Simoninha persegue os modernos anos 60

Cantor aprofunda suas viagens criativas dentro do samba-jazz e da black music em seu segundo álbum

Marco Antonio Barbosa
22/10/2002
Wilson Simoninha está de volta. Mais de dois anos depois do lançamento de seu primeiro álbum, o filho mais velho de Wilson Simonal (e irmão de Max de Castro), parte integrante da trupe dos Artistas Reunidos, recoloca na roda sua black music bem brasileira no álbum Sambaland Club ouvir 30s (Trama). A princípio, a fórmula sonora de Simoninha não se alterou de 2000 para cá; uma audição mais atenta identifica, porém, as novidades. O cantor se alinha, espiritual e sonoramente, à música brasileira feita nos anos 60, e ainda aprofunda suas fusões sonoras com referências à música negra norte-americana. O resultado vem temperado com várias participações especiais (bem ao gosto dos Artistas Reunidos) e um sabor final que oscila entre o samba-jazz e passagens pelo funk e pela soul music. Um repertório que não faria feio na voz do velho Simonal. "Esse disco realça a minha personalidade como músico", diz o cantor. Em entrevista ao Cliquemusic, Simoninha fala do disco novo, de seu despertar como compositor e no legado deixado pelo pai cantor.

Cliquemusic: Mais de dois anos se passaram entre o Volume Dois ouvir 30s, seu primeiro álbum, e Sambaland Club. Houve atraso, ou a demora foi planejada?
Wilson Simoninha:
Para um artista como eu, o mais importante é sedimentar a minha carreira. E isso se faz de várias maneiras, não precisa ser necessariamente com CD. Pode ser com show, com aparições com outros artistas, participações. O Sambaland Club atrasou um pouco para sair, mas esse atraso acabou sendo bom, deu tranqüilidade para pensar bem esse segundo disco. A princípio o intervalo entre os dois discos seria menor, pode ser que o próximo demore menos para sair.

Por acaso, seu disco sai pouco tempo depois que os trabalhos recentes de Max de Castro, Pedro Mariano e Jair Oliveira - todos ligados ao coletivo Artistas Reunidos. Tem marketing nisso?
Não é estratégia, na verdade eu nem queria que (os discos de estréia) tivessem saído todos "juntos". Foi mesmo uma decisão da gravadora. Mas era importante para mim lançar o Volume Dois naquele momento específico. O saldo acabou sendo positivo.

Neste novo álbum, você assina nove entre 13 faixas, várias delas sozinho. No disco anterior sua participação autoral é bem menor. Pode-se dizer que você se redescobriu como compositor?
Compus muito nesse período entre os dois discos. Há alguns anos, em outra fase de minha vida, eu também escrevia muita coisa, mas depois comecei a fazer menos músicas... O negócio é que sou muito crítico em relação a meu trabalho. Foi no começo de 2001 que me disciplinei, voltei a compor e estudar música mais sistematicamente. Eu preciso de uma rotina, preciso ter momentos a sós no estúdio para poder compor; diariamente, eu chegava (no estúdio) à noite, sentava e me "obrigava" a trabalhar, a compor. Achei interessante esse desafio que impus a mim mesmo. Foi um processo novo que criei para trabalhar. Eu me considero um compositor razoável, tenho muito a melhorar ainda. Esse disco é um exercício nessa direção.

Interessante é que todo o álbum caminha numa direção bem definida, pautada por várias vertentes do samba e da black music. Há o soul brasileiro de Rei de Maio, mas há também o samba-jazz de Seja Bem-Vindo.
Foi um processo de realçar a minha personalidade como músico - que obrigatoriamente passa pelo samba e pela soul. São as vertentes principais. Para conseguir o resultado que eu queria, tive que conceituar as canções, delimitar os estilos com os quais queria trabalhar. Trabalhei um conceito claro, nítido, amarrado em torno do samba e da soul music; não iria conseguir fazer um trabalho mais solto, livre. Sempre cito a música Mais um Lamento como o exemplo acabado da intenção do disco, é uma das minhas favoritas e mistura um clima soul com o espírito do samba.

Os arranjos ganharam corpo, estão mais "orgânicos" que no primeiro disco. Como foi definida essa parte?

Eu idealizo a música e depois ela acaba tomando vida própria, na hora de gravar. É um momento que não é muito tangível, fica algo meio incontrolável. Mas acho que ficou tudo bem resolvido. A orquestração, as influências explícitas de samba-jazz, e a instrumentação vintage ajudam nesse sentido.

A bossa-nova também parece ser uma referência, já presente no disco anterior e de volta agora no medley Ela É Carioca/Samba do Carioca...
A bossa acaba virando, nessa mistura, um enfoque a mais dentro do samba-jazz. Minha bossa é a instrumental, aquela dos trios, do Sergio Mendes, aquela galera do comecinho dos anos 60. Eles eram a MPB moderna da época, um som que era vanguarda. Depois que a bossa nova explodiu mundo afora, eles foram sumindo, se escondendo dentro do sucesso. Eu queria mexer com isso, com essa fase específica da nossa música. É uma homenagem mas também é um resgate - mas sem saudosismo. Daí entra a minha vontade de recuperar até a técnica da época, gravando em quatro canais, usando microfones e instrumentos daquele período.

O disco tem várias participações especiais - Seu Jorge, o Jongo Trio, parcerias com Marcelo Yuka e Bernardo Vilhena... Comente um pouco sobre essa interação.
Cada um tem seu timing, né? Seu Jorge dividiu o palco comigo em um show há pouco tempo em Florianópolis, a sintonia foi incrível. O Jair é meu sócio, dividimos um estúdio aqui em São Paulo, ele está sempre me mostrando coisas, canções, dando idéias para arranjos... Já a música (Essência) com o (Marcelo) Yuka veio de presente, foi uma letra que ele fez para que eu musicasse. Foi um prazer, quero muito trabalhar com ele de novo.

E há também a clara intenção de juntar a tradição com a novidade, um traço também presente no trabalho de seu irmão, Max de Castro.
Para mim é tudo muito natural, tudo faz parte de um só universo... Acho que a presença do Jongo Trio acaba dando uma unidade muito interessante não apenas à faixa em que eles participam (Ela É Carioca/Samba do Carioca), mas ao disco todo; é um momento de homenagem explícita ao passado, mas contido em um contexto novo. Quero um pouco de tudo, do passado e do presente - só que tudo tem de ter uma coerência, uma unidade.

O som dos anos 60 parece ter uma forte influência sobre sua atual fase, mais ainda que no trabalho anterior.
Tem esse paralelo forte com os anos 60 sim, com uma modernidade específica daquela época. O som do Jongo Trio é moderno até hoje, sem mexer do jeito que era. É como se eu quisesse dizer: "Olha, não precisa ser eletrônico pra ser moderno..." E a prova disso é que soa muito natural dentro do disco, não fica deslocado.

Ficou muito curiosa a entrada do Miéle no disco (Simoninha bate um papo com o versátil apresentador/produtor/compositor, em uma faixa-bônus de cerca de dez minutos). Como você pensou nessa participação?
O Miéle também entra nesse resgate. A faixa com ele é uma tentativa de agregar um valor a mais no disco, dar algo a mais para o ouvinte. Era uma idéia que eu já tinha no primeiro disco; pensei no Miéle logo de cara, mas poderia ser também o (produtor e pesquisador) Fernando Faro. Foi bacana trabalhar com o Miéle porque ele é uma figura das antigas, um cara singular, que também trabalhou com o meu pai e viveu uma série de coisas muito importantes na música brasileira. E talvez as pessoas não saibam disso, só tenham na cabeça a caricatura do Miéle, do cara que apresentava o (apelativo programa do canal SBT) Coquetel. É também um símbolo de tudo que eu acho que deve ser recuperado. Temos que contar direito a nossa história, de forma democrática, não falando só de quem fez sucesso.

Por falar em resgate democrático, há mais uma homenagem a seu pai, na regravação do Tributo a Martin Luther King, faixa lançada por Simonal nos anos 60. Por que incluir essa música, em especial?

Acho que é meu dever falar do meu pai. Recentemente ele vem sendo relembrado, mas não consagrado como devia. Quando ele morreu (em 2000), a figura dele acabou ganhando um novo significado para mim. Eu já havia gravado a canção antes (no álbum conjunto Projeto Artistas Reunidos ouvir 30s , lançado em 2000) mas achei importante cantá-la de novo agora, que sou mais conhecido. Mais pessoas vão ouvir e se interessar pelo Simonal. O Tributo é um marco entre as músicas brasileiras sobre racismo. É bom, por exemplo, para reafirmar a importância dele (Simonal) entre os artistas de hip hop. É importante, sempre, recolocar isso para o maior número de pessoas.