com Esse Que Eu Vou desfilou um rosário de sambas maravilhosos, acompanhado apenas pelo violão de Makumbinha. E fez questão de frisar: "estou dando uma de cantor aqui, mas nunca fiz isso na minha vida". A falta de experiência no entanto passa despercebida. Caetano não faz feio, muito pelo contrário, e delicia cantando Onde Estão os Tamborins? (samba que fez para a Mangueira nos anos 60, quando achava que o amigo Cartola estava morto), Caprichos do Destino (com seu parceiro favorito, Claudionor Cruz), A Dama de Vermelho (com Alcyr Pires Vermelho). Ilustrando as músicas, histórias que envolvem figurões como Cyro Monteiro e Francisco Alves, que insistiu em transformar em samba de carnaval o originariamente choro Sandália de Prata.
Tem especial importância o depoimento de Ismael Silva, figura central na história do samba, diretamente envolvido na gênese das primeiras escolas de samba do Estácio, como a Deixa Falar. Freqüentador da famosa casa da Tia Ciata, Ismael discorre também sobre o convívio (e a parceria) com Noel Rosa e Francisco Alves, com quem tinha "contrato de exclusividade", vendendo seus sambas e dividindo o crédito. No programa Ismael canta acompanhado pelo violonista Codó e por Cristina Buarque nos vocais, o que não acrescenta muito às interpretações dada a limitação vocal tanto de Ismael quanto de Cristina à época.
Paulinho da Viola protagoniza um divertido momento quando, depois de iniciar o programa sozinho, como estava combinado, é surpreendido pela entrada dos Quatro Crioulos (Anescar do Salgueiro, Elton Medeiros, Nelson Sargento e Jair do Cavaquinho), justamente quando cantava o samba com esse nome (de Elton Medeiros e Joacyr Santana). Em meio a lembranças e batuques, os cinco levam a cabo uma interessante discussão sobre os rumos tomados pelas escolas de samba do Rio e seus sambas-enredo, a motivação do carnaval e os elementos que marcam a diferença entre o samba nos anos 60 e em 1990, ano do programa.
A figura quase mítica de Nelson Cavaquinho, com seus cabelos prateados, voz arrastada e toque de violão absolutamente inconfundível (pela maneira pouco ortodoxa como puxava as cordas) aparece em outro CD da coleção, acompanhada pelo seu mais perfeito parceiro, de figura diametralmente oposta, Guilherme de Brito, com sua bela voz de tenor e violão macio, postura sempre elegante e fala macia. Segundo Nelson, sua parceria com Guilherme é como uma "fábrica de samba". E tome pérolas: Mulher sem Alma, Folhas Secas, A Flor e o Espinho ("essa, eu e Guilherme demos parceria para um cara que nunca fez nada pela música", diz, referindo-se a Alcides Caminha, e sem entrar em maiores detalhes).
Marchinha, samba-canção, marcha-rancho
Outras vertentes do samba contam com interessantes depoimentos e repertórios raros, como as marchinhas executadas ao piano por Hervê Cordovil, parceiro de Lamartine Babo (entre outras, em Alô, Alô, Carnaval) e de Luiz Gonzaga, acompanhador de Carmen Miranda e autor da marcha non sense Inconstitucionalissimamente. Já Newton Teixeira se acompanha ao violão ("eu tocava bandolim, mas depois que vi o Jacob tocando desisti, passei pro violão") em sambas-canções de sua autoria, como Deusa da Minha Rua (com Jorge Faraj), grande sucesso de Silvio Caldas, ou na marcha Mal-Me-Quer (com Cristóvão de Alencar), que ganhou o rádio na voz de Orlando Silva. Sua voz impostada, cheia de vibrato, remete diretamente aos grandes gogós da era do rádio.
E o samba não se esgota por aí. A caixa traz um dos pilares da bossa nova em sua versão menos politizada, e mais "barquinho, amor e flor", Roberto Menescal, acompanhado pela voz e o violão de Wanda Sá, contando (mais uma vez) as histórias da turma de Copacabana, do show do Carnegie Hall, do sucesso recente no Japão. E ainda o MPB-4, que começou a carreira bem politizado (com o nome Quarteto CPC) e mostra, nesse programa de 1973, afinação impecável em arranjos a capela, como São Salvador. É uma das entrevistas mais engraçadas, Ruy, Magro, Aquiles e Miltinho se atropelando, falando ao mesmo tempo, em um momento de afirmação da carreira do grupo. Há ainda Paulo Soledade, parceiro de Vinicius de Moraes, Fernando Lobo, Antonio Maria, Marino Pinto e autor de sambas-canções e marchas-rancho que marcaram época, como Estão Voltando as Flores e Estrela do Mar, imortalizadas respectivamente nas vozes de Helena de Lima e Dalva de Oliveira.
Muito além do samba
Como nem só de samba vive a música brasileira, o terceiro volume de A Música Brasileira Deste Século... (provavelmente o maior nome de coleção da história) traz a preciosidade em forma de forró, pelas mãos e voz do pernambucano Dominguinhos, acompanhado por um típico regional que inclui, além de sua sanfona, zabumba e triângulo. Muito à vontade, Dominguinhos toca desde os clássicos Lamento Sertanejo e Eu Só Quero um Xodó até outros estilos que pontuaram sua carreira de músico de boate, como clássicos da canção francesa (La Vie en Rose), norte-americana (Tenderly) ou latina (Solamente Una Vez). Voltando à música nordestina, o Quinteto Violado, que protagonizou o programa mais recente (93), faz um disco estranho, com altos e baixos, em se levando em conta o clima geral do resto da caixa. Abusando dos teclados e do contrabaixo, faz versões pop-progressivas de Pisa na Fulô e Lamento Sertanejo, que podem interessar aos mais inovadores e fazer o horror dos puristas.
A música caipira vem em sua vertente "raízes", por assim dizer. A tradicionalíssima dupla paulista Cascatinha e Inhana mostra que, além do mega-sucesso Índia, de 1951, e das muitas canções paraguaias tradicionais, também passeia por outras searas, como o samba-de-breque no melhor estilo Kid Morengueira. Fechando o pote, os simpáticos e afinados irmãos Pena Branca & Xavantinho (morto no ano passado) mostram o vigor das duplas caipiras na sua mais completa tradução, cantando em terças sobre temas rurais, acompanhados pela viola.
Uma bela coleção, traçando um panorama diversificado da MPB, focado no samba carioca em suas diversas vertentes, mas com o cuidado de não desmerecer a força e a importância das músicas nordestina e caipira. Longe de interessar apenas aos aficionados, pesquisadores e colecionadores, a série A Música Brasileira etc. etc. etc. prova ser um trabalho de inestimável importância, oferecendo qualidade musical a um preço justo.