Show começou frio, mas esquentou

Depois de músicas pouco conhecidas e inéditas, Marina atacou de sucessos como Fullgas, Virgem e À Francesa

Rodrigo Faour
28/07/2000
No começo, o show parecia que não ia decolar. Marina adentrou ao palco vestida num macacão azul, de cabelo preso, empunhando sua guitarra e cantou Pierrot sem que se entendesse muito o que estava dizendo, pois o som de seu microfone ainda não estava ajustado. A cantora – provavelmente um pouco nervosa – falava mais a letra do que cantava. Depois, em Arquivo II, luzes desceram do teto, e apareceu um bar no lado direito do palco. Iluminação vermelha e vídeos no telão causaram um belo efeito. Mas a música sumiu. Ninguém entendeu direito a letra cinematográfica – e desconhecida para o público. Depois, foi a vez de Deixe Estar – única de seu repertório dos últimos cinco anos que ainda tocou um pouco no rádio. Mas ela fez novo arranjo em ritmo de baladão. O público estava frio.

Depois de uma piadinha programada sobre porque teria parado de cantar depois de Registros À Meia-Voz, Marina se apresentou ao público esbanjando simpatia e finalmente tirando o macacão. Apareceu bonita, trajando calça preta e blusa de losangos coloridos. Ela parecia começar a sair da toca efetivamente. Atacou com a melancólica O Solo da Paixão e de uma versão cool de Saúde, de Rita Lee e Roberto, deixa para Nem Luxo, Nem Lixo – novamente içada para o sucesso em seu álbum Abrigo (95). Depois, cantou Pessoa – a mais aplaudida – envolta em luzes cor de vinho, com direito a ajoelhar-se no chão no melhor estilo Beth Carvalho, cantando As Rosas Não Falam. Um dos pontos altos.

Sucessos e camisa de força
O show seguiu com alguns recursos cênicos interessantes e jogos de luzes melhores ainda, e ela se soltou na agressiva Na Minha Mão – quando, sem que ninguém pudesse imaginar, foi agarrada por um figurante que lhe tascou uma camisa de força, ao som de uma espécie de samba-techno ao fundo. À Francesa foi cantada em seguida, já sem as amarras. Enfim, um hit para o público mortal. E antes de mais um sucesso – Virgem, com direito à violão em punho – ela entoou Uma Antiga Manhã, acompanhada de playback – com bela projeção de alguns famosos quadros do pintor Edward Hopper, como aquele da moça sentada na beira de uma cama.

Finalmente, Marina cantou uma inédita, a dolente Mel da Lenda (parceria com William Magalhães). Muito bonita, com bela poesia. Aliás, vale ressaltar que numa época em que o pop nacional presta cada vez menos atenção às letras, estando mais presunçosas e cheias de clichês, Marina é uma das poucas que ainda têm o que dizer. Quando não é a própria quem diz, é através de textos que lhe aprazem, como um de Carlos Drummond de Andrade declamado em off. "Estamos num tempo que não se diz mais ‘meu Deus’, nem ‘meu amor’/ Chegou um tempo em que não adianta morrer/ A vida é uma ordem sem mitificação", diz o poema – acompanhado de incrementos religiosos e profanos no cenário. A canção seguinte foi Irremediáveis Mortais, que passou despercebida em seu penúltimo CD, mas ganhou força no espetáculo.

Após o instrumental Retorno, Marina reapareceu num modelito branco e cantou outra inédita, Estou Assim ("O que você disser, eu aceito; estou assim como som que não quer ser ouvido"), fazendo dueto com própria voz em playback. Por fim, veio Fullgas, numa deliciosa roupagem techno. No mesmo clima, seguiram-se a nova versão de Para um Amor no Recife (Paulinho da Viola) e a terceira inédita em parceria com Fernanda Young, Sissi ("E a noite fez um dia no meu coração"). Nesta, Marina convidou o público para dançar. Mas mesmo fechando com a apoteótica Pra Começar – que tocou à exaustão em 1986, tema da novela global Roda de Fogo – a platéia permaneceu sentadinha.

O bis de praxe apareceu, com a versão original da ótima e expressiva Deixe Estar. E se encerrou com um medley confuso de Pierrot, Fullgás e À Francesa. Nada, no entanto, que comprometesse o espetáculo, que quando chegar aos grandes centros mais para o final do ano, certamente estará muito mais redondo. O melhor desse show é que Marina consegue contar – através de suas letras, de um clima dark-cool no ar, com um pouco de techno e luzes em pisca-pisca – a volta que faz a cabeça de uma pessoa em meio a solidão urbana das grandes cidades, com o perdão do clichê. Acompanhando o show, dá para entender um pouco os motivos que fizeram a cantora se afastar de cena.

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