Todo o samba de Celso Fonseca e Ronaldo Bastos

Dupla completa com Juventude/Slow Motion Bossa Nova trilogia de discos revitalizando a estética da Bossa Nova

Julio Moura
15/02/2002
Juventude/Slow Motion Bossa Nova fecha uma trilogia, iniciada por Celso Fonseca e Ronaldo Bastos em Sorte ouvir 30s (1994) e desdobrada em Paradiso ouvir 30s (97), todos lançados pela Dubas Música. O novo álbum, ambientado em um universo de citações pós-modernas, marca o amadurecimento/clímax da dupla, responsável por sucessos como Sorte e Polaróides. Financiado em parte pelo publicitário Washington Olivetto, Juventude mostra credenciais de agente libertador no cativeiro estético onde a MPB se encontra há pelo menos duas décadas, marcadas, de um lado pelo saudosimo estéril, de outro por invencionices industriais inconsistentes.

O álbum também foi recebido de maneira polarizada. Enquanto uns festejam em Bastos/Fonseca a retomada de algo que um dia os tropicalistas (eles próprios, bossanovistas de carteirinha) chamaram de linha evolutiva da música popular brasileira, outros reclamam uma suposta ausência de novidades na proposta.

"O álbum foi planejado para fechar uma trilogia, o que não representa o término da parceria. É a conclusão de um ciclo iniciado em Sorte e Paradiso, são discos que se complementam, cada um representa um passo adiante do outro", sustenta Celso Fonseca. O cantor, compositor, produtor e guitarrista/violonista se diz resistente aos rótulos que possam ser associados a um disco que, já a partir do título, remete à marca Bossa-Nova.

"Quando fizemos Paradiso, diziam se tratar de um novo movimento, a MPC (Música Popular Carioca). O rótulo não me agradava, assim como não considero Juventude um disco de Bossa-Nova. É apenas o título de uma canção que também dá nome ao álbum. Talvez o fato de o disco centrar-se em torno de canções, no formato de voz e violão, seja a única semelhança direta com a Bossa-Nova. É bossa, não necessariamente nova", destrincha.

De Dylan a Claudinho e Buchecha
A bossa, não necessariamente nova, a que Celso alude, é mais uma entre as diversas referências do disco. Assim como a BN é literalmente citada, na canção-título, e em Valeu, que começa com os versos/métrica jobinianos "Sim, promessas fiz", de Só em Teus Braços, toda uma gama de influências merece menção na "Juventude" madura de Bastos e Fonseca. Ícones da música americana, como Miles Davis (Miles Ahead of Time) e Bob Dylan (Dylan em Madri) desdobram o universo de sambistas da estirpe de Donga e Ismael Silva (Samba É Tudo).

Roberto Carlos (a quem A Voz do Coração é dedicada), o cineasta François Truffaut (citado em O que Restou do Nosso Amor versão de Que Reste-t-il de Nos Amours, canção de Charles Trenet para o filme Beijos Roubados) e Claudinho e Buchecha ("valeu tirar no violão 'love só love'", em Valeu) completam a antologia romântica.

Investidor secreto
A dupla de MCs não é novidade conceitual para Celso e Ronaldo. Nos shows de Paradiso, Celso cantava o megahit Conquista, em leitura bossanovista, que encantou Washington Olivetto. O publicitário quis incluir a versão de Celso em um comercial, mas a editora de Claudinho e Buchecha não liberou, na época. Olivetto acabou se tornando, anos depois, o "investidor secreto" de Juventude. "Fiquei que nem marido traído nessa história. Fui o último a saber da participação de Washington Olivetto", brinca Celso.

"O Ronaldo dizia que havia uns investidores secretos, mineiros, mas nunca me dizia de quem se tratava. Até que, finalmente, quando o álbum já estava pronto, Ronaldo me disse que os investidores mineiros queriam me conhecer e marcamos encontro em um restaurante. Quando cheguei no local, lá estavam Washington e Ronaldo morrendo de rir", resigna-se.

Samba é tudo x samba raro
Uma polêmica ganhou velocidade superior ao Slow motion que o título do disco possa sugerir. Os versos de Samba É Tudo ("Samba raro é samba em paz/e quem faz não diz que tem valor" e "ser sambista é muito mais que ser notícia nos jornais de Sampa") vestiram carapuças em parte da imprensa paulista, que reagiu com críticas - e cabeça - duras. O possível alvo da espetada poética, Max de Castro, do superestimado disco Samba Raro ouvir 30s (Ed Motta chegou a chamá-lo de "novo Chega de Saudade", referindo-se ao disco de estréia de João Gilberto), reagiu de maneira zen. Buscou a não-reação.

"Max foi elegantíssimo. Nem eu, nem Ronaldo, temos nada contra ele, nem contra a gravadora dele (Trama), e muito menos contra São Paulo. A expressão 'samba raro' não é privilégio do Max. Cobram inovações, mas não vejo este tipo de pretensão nem no disco dele, nem no nosso ", devolve o compositor.

As conquistas de Paradiso em relação a Sorte também parecem reafirmadas em Juventude/Slow Motion Bossa Nova. O tratamento das partituras, assumido por Celso e Eduardo Souto Neto, garante a continuidade da sofisticação multifacetada da poética de Bastos. Outra conquista: a voz de Celsinho soa cada vez menos vulnerável à incômoda comparação com a de Caetano Veloso, algo que pautava o primeiro disco, abstraía-se no segundo e, agora, se distancia como o tempo em que a Bossa-Nova era combatida por eus-interpretantes mais tradicionalistas. "O samba sempre teve uma característica provocadora, faz parte da história do gênero, desde Noel, Ismael, Assis Valente, Wilson Baptista. O samba é meu estilo de música favorito. Samba é tudo", engloba Celso.