Sueli Costa: a arte de cantar os mistérios da alma
Depois de 16 anos sem gravar, a compositora de Jura Secreta volta com Minha Arte, disco independente recheado de inéditas
Rosa Nepomuceno
28/06/2000
Uma das maiores compositoras da música brasileira, a mineira Sueli Costa ficou 16 anos fora dos estúdios. Ela volta agora à cena com o disco Minha Arte, patrocinado pela Companhia de Gás de São Paulo, que já está em algumas lojas do Rio de Janeiro e em breve chega às de São Paulo, com distribuição da própria artista. Nascida em Juiz de Fora e radicada no Rio de Janeiro desde 1969, Sueli vem com uma obra substanciosa – nada menos que 130 composições gravadas – muitas delas regravadas –, à espera de um produtor que se disponha a fazer seu songbook. Ela produziu dezenas de sucessos para grandes intérpretes da MPB, como Elis, Bethânia, Simone e Nana Caymmi. Jura Secreta, por exemplo, gravada em 1977 por Simone, foi regravada por Fagner duas vezes – a última meses atrás, no seu CD ao vivo.
Se vivesse nos Estados Unidos, Sueli seguramente estaria rica. Aqui, equilibra-se entre a receita dos shows, nos quais geralmente se acompanha ao piano, e a dos direitos autorais, pelos quais tem lutado especialmente a partir de 1989, quando decidiu processar uma editora que detém os direitos de 44 de suas músicas. Cantora de voz "enfumaçada", como diz, filha do blues, de Tom Jobim e da bossa nova, Sueli Costa assinou parcerias com alguns dos melhores letristas do país, musicando também poemas de Cecília Meireles, Ferreira Gullar e Fernando Pessoa. Seu sexto disco, Minha Arte, traz sete músicas inéditas. Triste às vezes, romântica sempre, Sueli acredita que sempre haverá uma alma delicada disposta a ouvir, compreender e gravar suas canções. Nos dias 3, 4 e 5 de agosto estará apresentando o repertório de seu disco no Mistura Fina, no Rio de Janeiro. A CliqueMusic, ela fala do novo CD, dos parceiros e intérpretes e dos seus maiores sucessos.
CliqueMusic – Você vinha tentando gravar, há algum tempo. Como surgiu essa oportunidade?
Sueli Costa – Obra do divino. Fui fazer um show em São Paulo, no começo de julho do ano passado, no Supremo Musical, e o Mauro Dias, do Estado de S. Paulo, me deu uma página, com uma matéria maravilhosa. No dia que saiu, o Mauro Rosito, executivo da Comgás, voltava ao Brasil depois de oito anos em Londres. No avião, pegou o jornal e começou a ler as páginas de Política, Economia, Cidade e, para não se aborrecer, passou pra coisas mais amenas, Cultura. Leu a matéria. Poucos meses depois, no Rio, eu estava fazendo um show no Vinicius, ele veio me ver e propôs o disco, com total liberdade para que eu escolhesse músicos e repertório. Quase caí pra trás. Há quanto tempo esperava por isso! Foi emocionante gravar com o Jaime Alem, João Carlos Coutinho, Jorge Helder, Pantico Rocha, Zé Carlos Bigorna. No disco estão as inéditas Imagens (com Fausto Nilo), Minha Arte, Insana (com Ana Terra), Nuvens de Cetim (com Abel Silva), Jardim (com Capinam), Novo Novelo (com Paulo César Pinheiro) e Senhora de Si, feita com o Cacaso em 1985, que estava nos meus guardados.
CliqueMusic – É você quem está distribuindo o disco. Como está fazendo isso?
Sueli Costa – Sozinha. Vendo os discos nos shows e levo às lojas e livrarias. No Rio, ele pode ser encontrado na Modern Sound e no Bar Bip Bip, em Copacabana; na Tracks, livrarias Bookmakers e Marcabru, na Gávea; na Livraria da Travessa e na Letras & Expressões, em Ipanema; na Argumento, no Leblon. Em São Paulo, estará em alguns lugares, depois do show de lançamento, que ainda não está marcado. No Brasil, se a gente não quiser depender inteiramente de gravadora tem que fazer tudo.
CliqueMusic – Por que esse período enorme sem gravar?
Sueli Costa – Antigamente, eu pensava que era obrigada a ter editora. E dei para uma delas o filé-mignon de minha obra, Vida de Artista, Jura Secreta, Face a Face, Coração Ateu, Medo de Amar. As músicas tocavam e eu recebia uma quantia irrisória, quando a editora se dispunha a pagar. Entrei com a ação, que vem vencendo instâncias e está no Supremo Tribunal de Justiça. A partir dessa época, minhas músicas passaram a tocar menos, não gravei mais discos, embora os cantores continuassem a gravar minhas músicas. Hoje, minhas novas músicas não têm editoras, respondo por elas.
CliqueMusic – Você tem uma obra muito feminina e quase todos os seus parceiros são homens.
Sueli Costa – Sempre fui mulher de botequim, de boêmia. E quando comecei a compor e vir para o Rio, em 1976, freqüentava um bar do Leme, e não havia muitas mulheres nesse meio. Lá, conheci o Sidney Miller, meu primeiro parceiro aqui, com quem fiz o chorinho Morre um Bonde em Praça Pública. Ele me apresentou ao Tite de Lemos, que fez a letra de Todos os Lugares, de Encouraçado. O Cacaso e o Abel me foram apresentados por meu parceiro de Juiz de Fora, João Medeiros. O Cacaso escreveu pra mim Dentro de Mim Mora Um Anjo e Face a Face. Conheci o Abel numa fase muito bonita dele, fizemos Alma e Jura Secreta. Ele me apresentou ao Capinam e ao Fausto Nilo. Com o Aldir Blanc fiz Altos e Baixos, com o Vítor Martins 20 Anos Blues, e com o Paulinho Pinheiro, Cordilheiras e outras mais. Cada um tem sua marca e quase sempre me mandam as letras. Com o Cacaso, a situação às vezes se invertia, com o Paulinho também. Quando Cacaso morreu, senti que, com o parceiro, irmão querido e cúmplice, desaparecia um lado brejeiro de meu trabalho. Com a morte do Tite, perdi letras de grande delicadeza. O Tite às vezes escrevia no feminino, com muita sensualidade, como os versos de Medo de Amar nº 2 – "Você me deixa um pouco tonta/ assim meio maluca/ quando me encontra/ e conta essas tolices e segredos". Só consigo compor, no violão ou no piano, se ouvir a música enquanto leio as letras. Tenho uma parceira, a Ana Terra, brilhante, e fiz uma música com Fátima Guedes, O Homem Que Escolhi.
CliqueMusic – Parceiros homens e intérpretes mulheres. Qual das cantoras gravou você mais vezes?
Sueli Costa – Bethânia e Simone, 16 músicas, cada uma. Entre os sucessos da Bethânia, estão Coração Ateu e Todos os Lugares. Entre os da Simone, Jura Secreta, Alma e Face a Face. Elis gravou Altos e Baixos, Primeiro Jornal, 20 Anos Blues e Cão Sem Dono. Gal gravou Vida de Artista e Flora Purim foi indicada para o Grammy em 1986 por 20 Anos Blues. São muitas as cantoras que me incluíram no repertório. Nana tem umas 10 músicas, a mais recente, Até o Redentor, é do disco Resposta ao Tempo, de 1998. Mas também tenho intérpretes homens: Agnaldo Rayol e Altemar Dutra gravaram Alma, Ivan Lins 20 Anos Blues e Fagner Canção Brasileira e Jura Secreta. O Edson Cordeiro ganhou o Prêmio Sharp em 1993 como melhor cantor de pop-rock com minha música Voz de Mulher, feita em parceria com Abel, que foi escolhida a melhor música do ano.
CliqueMusic – Você pertence a uma linhagem de grandes compositoras-cantoras que inclui Maysa, Dolores Duran e Dora Lopes. Você se identifica com elas?
Sueli Costa – Maysa era mais triste, não acho minha música triste. Dolores era essencialmente letrista e cantora. E, ao contrário do que muita gente acha, era brejeira em muitos momentos. Mas sempre gostei de cantoras de voz grave, densas. Fui tão fissurada na Nora Ney, com aquela voz sensual, que provavelmente trago essas influências todas, assim como a das cantoras de blues. Acredito que, essencialmente, sou filha do Tom e da bossa nova. Adolescente, eu queria ser crooner de boate, não imaginava ser incluída nessa linhagem de compositoras-cantoras.
Se vivesse nos Estados Unidos, Sueli seguramente estaria rica. Aqui, equilibra-se entre a receita dos shows, nos quais geralmente se acompanha ao piano, e a dos direitos autorais, pelos quais tem lutado especialmente a partir de 1989, quando decidiu processar uma editora que detém os direitos de 44 de suas músicas. Cantora de voz "enfumaçada", como diz, filha do blues, de Tom Jobim e da bossa nova, Sueli Costa assinou parcerias com alguns dos melhores letristas do país, musicando também poemas de Cecília Meireles, Ferreira Gullar e Fernando Pessoa. Seu sexto disco, Minha Arte, traz sete músicas inéditas. Triste às vezes, romântica sempre, Sueli acredita que sempre haverá uma alma delicada disposta a ouvir, compreender e gravar suas canções. Nos dias 3, 4 e 5 de agosto estará apresentando o repertório de seu disco no Mistura Fina, no Rio de Janeiro. A CliqueMusic, ela fala do novo CD, dos parceiros e intérpretes e dos seus maiores sucessos.
CliqueMusic – Você vinha tentando gravar, há algum tempo. Como surgiu essa oportunidade?
Sueli Costa – Obra do divino. Fui fazer um show em São Paulo, no começo de julho do ano passado, no Supremo Musical, e o Mauro Dias, do Estado de S. Paulo, me deu uma página, com uma matéria maravilhosa. No dia que saiu, o Mauro Rosito, executivo da Comgás, voltava ao Brasil depois de oito anos em Londres. No avião, pegou o jornal e começou a ler as páginas de Política, Economia, Cidade e, para não se aborrecer, passou pra coisas mais amenas, Cultura. Leu a matéria. Poucos meses depois, no Rio, eu estava fazendo um show no Vinicius, ele veio me ver e propôs o disco, com total liberdade para que eu escolhesse músicos e repertório. Quase caí pra trás. Há quanto tempo esperava por isso! Foi emocionante gravar com o Jaime Alem, João Carlos Coutinho, Jorge Helder, Pantico Rocha, Zé Carlos Bigorna. No disco estão as inéditas Imagens (com Fausto Nilo), Minha Arte, Insana (com Ana Terra), Nuvens de Cetim (com Abel Silva), Jardim (com Capinam), Novo Novelo (com Paulo César Pinheiro) e Senhora de Si, feita com o Cacaso em 1985, que estava nos meus guardados.
CliqueMusic – É você quem está distribuindo o disco. Como está fazendo isso?
Sueli Costa – Sozinha. Vendo os discos nos shows e levo às lojas e livrarias. No Rio, ele pode ser encontrado na Modern Sound e no Bar Bip Bip, em Copacabana; na Tracks, livrarias Bookmakers e Marcabru, na Gávea; na Livraria da Travessa e na Letras & Expressões, em Ipanema; na Argumento, no Leblon. Em São Paulo, estará em alguns lugares, depois do show de lançamento, que ainda não está marcado. No Brasil, se a gente não quiser depender inteiramente de gravadora tem que fazer tudo.
CliqueMusic – Por que esse período enorme sem gravar?
Sueli Costa – Antigamente, eu pensava que era obrigada a ter editora. E dei para uma delas o filé-mignon de minha obra, Vida de Artista, Jura Secreta, Face a Face, Coração Ateu, Medo de Amar. As músicas tocavam e eu recebia uma quantia irrisória, quando a editora se dispunha a pagar. Entrei com a ação, que vem vencendo instâncias e está no Supremo Tribunal de Justiça. A partir dessa época, minhas músicas passaram a tocar menos, não gravei mais discos, embora os cantores continuassem a gravar minhas músicas. Hoje, minhas novas músicas não têm editoras, respondo por elas.
CliqueMusic – Você tem uma obra muito feminina e quase todos os seus parceiros são homens.
Sueli Costa – Sempre fui mulher de botequim, de boêmia. E quando comecei a compor e vir para o Rio, em 1976, freqüentava um bar do Leme, e não havia muitas mulheres nesse meio. Lá, conheci o Sidney Miller, meu primeiro parceiro aqui, com quem fiz o chorinho Morre um Bonde em Praça Pública. Ele me apresentou ao Tite de Lemos, que fez a letra de Todos os Lugares, de Encouraçado. O Cacaso e o Abel me foram apresentados por meu parceiro de Juiz de Fora, João Medeiros. O Cacaso escreveu pra mim Dentro de Mim Mora Um Anjo e Face a Face. Conheci o Abel numa fase muito bonita dele, fizemos Alma e Jura Secreta. Ele me apresentou ao Capinam e ao Fausto Nilo. Com o Aldir Blanc fiz Altos e Baixos, com o Vítor Martins 20 Anos Blues, e com o Paulinho Pinheiro, Cordilheiras e outras mais. Cada um tem sua marca e quase sempre me mandam as letras. Com o Cacaso, a situação às vezes se invertia, com o Paulinho também. Quando Cacaso morreu, senti que, com o parceiro, irmão querido e cúmplice, desaparecia um lado brejeiro de meu trabalho. Com a morte do Tite, perdi letras de grande delicadeza. O Tite às vezes escrevia no feminino, com muita sensualidade, como os versos de Medo de Amar nº 2 – "Você me deixa um pouco tonta/ assim meio maluca/ quando me encontra/ e conta essas tolices e segredos". Só consigo compor, no violão ou no piano, se ouvir a música enquanto leio as letras. Tenho uma parceira, a Ana Terra, brilhante, e fiz uma música com Fátima Guedes, O Homem Que Escolhi.
CliqueMusic – Parceiros homens e intérpretes mulheres. Qual das cantoras gravou você mais vezes?
Sueli Costa – Bethânia e Simone, 16 músicas, cada uma. Entre os sucessos da Bethânia, estão Coração Ateu e Todos os Lugares. Entre os da Simone, Jura Secreta, Alma e Face a Face. Elis gravou Altos e Baixos, Primeiro Jornal, 20 Anos Blues e Cão Sem Dono. Gal gravou Vida de Artista e Flora Purim foi indicada para o Grammy em 1986 por 20 Anos Blues. São muitas as cantoras que me incluíram no repertório. Nana tem umas 10 músicas, a mais recente, Até o Redentor, é do disco Resposta ao Tempo, de 1998. Mas também tenho intérpretes homens: Agnaldo Rayol e Altemar Dutra gravaram Alma, Ivan Lins 20 Anos Blues e Fagner Canção Brasileira e Jura Secreta. O Edson Cordeiro ganhou o Prêmio Sharp em 1993 como melhor cantor de pop-rock com minha música Voz de Mulher, feita em parceria com Abel, que foi escolhida a melhor música do ano.
CliqueMusic – Você pertence a uma linhagem de grandes compositoras-cantoras que inclui Maysa, Dolores Duran e Dora Lopes. Você se identifica com elas?
Sueli Costa – Maysa era mais triste, não acho minha música triste. Dolores era essencialmente letrista e cantora. E, ao contrário do que muita gente acha, era brejeira em muitos momentos. Mas sempre gostei de cantoras de voz grave, densas. Fui tão fissurada na Nora Ney, com aquela voz sensual, que provavelmente trago essas influências todas, assim como a das cantoras de blues. Acredito que, essencialmente, sou filha do Tom e da bossa nova. Adolescente, eu queria ser crooner de boate, não imaginava ser incluída nessa linhagem de compositoras-cantoras.