Toda a honra a Paulinho da Viola, 60

O ilustre portelense comemora aniversário com shows especiais e ganha álbum-tributo da revelação Teresa Cristina

Filipe Quintans e Marco Antonio Barbosa
17/11/2002
Seja do ponto de vista do artista, seja do ponto de vista do homem, completar 60 anos para Paulinho da Viola é indiferente. "Acho que os dois aspectos se entrelaçam. Minha relação com o tempo é de paz: não brigo com ele e ele não me incomoda. O que me preocupa é saúde, só", diz o compositor que fez no Teatro João Caetano, no Rio, três shows de comemoração de seu 60º aniversário (ocorrido em 12 de novembro).

Ainda sobre o tempo, Paulinho expõe que sua vivência é retilínea. Passado, presente e futuro não se separam: se confundem. "A idéia de meu trabalho é assim: não sinto saudade de nada, mesmo das pessoas que tiveram muito a ver com minha vida. Vejo toda a existência do ser humano como um ciclo, uma espiral que leva todo mundo", teoriza.

Visto por muitos como mantenedor da tradição do samba, não se deixando levar por modismos sugeridos pelo mercado ("Existe uma dinâmica muito maior nisso", argumenta), o compositor prefere recusar o título. Opta por ser um divulgador da memória, que para ele, nem é tão memória assim. "É preciso que as pessoas saibam que a cultura de massa no Brasil é de 70 anos para cá, ou seja, da era do rádio para cá, então que saudosismo é esse?", dispara. A memória musical brasileira, hoje em franco processo de recuperação e levantamento, para Paulinho, é muito maior do se imagina. "Você vê um disco de obras inéditas de Pixinguinha e pensa: `Mas só isso de material inédito?' Não. Existe muito mais coisa, é que ainda não tivemos tempo de digerir a coisa toda a obrigação é de levantar esse material para que as pessoas conheçam", afirma.

Nos três shows que fez, Paulinho da Viola recebeu três convidados: os grupos Nó em Pingo D'Água e Galo Preto e o compositor Elton Medeiros. No repertório, entre os clássicos absolutos da carreira de Paulinho e do samba, estarão algumas novidades que surgiram no momento de escrever o roteiro do espetáculo. "Algumas canções que não cantava em show há muito tempo entraram, como Chuva e uma canção de Cartola chamada Vai Amigo, revela. Contrário a maior parte das homenagens que lhe foram feitas, Paulinho preferiu realizar os shows como um agradecimento. "Tudo que fizeram em minha homenagem foi à minha revelia", conta ele, que pretendia mesmo era viajar com a família, tirando férias vencidas há tempos. "Fiz esses shows porque achava falta de consideração com quem me homenageou", explica, sempre sincero.

No próximo ano, Paulinho pretende fazer shows, de forma mais organizada e por todo o País. "Quero começar depois do Carnaval, quando pretendo estar com um disco engatilhado também", explica. Sobre sua possível saída da gravadora BMG (ele estaria indo se juntar à Maria Bethânia na gravadora Biscoito Fino), Paulinho prefere não adiantar nada. "Estamos conversando, mas ainda não acertei nem assinei nada", encerra.

Teresa Cristina e a manutenção da tradição
Bem a calhar com o clima de comemoração que envolve os 60 anos de Paulinho vem o disco duplo A Música de Paulinho da Viola, recém-lançado pela cantora Teresa Cristina e todo dedicado à obra do sambista carioca. O álbum, posto nas lojas pelo selo DeckDisc, coroa a trajetória de Teresa - que, nos últimos quatro anos, tornou-se uma referência em termos de samba de raiz no Rio de Janeiro, mantendo uma duradoura (e concorrida) "residência" no bar Semente, no bairro boêmio da Lapa.

"Paulinho é perfeito. Nunca desperdiça idéias", opina Teresa, que regravou 28 das mais características canções do compositor (de clássicos como Coração Leviano, Foi um Rio que Passou em Minha Vida e Pecado Capital a coisas mais obscuras - Depois de Tanto Amor, com participação do próprio autor, e até Meu Mundo É Hoje, de Wilson Batista, mas cantada por Paulinho no começo de carreira). "Gravar um disco assim foi como um sonho. Fiquei encantada com o convite, um presente de verdade", diz Teresa, que estréia em CD aos 34 anos com A Música de.... Junto à cantora estão Elton Medeiros (que canta em Tudo se Transformou), o Época de Ouro (Samba do Amor e Para Ver as Meninas) e a Velha Guarda da Portela (pontuando em Coisas Banais e Perdoa), todos sob a produção de Paulão Sete Cordas.

A união entre as canções de Paulinho e a voz de Teresa não é ocasional. Grande parte do repertório das noitadas da cantora saiu da lavra do portelense. A interpretação suave e cadenciada de Teresa cai bem no estilo sutil das composições de Paulinho. E a formação que a acompanha no álbum é a mesma que a secunda nas noitadas cariocas: João Callado (cavaquinho), Ricardo Contrim (surdo), Pedro Miranda (pandeiro e voz) e Bernardo Dantas (violão), o grupo Semente.

A estréia de Teresa em CD vem confirmar todos os loas que a crítica musical carioca tem tecido à ela, desde que Teresa (uma ex-manicure formada em Letras) despontou como cantora e compositora, aos 27 anos. "Quando comecei a cantar, aquilo para mim era um emprego. Mas agora sinto orgulho de ter feito o Semente ficar em voga por esse tempo todo", reconhece Teresa.