Theo de Barros volta a compor
Parceiro de Geraldo Vandré em Disparada e integrante do lendário Quarteto Novo que o acompanhou, o violonista está escrevendo músicas com Paulo César Pinheiro
Tárik de Souza
08/08/2000
Co-autor de Disparada com Geraldo Vandré, um dos clássicos da MPB de todos os tempos, o recatado Theo de Barros está voltando ao ofício de compositor após um intervalo de quase duas décadas em que sobreviveu como arranjador. "Fiz de tudo um pouco, estão até saindo agora no Brasil pela Movieplay dois discos encomendados pela Holanda nos quais arranjei standards de Cole Porter e George Gershwin", comenta. Ele trabalha em cima de 15 letras enviadas pelo parceiro Paulo César Pinheiro, com quem já tinha escrito Partido Geral, Fruta Nativa, Ando Te Amando Tanto e Estória. "A ferrugem pega mesmo", brinca ele, que foi praticamente intimado pelo parceiro a voltar a compor.
No último disco de Theo, o refinado Violão Solo (Paulinas/Comep), de 1997, há quatro inéditas, Trigal, O Baile das Sereias, Bola Oito e Revoada, mais a referida Disparada (num desempenho instrumental repleto de sutilezas mas sem firulas) e Menino das Laranjas, outro sucesso, gravado no começo dos 60 por Geraldo Vandré, e a seguir na estréia da Elis Regina pós-bossa nova. Ao contrário do que ouvintes da época possam imaginar, o compositor nascido no Rio, mas criado em São Paulo a partir dos 12 anos de idade, não precisou buscar muito longe inspiração para o tema social. "Menino que vai pra feira/ vende sua laranja até se acabar/ é filho de mãe solteira/ cuja ignorância tem que sustentar", foi bolado observando os meninos que empurravam seus rolimãs na feira da rua Bolivar, em Copacabana.
Disparada precisou ser podada
Filho de um diretor das emissoras associadas, Theo cresceu com a casa repleta de artistas e aprendeu a tocar violão no instrumento presenteado por um vizinho. "Quando me mudei para São Paulo, o violão era meu único amigo, acabei me aprofundando no instrumento para valer", justifica. Aos 13 anos compôs a primeira música, Saudade Pequenina, ainda um samba. "Mas eu já gostava de harmonias modernas, diferentes. Quando apareceu a bossa nova foi um maná. Procurei comprar os discos e começamos a fazer reuniões da turma de São Paulo".
Numa dessas, conheceu o futuro parceiro Vandré, que gravou Menino das Laranjas em seu primeiro disco. "Nas vésperas do Festival da Record de 1966, ele me chamou em casa e mostrou uma letra para ver se eu musicava. Em duas ou três noites nasceu a Disparada, mas foi preciso cortar uma parte dos versos que eram mais extensos ainda", lembra ele que reconhece uma combinação de catira, moda de viola e acento nordestino na música, regravada até pela tradicional dupla sertaneja Tonico e Tinoco. Vandré também foi um dos responsáveis pelo aparecimento de um dos grupos musicais mais inovadores da MPB, o Quarteto Novo, formado (inicialmente como trio) por Theo (violão), Heraldo do Monte (viola), Airto Moreira (percussão) e Hermeto Pascoal (flauta).
Percussão movida a queixada de burro
Theo faz questão de remexer no baú da verdadeira história do Quarteto. "Foi uma agência de publicidade, a Standard que trabalhava com os desfiles de moda da Rhodia, com o Livio Rangan à frente, que teve a idéia de colocar um acompanhamento musical diferente. Era um show com texto do Millôr Fernandes, Mulher, Esse Super Homem, com Lílian Lemmertz, Carlos Zara (e Vandré eventualmente como ator) acoplado aos desfiles e eles não queriam aquele trio convencional da bossa, de piano, baixo e bateria. O Vandré bancou o mecenas, financiou um ano de ensaios para que o trio estreasse afiado e depois trouxe o Hermeto. O Airto era baterista, mas eles queriam que ele inventasse uma percussão nova. De início, eram umas tumbadoras, depois entrou o caxixi, até chegar à célebre queixada de burro", hierarquiza. Nascia um modelo que percorreria o mundo.
Mesmo fora da apresentação final de Disparada, que terminou empatada em primeiro lugar com A Banda de Chico Buarque, o grupo ganhou fama instantânea no meio musical. "Aí começou a pressão. Todos os artistas queriam a gente e o Vandré com aquele temperamento fácil dele acabou armando uma briga e nos separamos", ironiza Theo. No festival seguinte, o Quarteto acompanharia tanto a vencedora Ponteio (Edu Lobo/ Capinam) quanto a vaiada Beto Bom de Bola, por Sérgio Ricardo. "O Gilberto Gil nos convidou para fazer também o Domingo no Parque, mas não conseguimos nos acertar com as idéias tropicalistas do Guilherme Araújo. Não era a nossa praia", separa.
O grupo gravaria um único disco em 1967, considerado pela crítica uma obra-prima, mas não iria longe. "O Airto Moreira mudou para os EUA. Experimentamos três percussionistas até encontrar o Nenê, mas cada um começou a receber convites de trabalho individuais e o grupo foi perdendo a força", lamenta. O Quarteto terminou sem deixar registrado seu trabalho jazzístico e com um projeto já engatilhado, uma Missa escrita por Vandré. "Conseguimos até uma igreja escondida no Ibirapuera com um padre maluco que permitiu que a gente gravasse lá", diverte-se.
Trilhas, inéditas e projetos de shows
Autor de outro clássico do protesto, o baião Vim de Santana ("deixei os meus filhos por lá/ vim sem dinheiro"), ele diz que nunca pertenceu ao Centro Popular de Cultura da UNE e que a música tem a ver com as origens nordestinas da família. Gravada por ele num compacto ("Foi o único registro com letra, você conhece?", espanta-se), ela é sua única composição no repertório do Quinteto. Theo foi diretor musical de peças como Arena Conta Zumbi, assinou com Augusto Boal Arena Conta Bolivar, fez a trilha do filme Quelé do Pajeú de Anselmo Duarte, além da produção e arranjos da série Música Popular do Centro-Oeste, do selo Marcus Pereira.
Em 1979, fundou a gravadora Eldorado, onde lançou o álbum duplo Primeiro Disco, que sintetiza parte de sua obra, gravada por um escrete que vai da bolerista Edith Veiga (Cantador) à refinada Alaíde Costa (Igrejinha). O disco com as novas composições deve ficar pronto até o final do ano e pode resultar num show de lançamento do discreto Theo com o parceiro Paulo César Pinheiro. "Mas também podemos mudar a estratégia e distribuir as músicas entre os cantores para que elas se tornem conhecidas antes", articula.
No último disco de Theo, o refinado Violão Solo (Paulinas/Comep), de 1997, há quatro inéditas, Trigal, O Baile das Sereias, Bola Oito e Revoada, mais a referida Disparada (num desempenho instrumental repleto de sutilezas mas sem firulas) e Menino das Laranjas, outro sucesso, gravado no começo dos 60 por Geraldo Vandré, e a seguir na estréia da Elis Regina pós-bossa nova. Ao contrário do que ouvintes da época possam imaginar, o compositor nascido no Rio, mas criado em São Paulo a partir dos 12 anos de idade, não precisou buscar muito longe inspiração para o tema social. "Menino que vai pra feira/ vende sua laranja até se acabar/ é filho de mãe solteira/ cuja ignorância tem que sustentar", foi bolado observando os meninos que empurravam seus rolimãs na feira da rua Bolivar, em Copacabana.
Disparada precisou ser podada
Filho de um diretor das emissoras associadas, Theo cresceu com a casa repleta de artistas e aprendeu a tocar violão no instrumento presenteado por um vizinho. "Quando me mudei para São Paulo, o violão era meu único amigo, acabei me aprofundando no instrumento para valer", justifica. Aos 13 anos compôs a primeira música, Saudade Pequenina, ainda um samba. "Mas eu já gostava de harmonias modernas, diferentes. Quando apareceu a bossa nova foi um maná. Procurei comprar os discos e começamos a fazer reuniões da turma de São Paulo".
Numa dessas, conheceu o futuro parceiro Vandré, que gravou Menino das Laranjas em seu primeiro disco. "Nas vésperas do Festival da Record de 1966, ele me chamou em casa e mostrou uma letra para ver se eu musicava. Em duas ou três noites nasceu a Disparada, mas foi preciso cortar uma parte dos versos que eram mais extensos ainda", lembra ele que reconhece uma combinação de catira, moda de viola e acento nordestino na música, regravada até pela tradicional dupla sertaneja Tonico e Tinoco. Vandré também foi um dos responsáveis pelo aparecimento de um dos grupos musicais mais inovadores da MPB, o Quarteto Novo, formado (inicialmente como trio) por Theo (violão), Heraldo do Monte (viola), Airto Moreira (percussão) e Hermeto Pascoal (flauta).
Percussão movida a queixada de burro
Theo faz questão de remexer no baú da verdadeira história do Quarteto. "Foi uma agência de publicidade, a Standard que trabalhava com os desfiles de moda da Rhodia, com o Livio Rangan à frente, que teve a idéia de colocar um acompanhamento musical diferente. Era um show com texto do Millôr Fernandes, Mulher, Esse Super Homem, com Lílian Lemmertz, Carlos Zara (e Vandré eventualmente como ator) acoplado aos desfiles e eles não queriam aquele trio convencional da bossa, de piano, baixo e bateria. O Vandré bancou o mecenas, financiou um ano de ensaios para que o trio estreasse afiado e depois trouxe o Hermeto. O Airto era baterista, mas eles queriam que ele inventasse uma percussão nova. De início, eram umas tumbadoras, depois entrou o caxixi, até chegar à célebre queixada de burro", hierarquiza. Nascia um modelo que percorreria o mundo.
Mesmo fora da apresentação final de Disparada, que terminou empatada em primeiro lugar com A Banda de Chico Buarque, o grupo ganhou fama instantânea no meio musical. "Aí começou a pressão. Todos os artistas queriam a gente e o Vandré com aquele temperamento fácil dele acabou armando uma briga e nos separamos", ironiza Theo. No festival seguinte, o Quarteto acompanharia tanto a vencedora Ponteio (Edu Lobo/ Capinam) quanto a vaiada Beto Bom de Bola, por Sérgio Ricardo. "O Gilberto Gil nos convidou para fazer também o Domingo no Parque, mas não conseguimos nos acertar com as idéias tropicalistas do Guilherme Araújo. Não era a nossa praia", separa.
O grupo gravaria um único disco em 1967, considerado pela crítica uma obra-prima, mas não iria longe. "O Airto Moreira mudou para os EUA. Experimentamos três percussionistas até encontrar o Nenê, mas cada um começou a receber convites de trabalho individuais e o grupo foi perdendo a força", lamenta. O Quarteto terminou sem deixar registrado seu trabalho jazzístico e com um projeto já engatilhado, uma Missa escrita por Vandré. "Conseguimos até uma igreja escondida no Ibirapuera com um padre maluco que permitiu que a gente gravasse lá", diverte-se.
Trilhas, inéditas e projetos de shows
Autor de outro clássico do protesto, o baião Vim de Santana ("deixei os meus filhos por lá/ vim sem dinheiro"), ele diz que nunca pertenceu ao Centro Popular de Cultura da UNE e que a música tem a ver com as origens nordestinas da família. Gravada por ele num compacto ("Foi o único registro com letra, você conhece?", espanta-se), ela é sua única composição no repertório do Quinteto. Theo foi diretor musical de peças como Arena Conta Zumbi, assinou com Augusto Boal Arena Conta Bolivar, fez a trilha do filme Quelé do Pajeú de Anselmo Duarte, além da produção e arranjos da série Música Popular do Centro-Oeste, do selo Marcus Pereira.
Em 1979, fundou a gravadora Eldorado, onde lançou o álbum duplo Primeiro Disco, que sintetiza parte de sua obra, gravada por um escrete que vai da bolerista Edith Veiga (Cantador) à refinada Alaíde Costa (Igrejinha). O disco com as novas composições deve ficar pronto até o final do ano e pode resultar num show de lançamento do discreto Theo com o parceiro Paulo César Pinheiro. "Mas também podemos mudar a estratégia e distribuir as músicas entre os cantores para que elas se tornem conhecidas antes", articula.