Tom Zé, o japonês da invenção
Em seu primeiro disco gravado para o Brasil em 16 anos, o baiano - que se diz mais trabalhador do que genial - retoma os instrumentos insólitos que criou no fim dos anos 70
Carlos Calado
21/11/2000
Quem o vê manuseando seus instrumentos insólitos, construídos com eletrodomésticos, buzinas e canos de PVC, custa a acreditar que o tropicalista Tom Zé já tenha completado 64 anos de idade. No auge do sucesso, uma década depois que um empurrão do produtor norteamericano David Byrne ajudou-o a romper o ostracismo que enfrentou no Brasil durante as décadas de 70 e 80, o veterano cantor, compositor e violonista baiano parece cada vez mais jovem, cada vez mais disposto a novas experiências. Agora ele surge com Jogos de Armar (Faça Você Mesmo) , seu primeiro álbum produzido e gravado no país em 16 anos, cujo lançamento oficial acontece amanhã, quarta-feira, no palco do DirecTV Hall, em São Paulo.
Nesse show, além de exibir uma série de canções inéditas, Tom Zé retoma um projeto abortado no final dos anos 70, quando construiu uma série de instrumentos inusitados, como o enceroscópio (feito com liqüidificadores, enceradeiras e aspiradores de pó), a serroteria (engenhoca feita com canos de madeira, PVC e outros materiais) ou o pioneiro hertzé (um primitivo pré-sampler). Nesta entrevista exclusiva a CliqueMusic, Tom Zé fala de seus "instromzémentos", do novo disco, de seus medos, da crítica e da sensação de rejuvenescimento que o sucesso vem trazendo. E se define como um "japonês trabalhador".
CliqueMusic – Qual é a sua expectativa dois dias antes de poder retomar frente ao público um projeto que ficou guardado durante duas décadas?
Tom Zé – Medo. Como eu estou sempre arriscando, estou sempre no limite do ridículo e do criativo, fico com medo. Temos várias coisas nesse show que vão funcionar pela primeira vez. Na verdade, a gente sempre tem medo antes de qualquer show, mas quase ninguém confessa. Demos sorte porque, na hora dos ensaios, 80% das músicas deste disco imediatamente deram certo.
CliqueMusic – Você tenta reproduzir no palco as músicas exatamente como foram gravadas?
Tom Zé – Quando eu faço um disco, a música fica de um jeito. Quando eu ensaio para o show, ela já fica diferente. Desta vez, as modificações são poucas, mas os músicos precisam estar vivos no meu show. Não faço um show em que o músico pode tocar do princípio ao fim, dormindo. Ele tem que olhar para mim o tempo todo para saber se eu vou fazer alguma coisa diferente. Não sou um artista que sai pronto de casa. Só viro artista, com o meu medo, em cima do palco.
CliqueMusic – Qual foi a reação das pessoas a esses instrumentos, em 1978, quando você os apresentou pela primeira vez?
Tom Zé – O público foi ao show sem saber que nada disso ia acontecer, embora os jornais tenham noticiado. Me lembro de ir ao estúdio do João Araújo [presidente da Som Livre], no Rio de Janeiro, em 1980, depois de fazer a remodelação desses instrumentos. Levei algumas fotografias para tentar vender o projeto. Ele ficou envergonhado ao vê-los. Uma reação semelhante à de quem diz: "Que porra isso vai fazer em música?".
CliqueMusic – E o que você diria àqueles que ainda podem se surpreender hoje com os "instromzémentos"?
Tom Zé – É como olhar um cavalo na floresta e dizer assim: "Aquilo é força." Digo força, como se falasse em força física, não no sentido muscular, mas em termos de Física, aquela energia capaz de movimentar um coisa de um lugar para outro. Quando um cavalo era visto na floresta, no século 5 a.C., se você dissesse a um repórter (risos) que aquilo era força motriz, seria um absurdo. Entretanto, o homem é louco e sempre faz deduções metafóricas. Aqui, depois de muito trabalhar, eu consegui um certo domínio do tempo e da altura relativa dos sons desses instrumentos. Eles me oferecem algo próximo de um ruído e próximo de uma organização que perfaz uma sintaxe.
Clique Music – Esses instrumentos são os mesmos que você construiu nos anos 70 ou você teve que refazê-los?
Tom Zé – Quase todos foram destruídos, porque eu não tinha onde guardar. Eles foram para o sítio de um amigo, mas o pai dele não gostou e autorizou o caseiro até a queimar as tábuas de madeira, num inverno mais frio. Só guardamos algumas enceradeiras e liqüidificadores. Outros a gente conseguiu em ferro velho. É necessário que eles sejam de metal, por causa da vibração.
CliqueMusic - O que o levou a criar esses instrumentos?
Tom Zé – Eu era aluno na Escola de Música da Bahia, quando meu professor Ernst Widmer, falando sobre o Bolero de Ravel, disse: "Vejam que gozado. Essa música está em dó maior todo o tempo. Só tem uns 16, 20, 40 compassos em mi bemol. O interessante é que os instrumentos de percussão parecem modular de dó maior para mi bemol, junto com a orquestra". Isso ficou na minha cabeça. Anos depois, lá em casa, me deram uma enceradeira elétrica para eu consertar. Qual era o defeito? A enceradeira parava assim que era acionada. Percebi que poderia fazer um ritmo com ela. Essa exatidão aproximava aquele aparelho da música. Aí, em vez consertá-la, emperrei várias outras enceradeiras. A idéia surgiu assim.
CliqueMusic – Você já teve condições de fazer um disco e um show com tantos cuidados na produção como agora?
Tom Zé – Não. Para construir esses instrumentos, pela primeira vez, minha mulher Neuza teve que concordar em vender uma casa de praia que a gente tinha. Depois, os discos que gravei com os norte-americanos, sempre econômicos, foram feitos com muita exatidão. Desta vez, não é que houve qualquer desperdício, mas pude contar com o que foi necessário, embora de uma maneira ainda humilde, porque eu não tenho aquela cabeça de grande empresa. Numa próxima etapa, as enceradeiras vão funcionar com uma tecnologia mais sofisticada, que uns japoneses já me ofereceram.
CliqueMusic – Que detalhes você destacaria em seu novo disco?
Tom Zé – Tem tantas coisas nesse trabalho que eu até estou com medo de ter colocado informações demais num objeto só. Tem a idéia do disco auxiliar, uma novidade que pode ajudar a multiplicar os meus parceiros. Tem muitas coisas de natureza de estúdio, que antes não eram possíveis sem a participação do Alê Siqueira. Outra coisa, que eu espero que as pessoas possam curtir, é a presença de canções multifacetadas, que não têm uma melodia, mas têm diversos acontecimentos, sejam psicológicos, de texto ou até melódicos, todos presentes ao mesmo tempo. É um jeito cubista de fazer canções, que eu vinha pensando há muito tempo. Tem também os instrumentos, que interferem com um tipo diferente de sonoridade. Confesso que tenho um certo medo de que aconteça com esse disco o que aconteceu com o Estudando o Samba: que muita coisa só seja descoberta mais tarde.
CliqueMusic – A crítica preocupa você?
Tom Zé – Não. O crítico tem o direito de cobrar trabalho do artista. Se o artista, estando com a cama feita, vai pro estúdio dizendo que qualquer coisa que ele faça vai tocar, o crítico tem direito de dizer: "Isso não é brincadeira, seu filho da puta! Você tem fama, por isso está desrespeitando o público que te ama." Eu gosto de amar a minha arte, gosto do amor que eu tenho por ela. Não sei dar muito valor a mim mesmo, mas tenho, através dos psiquiatras que me orientam, a capacidade de fazer uma música que tem trabalho. Quando vejo um filme de Al Pacino e de DeNiro, sei que eles não são grandes heróis do cinema, mas eu amo os dois por causa do amor que eles têm pelo cinema. Eu não sou um gênio, não sou um compositor de grande verve, mas sou um japonês. Sou um japonês trabalhador que, com a pequena dose de inspiração que Deus me deu, faço o meu trabalho. Então eu digo que respeito o público, assim como eu respeito a crítica.
CliqueMusic – Como surgiu o novo ritmo que você está lançando em Jogos de Armar?
Tom Zé – Eu sempre fiz ritmos híbridos, mas o chamegá é realmente diferente. Meu baterista, Lauro Léllis, já me dizia há muito tempo que eu devia fazer um disco só com esse ritmo. Eu fiz a batida de violão em 1977, mas essas coisas não acontecem assim, da noite para o dia. Alguém me ofereceu uma sugestão de bateria, que Lauro completou. Os músicos ficaram curiosos e me ofereceram sugestões. Tentei gravá-lo no disco anterior, mas não deu certo. Só nessa gravação é que aconteceu.
CliqueMusic – De onde você tirou o nome chamegá?
Tom Zé – É por causa do Luiz Gonzaga, que cantava uma canção chamada Chamego. Achei que chamegá soava nordestino, além de ser um nome gostoso.
CliqueMusic – Parece que o sucesso, mesmo tardio, está funcionando como uma espécie de fonte de rejuvenescimento para você...
Tom Zé – É verdade. Isso me lembra aquele personagem de Fitzgerald, que nasce carcomido, velhinho, e morre indo para o útero da mãe. O que acontece é que eu tive uma infância terrível. Nunca passei fome, mas passei as maiores misérias que o espírito pode passar. Eu não tinha direito de ir na escola, porque os meninos me batiam, me expulsavam. Eu tinha vergonha de andar na rua. Tive um início de carreira muito desordenado. Antes do Tropicalismo, eu fiz aquelas coisas malucas, porque eu não sabia fazer música. Durante o Tropicalismo, fiquei confuso, querendo parar. Só depois, com a construção desses instrumentos, é que eu me senti nascendo de novo. Agora, muita gente me cumprimenta na rua, porque minha popularidade aumentou muito. Eu gosto. Não acho isso um aborrecimento. Acho que é uma alegria, como quando eu vivia em Irará, onde se cumprimenta todo mundo. Voltei a me sentir como se eu fosse neto de seu Pompílio (risos). Esse rejuvenescimento se liga à vontade de fazer novas coisas, o que geralmente as pessoas têm entre os 30 e os 40 anos. Agora estou muito interessado no desenvolvimento desses instrumentos.
CliqueMusic – Você vai levar esse mesmo show ao Rock in Rio em janeiro?
Tom Zé – Não, porque lá só vamos ter meia-hora de show. Mas eu e a Trama vamos querer levar pelo menos um número em que esses instrumentos façam parte. Aliás, eu adoro show mais curto. Quinze minutos, para mim, é o tempo ideal para um show. Naquele festival de Recife, o Abril Pro Rock, quando virei artista popular (em 1999), meu show deveria ter 45 minutos, mas eu só toquei 37. Gosto de show pequeno. O palco tem um grude que para tirar certos artistas só à força.
Nesse show, além de exibir uma série de canções inéditas, Tom Zé retoma um projeto abortado no final dos anos 70, quando construiu uma série de instrumentos inusitados, como o enceroscópio (feito com liqüidificadores, enceradeiras e aspiradores de pó), a serroteria (engenhoca feita com canos de madeira, PVC e outros materiais) ou o pioneiro hertzé (um primitivo pré-sampler). Nesta entrevista exclusiva a CliqueMusic, Tom Zé fala de seus "instromzémentos", do novo disco, de seus medos, da crítica e da sensação de rejuvenescimento que o sucesso vem trazendo. E se define como um "japonês trabalhador".
CliqueMusic – Qual é a sua expectativa dois dias antes de poder retomar frente ao público um projeto que ficou guardado durante duas décadas?
Tom Zé – Medo. Como eu estou sempre arriscando, estou sempre no limite do ridículo e do criativo, fico com medo. Temos várias coisas nesse show que vão funcionar pela primeira vez. Na verdade, a gente sempre tem medo antes de qualquer show, mas quase ninguém confessa. Demos sorte porque, na hora dos ensaios, 80% das músicas deste disco imediatamente deram certo.
CliqueMusic – Você tenta reproduzir no palco as músicas exatamente como foram gravadas?
Tom Zé – Quando eu faço um disco, a música fica de um jeito. Quando eu ensaio para o show, ela já fica diferente. Desta vez, as modificações são poucas, mas os músicos precisam estar vivos no meu show. Não faço um show em que o músico pode tocar do princípio ao fim, dormindo. Ele tem que olhar para mim o tempo todo para saber se eu vou fazer alguma coisa diferente. Não sou um artista que sai pronto de casa. Só viro artista, com o meu medo, em cima do palco.
CliqueMusic – Qual foi a reação das pessoas a esses instrumentos, em 1978, quando você os apresentou pela primeira vez?
Tom Zé – O público foi ao show sem saber que nada disso ia acontecer, embora os jornais tenham noticiado. Me lembro de ir ao estúdio do João Araújo [presidente da Som Livre], no Rio de Janeiro, em 1980, depois de fazer a remodelação desses instrumentos. Levei algumas fotografias para tentar vender o projeto. Ele ficou envergonhado ao vê-los. Uma reação semelhante à de quem diz: "Que porra isso vai fazer em música?".
CliqueMusic – E o que você diria àqueles que ainda podem se surpreender hoje com os "instromzémentos"?
Tom Zé – É como olhar um cavalo na floresta e dizer assim: "Aquilo é força." Digo força, como se falasse em força física, não no sentido muscular, mas em termos de Física, aquela energia capaz de movimentar um coisa de um lugar para outro. Quando um cavalo era visto na floresta, no século 5 a.C., se você dissesse a um repórter (risos) que aquilo era força motriz, seria um absurdo. Entretanto, o homem é louco e sempre faz deduções metafóricas. Aqui, depois de muito trabalhar, eu consegui um certo domínio do tempo e da altura relativa dos sons desses instrumentos. Eles me oferecem algo próximo de um ruído e próximo de uma organização que perfaz uma sintaxe.
Clique Music – Esses instrumentos são os mesmos que você construiu nos anos 70 ou você teve que refazê-los?
Tom Zé – Quase todos foram destruídos, porque eu não tinha onde guardar. Eles foram para o sítio de um amigo, mas o pai dele não gostou e autorizou o caseiro até a queimar as tábuas de madeira, num inverno mais frio. Só guardamos algumas enceradeiras e liqüidificadores. Outros a gente conseguiu em ferro velho. É necessário que eles sejam de metal, por causa da vibração.
CliqueMusic - O que o levou a criar esses instrumentos?
Tom Zé – Eu era aluno na Escola de Música da Bahia, quando meu professor Ernst Widmer, falando sobre o Bolero de Ravel, disse: "Vejam que gozado. Essa música está em dó maior todo o tempo. Só tem uns 16, 20, 40 compassos em mi bemol. O interessante é que os instrumentos de percussão parecem modular de dó maior para mi bemol, junto com a orquestra". Isso ficou na minha cabeça. Anos depois, lá em casa, me deram uma enceradeira elétrica para eu consertar. Qual era o defeito? A enceradeira parava assim que era acionada. Percebi que poderia fazer um ritmo com ela. Essa exatidão aproximava aquele aparelho da música. Aí, em vez consertá-la, emperrei várias outras enceradeiras. A idéia surgiu assim.
CliqueMusic – Você já teve condições de fazer um disco e um show com tantos cuidados na produção como agora?
Tom Zé – Não. Para construir esses instrumentos, pela primeira vez, minha mulher Neuza teve que concordar em vender uma casa de praia que a gente tinha. Depois, os discos que gravei com os norte-americanos, sempre econômicos, foram feitos com muita exatidão. Desta vez, não é que houve qualquer desperdício, mas pude contar com o que foi necessário, embora de uma maneira ainda humilde, porque eu não tenho aquela cabeça de grande empresa. Numa próxima etapa, as enceradeiras vão funcionar com uma tecnologia mais sofisticada, que uns japoneses já me ofereceram.
CliqueMusic – Que detalhes você destacaria em seu novo disco?
Tom Zé – Tem tantas coisas nesse trabalho que eu até estou com medo de ter colocado informações demais num objeto só. Tem a idéia do disco auxiliar, uma novidade que pode ajudar a multiplicar os meus parceiros. Tem muitas coisas de natureza de estúdio, que antes não eram possíveis sem a participação do Alê Siqueira. Outra coisa, que eu espero que as pessoas possam curtir, é a presença de canções multifacetadas, que não têm uma melodia, mas têm diversos acontecimentos, sejam psicológicos, de texto ou até melódicos, todos presentes ao mesmo tempo. É um jeito cubista de fazer canções, que eu vinha pensando há muito tempo. Tem também os instrumentos, que interferem com um tipo diferente de sonoridade. Confesso que tenho um certo medo de que aconteça com esse disco o que aconteceu com o Estudando o Samba: que muita coisa só seja descoberta mais tarde.
CliqueMusic – A crítica preocupa você?
Tom Zé – Não. O crítico tem o direito de cobrar trabalho do artista. Se o artista, estando com a cama feita, vai pro estúdio dizendo que qualquer coisa que ele faça vai tocar, o crítico tem direito de dizer: "Isso não é brincadeira, seu filho da puta! Você tem fama, por isso está desrespeitando o público que te ama." Eu gosto de amar a minha arte, gosto do amor que eu tenho por ela. Não sei dar muito valor a mim mesmo, mas tenho, através dos psiquiatras que me orientam, a capacidade de fazer uma música que tem trabalho. Quando vejo um filme de Al Pacino e de DeNiro, sei que eles não são grandes heróis do cinema, mas eu amo os dois por causa do amor que eles têm pelo cinema. Eu não sou um gênio, não sou um compositor de grande verve, mas sou um japonês. Sou um japonês trabalhador que, com a pequena dose de inspiração que Deus me deu, faço o meu trabalho. Então eu digo que respeito o público, assim como eu respeito a crítica.
CliqueMusic – Como surgiu o novo ritmo que você está lançando em Jogos de Armar?
Tom Zé – Eu sempre fiz ritmos híbridos, mas o chamegá é realmente diferente. Meu baterista, Lauro Léllis, já me dizia há muito tempo que eu devia fazer um disco só com esse ritmo. Eu fiz a batida de violão em 1977, mas essas coisas não acontecem assim, da noite para o dia. Alguém me ofereceu uma sugestão de bateria, que Lauro completou. Os músicos ficaram curiosos e me ofereceram sugestões. Tentei gravá-lo no disco anterior, mas não deu certo. Só nessa gravação é que aconteceu.
CliqueMusic – De onde você tirou o nome chamegá?
Tom Zé – É por causa do Luiz Gonzaga, que cantava uma canção chamada Chamego. Achei que chamegá soava nordestino, além de ser um nome gostoso.
CliqueMusic – Parece que o sucesso, mesmo tardio, está funcionando como uma espécie de fonte de rejuvenescimento para você...
Tom Zé – É verdade. Isso me lembra aquele personagem de Fitzgerald, que nasce carcomido, velhinho, e morre indo para o útero da mãe. O que acontece é que eu tive uma infância terrível. Nunca passei fome, mas passei as maiores misérias que o espírito pode passar. Eu não tinha direito de ir na escola, porque os meninos me batiam, me expulsavam. Eu tinha vergonha de andar na rua. Tive um início de carreira muito desordenado. Antes do Tropicalismo, eu fiz aquelas coisas malucas, porque eu não sabia fazer música. Durante o Tropicalismo, fiquei confuso, querendo parar. Só depois, com a construção desses instrumentos, é que eu me senti nascendo de novo. Agora, muita gente me cumprimenta na rua, porque minha popularidade aumentou muito. Eu gosto. Não acho isso um aborrecimento. Acho que é uma alegria, como quando eu vivia em Irará, onde se cumprimenta todo mundo. Voltei a me sentir como se eu fosse neto de seu Pompílio (risos). Esse rejuvenescimento se liga à vontade de fazer novas coisas, o que geralmente as pessoas têm entre os 30 e os 40 anos. Agora estou muito interessado no desenvolvimento desses instrumentos.
CliqueMusic – Você vai levar esse mesmo show ao Rock in Rio em janeiro?
Tom Zé – Não, porque lá só vamos ter meia-hora de show. Mas eu e a Trama vamos querer levar pelo menos um número em que esses instrumentos façam parte. Aliás, eu adoro show mais curto. Quinze minutos, para mim, é o tempo ideal para um show. Naquele festival de Recife, o Abril Pro Rock, quando virei artista popular (em 1999), meu show deveria ter 45 minutos, mas eu só toquei 37. Gosto de show pequeno. O palco tem um grude que para tirar certos artistas só à força.