Todo amor que houver nesta vida

Gal Costa lança álbum muito romântico e rebate as possíveis polêmicas sobre política

Marco Antonio Barbosa e Mônica Loureiro
08/01/2001
O "combinado" era que Gal Costa lançaria seu 27º álbum, Gal de Todos os Amores, em maio, marcando seu retorno aos chamados discos de carreira depois do tributo que fez a Tom Jobim em 1999 (Gal Canta Jobim). Mas algumas reviravoltas no cenário político nacional - as quais, a princípio, nada têm a ver com música - fizeram com que a cantora baiana adiasse o lançamento por pelo menos dois meses. Agora, a diva fa-tal dá a cara à tapa. E em troca, oferece um disco que só fala de amor. Gal de Todos os Amores é baseado em releituras (algumas de músicas já gravadas pela própria Gal), e tem como tema principal a paixão e sentimentos congêneres.

"A idéia da temática do amor veio de Daniel Filho", explica Gal, referindo-se ao famoso diretor de TV que - surpreendentemente - divide a produção do álbum com Wagner Tiso. "A ligação dele com meu novo disco começou ano passado, quando Daniel me convidou para participar de um musical que seria dirigido por ele." O espetáculo não foi à frente, mas Gal manteve a parceria com Daniel para ...De Todos os Amores. Desse musical, permaneceu a idéia de gravar Sophisticated Lady, de Duke Ellington, vertida por Geraldo Carneiro para o português e transformada em Dama Sofisticada.

A cantora então pôs-se a garimpar canções que se encaixariam na proposta conceitual do novo álbum. (Não) por acaso, das 13 faixas, apenas duas são 100% novas (mas não inéditas): Caminhos do Mar, de Dorival & Danilo Caymmi com Dudu Falcão, já conhecida através da telenovela Porto dos Milagres e a balada Apaixonada (composta por Ed Motta e Nelson Motta para o filme A Partilha, também dirigido por Daniel Filho). "É uma boa música para um disco como este, que é bem centrado no amor e tem canções que falam de amor de modos diferentes", diz Gal.

Ela explica: "Como eu não tinha um repertório de canções inéditas, optei por regravar coisas que gostaria de ver com outra roupagem e gravar músicas que eu não tive oportunidade em outros trabalhos. Afinal, cumpro um contrato que diz que tenho de lançar um disco a cada dois anos." Seria culpa da entressafra que muitos enxergam na seara dos compositores brazucas? Gal esclarece: "Na verdade, eu tenho um grande número de músicas novas guardadas, de gente nova. Recebo muitas fitas, do Brasil todo, mas nada do que me empolgou muito. Então, tomei como critério gravar apenas coisas que gosto de ouvir."

Cinco músicas são regravações do catálogo passado da cantora: Índia (esta já registrada duas vezes, em 1973 e 1979), Folhetim, Que Pena, Força Estranha e O Amor. Antes que a questionem sobre o possível conservadorismo de suas opções, Gal defende sua postura: "Normalmente cantoras brasileiras não fazem regravações das próprias músicas. Entre as americanas é bastante comum isso. Sarah Vaughn fazia isso, Ella Fitzgerald também, e ninguém as cobrava. Além do mais, são todas regravações completamente diferentes das versões originais. Cobram muito que eu me renove, mas quando faço coisas diferentes - como O Sorriso do Gato de Alice - todo mundo critica."

Além de revisitar a sua própria carreira, Gal também incluiu algumas canções que ela sempre teve vontade de intepretar. Caso, por exemplo, de Última Estrofe, de Cândido das Neves. "Essa vem dos tempos que eu, Maria Bethânia e uma turma fazíamos serenatas na Bahia. A Bethânia sempre cantava essa música. Eu conheço a gravação original do Orlando Silva e a adoro, sempre tive vontade de gravar", relembra Gal. Na mesma seção se encontra Contigo Aprendi, versão (novamente de Geraldo Carneiro) para o bolero homônimo do mexicano Armando Manzanero - que já tinha uma versão anterior, feita por Nazareno de Brito. "Acontece que eu não gostava muito da versão antiga, a do Geraldinho ficou muito melhor. Adoro o Manzanero", diz Gal.

Os arranjos de Wagner Tiso para o álbum (arregimentando uma turma de músicos que inclui Henrique Cazes, Milton Guedes, Jurim Moreira, Victor Biglione, Dori Caymmi e Nivaldo Ornellas) fazem a linha cool, emoldurando uma Gal que mostra um registro vocal mais contido e grave. "Experimentamos muito no estúdio até chegarmos a esse formato, as canções foram mudando bastante durante as sessões. Algumas chegaram a ser gravadas num tom mais dramático, com alguns agudos, mas preferimos 'baixar a bola' um pouco, fazer mais suave. Gosto muito desse meu registro mais grave", fala Gal sobre a sonoridade do disco.

Os planos para a divulgação de Gal de Todos os Amores são imodestos. "Em outubro vou cantar no México com Pablo Milanez, e de lá sigo para uma apresentação no Carnegie Hall (Nova York)", fala Gal. Antes de viajar, promete que estréia o show novo no Rio e em São Paulo. Apesar de estar meio ressabiada com a possível recepção do mercado a seu CD. "As rádios, autoritariamente, decidem qual estilo de música tocar. A MPB hoje é muito menos executada do que deveria ser. As músicas desse disco são totalmente populares, mas com arranjos muito sofisticados para tocar em rádios. Isso me irrita muito. O povão gosta de mim, de Chico Buarque e de tantos outros, e é inaceitável que não haja acesso a este tipo de música."

E, para quem gosta de falar de política e não de música... Gal admite que sim, adiou o lançamento do novo álbum para escapar do olho do furacão da polêmica envolvendo o ex-senador Antônio Carlos Magalhães. ACM, crucificado pela mídia e pela opinião pública - por quebra de decoro parlamentar - teve em Gal uma defensora na época mais crítica da crise. Bem no período previsto originalmente para a chegada do disco às lojas. O motivo foi escapar do provável bombardeio de cobranças que a cantora temia sofrer da imprensa, por sua - segundo elas - sincera manifestação de apoio pessoal ao ex-senador.

"Fui incompreendida, mal interpretada. Minha intenção não foi dar apoio político, e sim moral a um homem que fez muito pela cultura da Bahia. Eu nunca subi em palanque, não gosto de política, nunca recebi ajuda para fazer meu trabalho. Foi uma atitude humanista e corajosa. A imprensa deu uma conotação política, um patrulhamento exagerado. Algumas pessoas de determinadas mídias insistem em querer destruir o trabalho dos artistas. Da minha integridade ninguém pode duvidar", declara Gal. E, como que para não deixar dúvida sobre sua lisura, conclui: "Eu sei que Antônio Carlos Magalhães cometeu um ato ilícito."