Tom Jobim ganha tributo morno

Simone, Ivan Lins e Martinho da Vila se destacam num show de mesmice e de interpretações sem brilho ou equivocadas para a obra do maestro

Rodrigo Faour
22/11/2000
A idéia de se prestar homenagens a grandes compositores da MPB é sempre louvável. Mas o Tributo a Tom Jobim que aconteceu ontem à noite no ATL Hall (RJ), a fim de ser registrado em CD, DVD e especial de TV do canal Multishow, deixou muito a desejar. Apesar de contar com orquestra em vários números e bons músicos na banda de base, todos regidos pelo maestro Eduardo Souto Neto, houve dois problemas básicos: os intérpretes, em sua maioria, não pareciam muito seguros com suas respectivas músicas, e algumas canções soaram totalmente inadequadas aos cantores escolhidos para interpretá-las. O resultado foi um show morno, que pouco acrescentou à obra já tão cantada e regravada do maestro.

Para começar, um Paulinho Moska com look e gestos à la Renato Russo encarou a desgastada Eu Sei que Vou Te Amar e ainda levou um livrinho para recitar o Soneto da Fidelidade (de Vinicius de Moraes e não de Tom) antes de entoá-la. Nada aconteceu. Depois, um tímido João Bosco fez uma interpretação fria, só com voz e violão, para o clássico Águas de Março. Da mesma forma, Leila Pinheiro cantou a ingrata Sem Você – uma canção bela, porém sem grande apelo, ao contrário de tantas outras do maestro que ela própria já interpretou com extrema competência. O Quarteto em Cy também fez uma versão apenas aceitável de Desafinado, sem maior inventividade – a não ser o fato de ter incluído o prelúdio, normalmente esquecido nas gravações dessa canção.

Zé Renato cantou Triste, com seu jeito de garoto tímido, sempre afinado mas sem novidades. E Lenine, num tom baixo demais e sem maiores nuances interpretativas, destruiu Wave – caso típico de canção equivocadamente destinada a um intérprete. Com certeza, se Lenine tivesse ficado com Triste e Zé com Wave, o resultado seria bem melhor.

Insensatez
No capítulo fiascos, temos uma Paula Toller fria como uma pedra na tristíssima Por Causa de Você. Ela estava tão distante do que estava cantando que tropeçou na afinação e teve de repetir o número. A seguir, Paulo Ricardo sussurrou Insensatez (em versão bilíngüe, em inglês e português), quase como um cover de George Michael, com direito a dois assovios mal colocados ao meio da canção. Salvou-se apenas o arranjo – o mais moderno da noite, com citações ao tema do filme Aeroporto. Mas nada se compara à destruição de Luíza por Carlinhos Brown. Ele entrou no palco com um vestido e seu inseparável turbante, fazendo uma deslocada percussão de boca. Depois, cantou a música no andamento original até que após o verso "Eu sei que embaixo dessa neve mora um coração", conclamou o público a colocar a mão no coração da Luíza. Totalmente fora de propósito.

Daniela Mercury voltou americanizada de sua última turnê pelos Estados Unidos e apresentou-se bastante glamourizada (estava a cara da Glória Estefan!) e fez uma leitura correta de Corcovado, sem seus exageros habituais. Já Ed Motta (acompanhado de Daniel Jobim, ao piano) escorregou ao tentar impingir um teor soul à derramada Por Toda a Minha Vida. Começou num tom baixo demais, pulou de sua voz própria para o falsete de forma brusca em demasia e acabou realizando uma versão aquém do esperado.

Simone, Martinho da Vila e Ivan Lins
(Fotos: Betí Niemeyer)
Se Daniela, Leila e Bosco realizaram versões corretas, outros três artistas se saíram bem – ainda que nenhum deles tenha conferido interpretações definitivas às canções. Foram justamente os três que encerraram o show. Ivan Lins, acompanhando-se ao piano e de orquestra, imprimiu seu estilo denso e emotivo característico à bossa O Amor em Paz. Simone esbanjou classe numa versão discreta e num tom grave, bastante confortável, ao standard Garota de Ipanema. Fechando a noite, Martinho da Vila, com sua simpatia cativante, imprimiu contornos recitativos ao samba A Felicidade. Foi pouco. Tom merecia um tributo mais coerente, bem ensaiado e com uma escolha de intérpretes mais adequada.