Túlio Mourão aposta nas trilhas para cinema

CD do compositor e tecladista mineiro marca investimento do selo erudito Paulus no segmento da música instrumental brasileira

Carlos Calado
10/10/2000
Por trás da capa do CD Cine Popular - Trilhas Sonoras Premiadas (leia crítica), que exibe uma foto da inauguração de um cinema na década de 40, há bem mais que uma homenagem nostálgica às pioneiras salas de cinema do país. O compositor, arranjador e tecladista Túlio Mourão vê no filão das trilhas sonoras a chance de continuar desenvolvendo seu antigo trabalho com a música instrumental brasileira. "Esse é um caminho onde eu quero crescer, até porque é muito gratificante", diz o músico mineiro, que não freqüentava as lojas com um trabalho próprio desde 1995, quando lançou o CD Eterno, de Vez em Quando (Velas). O lançamento do selo Paulus reúne temas escritos originalmente por Mourão para filmes como Jorge, Um Brasileiro (de Paulo Thiago, prêmio de melhor trilha sonora de 1989 pela Associação Paulista de Críticos de Arte), Estrela de Oito Pontas (de Marcos Magalhães, prêmio de melhor música de curta metragem no Festival de Gramado de 1996) e O Viajante (de Paulo Cezar Sarraceni, prêmio de melhor música no Festival de Brasília, em 1998).

"Foram quatro meses de negociações muito complicadas, que envolveram editoras, produtoras de filmes, parceiros e a gravadora. Mesmo assim, alguns temas ficaram de fora do disco, porque as editoras não os liberaram", conta o compositor, lamentando especialmente a falta do tema principal de Jorge, Um Brasileiro, impedido de entrar no CD. "Para substituí-lo, gravamos às pressas a Valsa de Sete Punhais. Tive que alugar a fita numa locadora de vídeo para poder transcrever a música, porque eu nem tinha mais registro dela", conta Mourão, que decidiu arranjar e regravar todas as composições escolhidas, em vez de usar as gravações originais. "Eu quis reler os temas para evitar o tom fragmentário da música incidental", explica o compositor, que contou nas gravações com antigos parceiros, como Robertinho Silva (bateria e percussão) e Luís Alves (contrabaixo), além de Renato Saldanha (violão e guitarra) e Lelei (sax soprano), entre outros.

Mourão acredita que as trilhas sonoras podem oferecer um diferencial para a música instrumental brasileira, que enfrenta no mercado de hoje uma situação muito diversa da que se viu nos anos 80, época que marcou o boom desse gênero. "Já virou quase consenso que a música instrumental faliu", diz o compositor, com um toque de ironia, lamentando o aparente desinteresse por essa modalidade musical. "Ainda sobraram algumas iniciativas quixotescas, mas não adianta os músicos tentarem lutar sozinhos. Para que esse segmento funcionasse de verdade era fundamental a existência de gravadoras, de programadores de rádio, de divulgadores e de críticos especializados, mas todas essas estruturas foram sendo desmontadas", analisa.

Das 10 faixas do CD Cine Popular, apenas Cinema Aventura não fez parte originalmente de trilhas sonoras compostas por Mourão. Trata-se de um tema instrumental escrito por ele quatro anos atrás, já gravado antes pelo baterista Robertinho Silva. Para compô-lo, Mourão inspirou-se nos seriados e filmes de aventura a que assistia durante a infância nas matinês do Cine Popular, em Divinópolis, onde nasceu. "Era o cinema mais pulguento da cidade, sem dúvida, o mais popular. Infelizmente, foi desativado uns cinco anos atrás", recorda o músico mineiro, comparando-o ao cinema retratado pelo nostálgico filme Cinema Paradiso.

Dono de um eclético currículo musical, que vai de uma temporada com a banda de rock Mutantes, nos anos 70, a trabalhos com grandes nomes da MPB, como Milton Nascimento, Chico Buarque, Ney Matogrosso, Maria Bethânia, Belchior e Zezé Motta, além de um papel de destaque na área da música instrumental brasileira, Mourão vem sendo cada vez mais requisitado pelo cinema. O próximo filme que vai contar com sua música é O Poeta das Sete Faces, documentário sobre o poeta Carlos Drummond de Andrade, dirigido por Paulo Thiago e já em fase de pós-produção. "É um projeto lindo, com bailarinos, pintores e músicos, que deve estrear na TV a cabo", avisa o compositor. Além disso, Mourão prepara-se também para escrever as partituras de dois outros filmes: um longa metragem baseado na vida do cientista dinamarquês Peter Lund, dirigido por Fernando Camargo; e o desenho animado Daya, de Inês Lamprea.

Aposta na música brasileira
O lançamento do CD Cinema Popular marca uma mudança no perfil do selo Paulus, que depois de oito anos atuando exclusivamente no segmento da música erudita mostra-se interessado em conquistar espaço na área da música popular brasileira. "Nossa intenção inicial é investir na música instrumental e, já no próximo ano, trabalhar também com a MPB vocal", diz Sandra Helena, assessora de comunicação da gravadora, subordinada à Pia Sociedade de São Paulo, que congrega padres paulinos. Por enquanto, além do disco de Mourão, a investida do selo limita-se ao recente lançamento do CD de estréia do quarteto instrumental feminino As Choronas, que recria clássicos do choro assinados por Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga e Jacob do Bandolim. Segundo Sandra Helena, nomes como o da flautista Lena Horta (irmã do compositor Toninho Horta) e os dos cantores Renato Motta e Beto Lopes já estão sendo analisados pela direção da gravadora como possíveis novidades de seu catálogo. "Até hoje a Paulus promoveu a música erudita nacional. Agora pretendemos dar o mesmo crédito à música popular brasileira", afirma a assessora do selo instalado em São Paulo.