Tom Jobim por inteiro, sem concessões

Primeiro dos seis livros com partituras originais, fotos e textos sobre a obra do maestro chega às lojas, em projeto coordenado pelo filho Paulo Jobim

Nana Vaz de Castro
12/12/2000
Antes de morrer, em 8 de dezembro de 1994, Tom Jobim elaborava um projeto de fazer uma edição com sua própria obra musical completa, inspirado nos songbooks de Rodgers & Hart, Cole Porter e Gershwin, os pilares da canção americana. Agora, sua família finalmente consegue pôr em prática o sonho do maestro soberano. Dirigido por Paulo Jobim, filho de Tom, o Cancioneiro Jobim chega ao público em seis volumes – cinco com a obra completa e uma edição de luxo, com obras escolhidas – contendo partituras originais para piano, fotos e textos (em português e inglês). Os filhos de Paulo, Daniel e Dora Jobim, também integram a equipe de produção do trabalho.

Reprodução da capa
A idéia é trazer à tona partituras mais completas e fiéis ao original do que as editadas no songbook em três volumes lançado pela editora Lumiar em 90, que contem letra, melodia e cifra para violão – apenas algumas vêm com as partes para piano. Segundo Paulo, cerca de 120 de um total de 250 partituras do Cancioneiro (que, Brasileiro como Tom, não se chama songbook) foram revisadas pelo próprio compositor em um trabalho que pai e filho fizeram ao longo dos anos. Ficou da seguinte forma: cinco livros organizados cronologicamente publicam a obra completa em partituras. Mais simples, com poucas fotos e textos e impressão em duas cores, custarão cerca de R$ 40 cada um. Um "livrão" todo impresso em quatro cores, com riqueza de fotos, desenhos e reproduções traz 42 partituras, dos maiores sucessos de Tom, abrangendo toda a sua carreira. Verdadeiro livro de arte, de 420 páginas, deve chegar às lojas por salgados R$ 145. Junto com este, está sendo lançado agora o quarto volume dos cinco da obra completa, abrangendo o período 1971-82.

Co-produzida pela Jobim Music e pela Casa da Palavra, a edição de luxo traz muito mais que partituras, ainda que a "Apresentação" de Paulo Jobim seja explícita em dizer "Este é um livro para piano" e logo em seguida liste algumas recomendações aos instrumentistas, em relação aos modelos de cifragem utilizados. Também de especial valor para "iniciados" (ainda que não exclusivamente para estes) é o "Prefácio" assinado por Lorenzo Mammi, em que discorre sobre quintas diminutas, nonas menores, centro tonal, forma A-B-A, relações entre bossa nova e jazz.

Para músicos e leigos
Mas os fãs de Tom que não sabem diferenciar dó de fá sustenido não precisam se afligir. Há no "livrão" uma série de petiscos e curiosidades, como depoimentos de Tom, bilhetes e partituras manuscritas, desenhos e fotos, muitas fotos. Os textos, em português e inglês, dão um ótimo panorama geral da obra e da vida do autor de Chovendo na Roseira, fazendo amplo uso dos recursos gráficos que transformam a parte visual do livro em um espetáculo à parte. O texto, escrito por Sérgio Augusto, não se pretende biografia, mas encontra o tom certo fornecendo de maneira leve, agradável e bem amarrada as informações sobre a vida e a obra de Tom.

Uma das boas sacadas é, na parte em português, dividir os capítulos não só cronologicamente, por anos, mas sim por discos e músicas mais marcantes, como a ressaltar que o importante não é 1967 ou 1976, mas sim Wave ou Urubu. Apenas na parte em inglês (que segue cada capítulo em português) a divisão se guia somente de acordo com os anos.

Entre as delícias, o depoimento em que Tom diz que Retrato em Branco e Preto, originalmente intitulada Zíngaro, era "a história de um músico que acaba empenhando o violino e ficava sentado num praça, sem o lugar pra trabalhar, sem a música dele nem nada". Chico não se comoveu com a história do Zíngaro cigano e acabou escrevendo a preciosa letra de Retrato, um hino do amor desbragadamente sofrido ("Vou colecionar mais um soneto/ outro retrato em branco e preto/ a maltratar meu coração").

Águas de Março e Waters of March
Outro capítulo é dedicado a Águas de Março e sua versão para o inglês, feita pelo próprio Tom Jobim. A letra (em português), com seu ritmo indissociável, vem na reprodução em duas páginas de um manuscrito, a lápis, com revisões feitas a caneta. Sobre a letra em inglês, diz o livro que Tom a escreveu em um hotel em Nova York, "cercado de dicionários", fazendo questão de não usar "uma só palavra inglesa de origem latina". A prova são as reproduções de envelopes do Hotel Adams (Two East Eighty-Sixth Street, At Fifth Avenue, New York) totalmente rabiscadas de anotações e palavras em inglês e suas traduções em português. Sobre o assunto, a palavra do próprio, mostrando toda a preocupação poética presente na obra do maior compositor brasileiro: "Na letra em inglês de Águas de Março eu mudei um pouco. As águas de março de lá são as águas do degelo. É quando a neve derrete e os rios começam a andar novamente. É um outro março, mais fresco do que esse nosso..."

As relações da música de Tom com o ambiente da música clássica também afloram em depoimentos e cartas, como a que escreveu ao filho Paulo em outubro de 75, de Nova York, depois de ir com Claus Ogerman assistir ao balé Petrushka, música de Igor Stravinsky: "Chorei com aquela alegria impossível. (...) A música não existe. Too much! (...) É música serial, politonista, filhadaputista. A técnica do homem não é brincadeira." Ou quando fala de Koellreuter, o introdutor do dodecafonismo no Brasil e seu professor de música da adolescência, ou ainda de Villa-Lobos, que tanto o influenciou: "Villa-Lobos é um revolucionário, fazia música moderna, mas no Brasil as pessoas pensam que revolucionário usa camisa vermelha e toma drogas. Isto tudo é muito velho. Novo é Villa-Lobos."

Seus principais parceiros e influências também merecem destaque no livro. Estão lá os registros de suas relações com Vinicius de Moraes, João Gilberto, Elis Regina, Chico Buarque, Miúcha, Edu Lobo, Radamés Gnattali, Caymmi, além de depoimentos e fotos de seu "retiro" no sítio em Poço Fundo (RJ), onde aprofundou seus temas "ecológicos", como Matita Perê e Águas de Março, inspirados na temática do mato, com ressonâncias também da obra de Guimarães Rosa, os dois tão brasileiros quanto universais.

Cultuado em todo o planeta, Tom tem diversos sites da internet construídos em sua homenagem. Os mais importantes são o Clube do Tom ( www.jobim.com.br), referência completa do trabalho do maestro, e o argentino Tributo a Tom Jobim ( www.tomjobim.com.ar), que encampa ainda a campanha para a construção de um museu em sua memória. A edição das obras completas do autor de Água de Beber, Luísa e Insensatez é uma verdadeira bênção para os músicos do mundo inteiro que cultuam sua obra. Compositores, arranjadores, instrumentistas, estudiosos preparam os bolsos para comprar – em doses homeopáticas, pois os outros volumes devem sair no fim de março – a edição definitiva da obra mais que definitiva do compositor que melhor retratou e resumiu o Brasil, em letra e música. Os milhares de fãs que não se aventuram pelas pautas musicais ganham um belo livro de arte, à altura do legado que Tom nos deixou.

Integram o volume de Obras Escolhidas
Valsa Sentimental (Imagina)
Modinha
Se Todos Fossem Iguais a Você
Chega de Saudade
Desafinado
A Felicidade
Canta, Canta Mais
Eu Sei que Vou Te Amar
Samba de Uma Nota Só
Meditação
Corcovado
Insensatez
Garota de Ipanema
The Girl From Ipanema
Água de Beber
Vivo Sonhando
Bonita
Samba do Avião
Dindi
Fotografia
Estrada do Sol
Por Causa de Você
Retrato em Branco e Preto
Wave
Triste
Chovendo na Roseira
Sabiá
Águas de Março
Matita Perê
O Boto
Ligia
Correnteza
Saudades do Brasil
Falando de Amor
Two Kites
Passarim
Anos Dourados
Luísa
Gabriela
Piano na Mangueira
Querida
Samba de Maria Luísa