Sons da Amazônia para todo o mundo

Lançando simultaneamente um CD e um filme, os índios Ashaninka, do Acre, fazem shows em São Paulo e querem que o Brasil inteiro conheça sua cultura

Nana Vaz de Castro
07/11/2000
Diz um segmento da antropologia que o povo brasileiro deriva da mistura das raças branca, negra e índia. Na prática, entretanto, as manifestações culturais oriundas de portugueses e africanos prevalecem sobre aquelas derivadas dos povos nativos da terra brasileira. Na música, então, a discrepância é ainda maior. Música indígena no Brasil dificilmente passa de curiosidade antropológica, talvez até com menos destaque do que no exterior. Exceções há. Uma delas é o trabalho desenvolvido por Marlui Miranda, que lançou discos com a música dos povos Nambiqwara, Kaiapó, Tukano, Pakaa Nova, Jaboti, Suruí, Yanomami, Suyá, Parakaná, Karitiana, Tupari e Juruna e chegou a realizar uma missa indígena da catedral da Sé, em São Paulo.

Outra é o recém-lançado CD Homapãni ouvir 30s, com a música dos índios Ashaninka, produzido em conjunto com um documentário filmado em película, graças ao auxílio de diversas fundações, ONGs, cooperativas e leis governamentais de incentivo. Os cerca de 61 mil Ashaninka vivem na floresta Amazônica, entre o Peru (60 mil) e o Brasil (1.000), mais precisamente no estado do Acre. Segundo Nicole Algranti, responsável pela produção executiva do CD e do filme, os Ashaninka são, pela sua cultura, espiritualidade e organização, o povo mais nobre da região. Seus rituais são ricamente pontuados por música, feita por flautas, tambores e vozes, conforme registra o CD.

"Os Ashaninka acham que o Brasil não conhece suas nações indígenas. Eles querem ser conhecidos e respeitados em todo o país, e não apenas no Acre", diz Nicole, que é carioca mas morou no estado do Norte por oito anos. Ela ressalta ainda que em seu estado os Ashaninka são uma espécie de liderança para outras tribos, já que são mais organizados, vendem produtos fabricados por eles mesmos e possuem uma das associações indígenas mais ativas do Brasil. A autonomia, entretanto, foi conquistada a duras penas, depois de passar 40 anos trabalhando em regime de semi-escravidão para grupos de madeireiros.

Vendas online
A tiragem inicial de mil discos será vendida em algumas poucas lojas, mas principalmente pela internet (através do e-mail taboca@openlink.com.br) e nos shows que um conjunto de oito Ashaninka (um flautista, um cantor e seis percussionistas) estará fazendo, dia 19 de novembro na Flora (Feira de Produtos Não Madeireiros), em Rio Branco (AC) e nos dias 24, 25 e 26 em São Paulo, nos Sescs Ipiranga, Itaquera e Pompéia, respectivamente. Depois, os índios seguem direto para Brasília, onde o filme, intitulado Ari Okãta Haka (Aqui É Assim) e realizado pela cooperativa Fora do Eixo, concorre dia 27 no 33º Festival de Cinema da cidade.

"Foram dois anos de trabalho contínuo, graças aos incentivos e patrocínios que recebemos. O filme, por exemplo, custou 25 mil reais graças aos descontos que conseguimos – fora os 25 mil dólares que recebemos da Fundação Ford para o pagamento de pessoal", conta Nicole, que é cineasta e assina a direção do documentário. Os Anhaninka não são os primeiros a terem um disco próprio. Índios Kraó, Xavantes e Yawanawa também já registraram sua música. "Esses produtos, CDs e filmes, circulam entre os povos indígenas e eles passam a se conhecer melhor", afirma a produtora.