Soulfly capturado em plena invasão européia

Leia aqui entrevista exclusiva com o líder do grupo, Max Cavalera, sobre os novos rumos da banda de heavy metal

Eliane Fernandes
10/03/2003
O grupo Soulfly, fundado por Max Cavalera (ex-Sepultura) está em turnê mundial apresentando o melhor de sua música. Eles estarão rodando por mais ou menos 60 países. Em fevereiro Cliquemusic teve a oportunidade de entrevistá-los durante sua passagem por Hamburgo, na Alemanha. Os shows desta turnê estão sempre lotados, provando que o grupo já conquistou muitos fans pelo mundo afora: Colônia, Hamburgo, Berlim: todos os shows tiveram seus ingressos esgotados. O grupo ainda estará, durante o mês de março inteiro, em turnê pela Europa, tocando na Grécia, Itália, Espanha, Bélgica, Holanda, Inglaterra e França, depois de já terem tocado pela Noruega, Dinamarca, Rússia e Alemanha; Macedonia e Finlândia.

Voltando de shows pela Rússia, Max Cavalera nos revelou estar com febre, mas dizendo que eles não podem parar e demonstrando fazer parte da velha escola dos roqueiros pesados. Para eles não há tempo ruim; nada os abala, nada os tira do palco. O encontro com o metaleiro Cavalera revelou uma pessoa totalmente calma, simples e muito agradável. Confira:

Cliquemusic: Como o público estrangeiro recebe Soulfly, tendo dois brasileiros no grupo?
Max Cavalera :
Eu já estou até acostumado, pois já faz mais de 15 anos que eu estou fazendo música fora do Brasil. Então hoje em dia a gente nem para pra pensar no assunto. A turnê é gigante, são no total acho que 50 ou 60 países. E a gente fica mais de um ano direto em turnê. Mas eu estou acostumado. O legal deste som é que o público é bem fiel. É um público que a gente pode contar com eles. Com chuva ou sol eles aparecem. Isto é um plus que a gente tem e é a diferença das bandas pop. A gente tem um público mais fiel.

Como o público estrangeiro recebe vocês?
Acho que tem uma coisa especial que rola com a gente. Em todo lugar que a gente vai, em todo show tem bandeira do Brasil no público, isso é muito legal. O pessoal vestindo camisa de futebol do Brasil. Então é diferente. Eu acho que é diferente de uma banda que é só européia ou dos Estados Unidos. Eu não sei o que é, mas tem uma coisa especial e que a gente se identifica com o público melhor.

Mesmo vocês sendo metaleiros, dá pra notar principalmente no último álgum, o Soulfly 3, que vocês têm algumas músicas calmas, instrumentais... Como é isso: casca dura e coração mole?
Eu acho que é um metal diferente que a gente está fazendo hoje em dia e que tem influências diferentes. Há dez anos atrás seria impossível misturar oque a gente mistura hoje em dia. Mas eu acho que a música está mudando e tem as influências que a gente pegou com o Chico Science, do Brasil, com o Sheik Tosado e depois com outras influências de Dead Can Dance, world music e até reggae. A gente gosta muito de reggae. A gente até toca uns pedaços de reggae no show. A cara do metal mudou. É sujo e agressivo, mas ao mesmo tempo melódico e tem sentimento. É meio que o contraste, os dois opostos juntos da música.

Existe um ritmo ou estilo musical que você jamais tocaria?
Acho que sertanejo.

Mas mesmo você sendo mineiro?
Não sei, eu nunca gostei muito. Mesmo nos Estados Unidos eu não gosto de country music. Acho muito chato. O único que eu acho legal é o Willie Nelson, mas não é pela música. É por ele, porque ele é legal, ele fuma maconha na Casa Branca e coisas assim. Ele é mais rebelde. Mas a música mesmo eu não gosto. Eu gosto mesmo é de outros tipos de música.

Como é ter dois americanos no Soulfly? Como é trabalhar com eles. Tem horas que eles falam: ‘Isso aí tá muito brasileiro?’
O que acaba acontecendo e que é legal no Soulfly é que esta mistura até ajuda pro som. O Roy traz influências de hardcore norte americano. O Mikey traz influências de bandas mais novas. O que acaba acontecendo no público da gente é que há desde pessoas bem novas com 12 anos, até a galera que já gostava de Sepultura e que hoje já está com barba grande, mais velhos, de 30 a 40 anos. Então o Soulfly pega três gerações. E o Soulfly é legal por isso. Não é uma banda mais velha guarda, com uma coisa passada. O Soulfly é moderno por causa desta mistura.

Qual influência a música brasileira tem no trabalho do Soulfly?
É difícil de dizer, porque eu toco berimbau, eu escuto coisas brasileiras. A gente tem muita influência. Rolou no trabalho do Soulfly bastante influência do Nordeste, do Recife, do Chico Science, Sheik Tosado. Dá pra sentir nos três discos. A gente até fez um cover do Chico Science, no disco novo, que é a música Sangue de Bairro. E a gente tocou com eles também no primeiro disco, com o Lúcio, com o pessoal dos tambores. Mas o meu gosto particular pra música brasileira são aquelas coisas dos anos 80: Plebe Rude, Titãs, Legião Urbana. Eu acho bem legal aquela época. Eu tenho os CDs em casa e eu escuto bastante, até em vinil, que hoje quase não existe mais. Eu escuto coisas velhas, mas fico com o ouvido ligado pra coisas novas. Mas é difícil de ficar sabendo o que tá rolando atualmente na música do Brasil, porque é tanta coisa nova. Todo dia deve ter uma banda nova, igual aqui na Europa, ou nos Estados Unidos. Então é difícil acompanhar.

Você acha que a morte de Chico Science foi uma perda muito grande pra música brasileira?
Eu acho que sim. O Chico, a pessoa dele, estava mais na frente do que todo mundo esperava. Ele buscou coisas na nossa cultura, que a gente já tinha esquecido, não sabia mais, principalmente coisas do Nordeste. Todo aquele folclore que ele botou na música foi tão legal. Ele colocou de uma maneira tão diferente. A gente que cresceu no Rio ou em São Paulo tem preconceito contra nordestino. A gente sempre fazia piada do Nordeste. Mas toda a minha percepção mudou completamente depois que eu vi oque estes caras estavam fazendo. Eu os conheci pessoalmente também. Foi legal, eu passei um tempo em Recife com eles. Foi bem legal. Uma galera bem conectada do que está rolando no mundo. Eles estavam bem atuais, estavam muito à frente do que todo mundo pensava no Brasil, quando saiu o primeiro disco e o Afrociberdelia. São discos maravilhosos. Eu fiquei chocado quando eu ouvi pela primeira vez. Nunca escutei nada deste tipo. Misturando hip hop, metal, música nordestina, zabumba. Doideira. Bem legal!!!

Max, por que você decidiu tocar heavy metal?
O metal foi uma coisa que aconteceu naturalmente. Eu vi o (show do) Queen, gostei pra caramba e virei fã do Queen. Mas antes eu queria ser jogador de futebol. E depois que eu vi o show do Queen no Morumbi, que é o mesmo estádio do Palmeiras, aí eu mudei de opinião e não queria ser mais jogador de futebol. E sim músico. Mas aí, depois do Queen veio o Kiss, depois do Kiss veio o Van Halen, daí pra baixo ficou mais pesado e mais pesado. Depois veio o hardcore e o punk. Foi só mudando e a gente acabou virando metal e foi quando o Sepultura foi criado nessa época. A gente acabou virando uma banda de metal. Mas a história mudou de novo e a gente, hoje em dia, faz um metal completamente diferente do tradicional. O que eu acho legal também. Eu não tenho nada contra o metal tradicional. Eu gosto. Mas eu não ficaria satisfeito em fazer aquela coisa tradicional. Só ter cabelo grande, falar de dragões e Satanás, coisas deste tipo. Pra mim existem outros tipos de música e letras que eu faço pro Soulfly.

E o público radical? Eles aceitam isso bem?
O público da gente não só aceita como exige que a gente traga coisas diferentes, coisas novas nos discos. Acho que se a gente fizer um disco e não tiver nada novo, o pessoal vai ficar muito decepcionado. Então a gente está sempre procurando estilos novos. Mas sempre têm as nossas marcas registradas que são as músicas rápidas, as músicas com groovie, o som é bem elétrico. Tem aquela coisa de energia. Acho que por isso, até o público radical, quando vão ver o show da gente, aceita. É por causa da energia. É difícil de explicar com palavras, mas é forte, muito forte e por isso o pessoal aceita.

Como você consegue manter a voz?
A gente tem que tomar precaução, principalmente no inverno. Agora, por exemplo, eu estou meio com febre. Estou doente. A gente veio da Russia e eu acho que eu fiquei doente lá, porque estava muito frio. Tem que tomar conta, tomar bastante vitamina, tentar dormir um horário bom, pra você acordar no próximo dia se sentindo bem, pra fazer o dia inteiro de entrevista, passagem de som e depois o show. Eu também já estou acostumado. Já tem mais de dez anos que eu faço isso. Mas é difícil. Quando você fica doente não é tão bom. Principalmente no inverno aqui na Europa é bem deprê. Tem que tomar bastante remédio e a gente não pode cancelar show, tem que fazer. Mesmo se você estiver se sentindo mal pra caramba, você tem que fazer o show. Não tem tempo ruim.