Ultraje a Rigor, visível mais uma vez

O irreverente grupo de Roger Rocha Moreira lança primeiro álbum de inéditas em nove anos, com nova formação

Marco Antonio Barbosa
10/10/2002
Recordar não é viver, pelo menos não no dicionário de aforismos de Roger Rocha Moreira. Na contramão do revival do rock oitentista, o Ultraje a Rigor escapou do caminho fácil do flashback e celebra sua volta à ribalta com Os Invisíveis ouvir 30s. - primeiro álbum só com canções inéditas desde o longínquo Ó!, de 1993. Se bem, que, a rigor (com o perdão do trocadilho), o Ultraje nem voltou, nem mudou. A banda apenas ressurgiu uma vez mais à superfície, com o mesmo rock'n'roll deslavadamente safado de sempre.

A demora entre um álbum e outro pode sugerir que a banda estava parada para balanço. Afinal, o último disco da banda, 18 Anos Sem Tirar! ouvir 30s, saiu em 1999 e desde então não se tinha mais notícia do Ultraje. "O caso é que eu demoro mesmo para compor... tomo umas notas, gravo uns trechos de música em demos, e assim vai indo. Para você ter uma idéia, eu comecei a trabalhar nas músicas deste disco novo imediatamente após o lançamento do último!" contou Roger ao Cliquemusic. "Fizemos metade do disco ao longo dos últimos dois anos e deixamos para gravar o resto correndo, faltando três meses para o lançamento." O grupo não parou de excursionar nesse período, tornando injusto o rótulo de revival para este disco novo.

Das 11 músicas do novo disco (o primeiro lançado pela DeckDisc, num contrato que prevê três álbuns) só Miss Simpatia - contribuição de Gabriel Thomaz, dos Autoramas - não é de autoria de Roger. "Nesse disco, eu dei mais atenção à música que às letras", destaca Roger. Mas não há como negar que a ironia, aliada ao sarcasmo e crítica, ainda é o ingrediente principal. Cheque alguns dos versos: "Esta canção tá uma m.../Desculpe, eu tenho que viver/Se é cocô que o povo gosta/Taí, cocô eu sei fazer" (Esta Canção) e "Eu não sei se é o meu cheiro/que é gostoso pra danar/Até quando eu solto um peido, todo mundo quer cheirar" (Todo Mundo Gosta de Mim).

"Não sei se é por causa do nosso nome... mas existe mesmo essa pressão para 'ultrajar'...", diverte-se Roger. E completa: "Quando começamos, era quase obrigatório abordar política nas letras, e era o que mais me afetava. Mas sempre fizemos músicas também sobre comportamento. Acho que nesse disco conseguimos um equilíbrio, está parecendo mesmo o velho Ultraje".

. Apesar de parecer com o velho Ultraje, o novo grupo só traz Roger como remanescente dos tempos de Rebelde Sem Causa e Inútil. Trata-se da estréia em estúdio de uma formação que inclui o baixista Mingau (ex-365 e banda de apoio da Legião Urbana), o batera Bacalhau (ex-Little Quail e Rumbora), além do retorno de Sérgio Serra à guitarra solo - Serra integrara o Ultraje de 1987 a 1990. "O Mingau já está comigo desde o 18 Anos.... A partir da entrada dele, o grupo começou a ficar dividido entre eu e ele e os outros dois (Heraldo, guitarra, e Flávio, bateria), que estavam perdendo o interesse. A gente já estava ensaiando para esse disco quando o Rafael Ramos (produtor) percebeu também a falta de empolgação", relata Roger.

"Eu sempre quis que o Sérgio voltasse, e o Bacalhau já era amigo, rondava o estúdio... a mudança foi bem suave - apesar de ocorrer apenas dois dias antes de entrarmos em estúdio!", lembra o vocalista. "Nossos ensaios já foram no estúdio para gravar. Por enquanto já temos o punch, mas falta aquele 'redondinho'... Já fizemos cinco shows com repertório antigo, daqui a uns dois meses estreamos o disco", avisa. Falando em repertório antigo, é claro que todos pedem os sucessos nos shows. "A gente até tenta, aos poucos, ir tirando algumas músicas velhas, mas todo mundo cobra! Até temos uma votação no nosso site (www.ultraje.com.br) para a galera escolher as preferidas."

Aos 44 anos, Roger garante estar pronto para espanar a poeira - e a nostalgia - e tocar o Ultraje adiante como uma banda nova em folha. "O legal do 18 Anos... é que conseguimos ganhar muitos fãs novos, num clima meio 'foi meu pai quem apresentou a vocês'... Isso dá o maior gás", admite o cantor. Neste contexto, o título do álbum novo não deixa de ser uma ironia em relação a quem achava que a banda havia acabado. "Apesar de toda facilidade de informação que há hoje em dia, paradoxalmente a gente vive ouvido comentários do tipo 'vocês sumiram, não tinham acabado?'. Então é isso, quem não está na mídia direto, está invisível", espeta Roger.