Um compositor de versos espirituosos e filosóficos

Com bom-humor e sutileza, Monsueto fez sambas que marcaram carnavais e acabaram relidos pela nata da MPB

Rodrigo Faour
11/07/2000
Não é todo dia que aparece um compositor da estirpe de Monsueto. Num momento em que a sutileza praticamente desapareceu dos sambas mais populares, chega a ser chocante imaginar que sambas como Me Deixa em Paz chegaram ao topo das paradas, nos anos 50, sem a menor apelação. Com versos simples e eficientes como "Se você não me queria/ Não devia me procurar/ Não devia me iludir/ Nem deixar eu me apaixonar", acompanhados de uma melodia inesquecível, o samba estourou no Carnaval de 1952 na voz de Linda Batista. Os foliões não se importaram com seus versos tristes e caíram na esbórnia naquele ano, dividindo as atenções com concorrentes de peso como Lata D’Água, na voz de Marlene e Sassaricando, com Virgínia Lane.

Depois dessa gravação, as coisas ficaram mais fáceis para o compositor. Ele teve várias músicas incluídas no show Fantasia, Fantasias, do Copacabana Palace Hotel, e já no ano seguinte conseguiria que A Fonte Secou, samba que já trazia na gaveta há alguns anos, fosse gravado por Raul Moreno (Tufic Lauar). "Eu não sou água pra me tratares assim/ Só na hora da sede é que procuras por mim/ A fonte secou/ Quero dizer que entre nós tudo acabou", diziam seus versos cantados até hoje. Resultado: acabou sendo o melhor e mais cantado samba do Carnaval de 1954. No ano seguinte, Marlene – que recusara A Fonte Secou, perdendo a chance de lançá-la – se redimiu (muito bem) gravando uma de suas mais célebres canções, Mora na Filosofia, na qual seu lado espirituoso ficava bem claro no antológico verso "Botei na peneira você não passou".

Me Deixa em Paz, A Fonte Secou e Mora na Filosofia são seus sambas mais conhecidos, e embora lançados como carnavalescos, entraram pra o hall dos clássicos da MPB, merecendo leituras mais jazzísticas ou lamentosas nas vozes de Maria Bethânia, Caetano Veloso, Leny Andrade, Paulinho da Viola, Doris Monteiro, Elza Soares, Lana Bittencourt, Martinho da Vila, Helena de Lima, Alaíde Costa e Milton Nascimento, Alcione, entre tantos outros. Mas não foram somente esses sambas que Monsueto compôs. Foram muitos mais. Cheios de tiradas filosóficas e, vez por outra, um certo pé na crítica social. E melhor: acompanhados de melodias agradáveis que grudam no ouvido. Curioso é que o sambista normalmente distribuía as parcerias de seus sambas em troca de alguns caraminguás, já que estava sempre duro. Em geral, seus sambas – letra e música – foram feitos quase todos só por ele. A parceria era pró-forma.

Sambas românticos, humorísticos e críticos
Ainda na linha mais romântica, Monsueto teve bons sambas gravados por Demônios da Garoa e Ângela Maria. O grupo gravou Não Emplaca 61: "De boca em boca/ Já se ouve um zum zum zum/ Que o nosso amor não emplaca 61". Ângela gravou, entre outras, Despejo da Saudade no ano seguinte, 62. "Eu dei à saudade apenas pousada/ Ela pensou que fosse moradia/ Coitada! Ficou tão desapontada/ Clareou o dia, foi despejada". Tais versos cantados pela voz de cristal da Sapoti ganhavam ares ainda mais dramáticos. Mas o sambista também tinha seu lado humorístico, afinal ele consagrou sua imagem junto ao público justamente como comediante em diversos programas de TV.

"Aluguei a casa um/ Meu amigo mora em frente/ E a mulher deste amigo/ Anda arranjando um tempo quente/ Sempre a me provocar/ Olha, a me conquistar/ Sorri a me convidar/ Até um cego pode notar/ Eu sinto sede, eu sinto fome/ Mas mulher de amigo meu pra mim é homem", diz a divertida letra de Casa Um da Vila. Na linha do humor, ele também compôs o partido alto Eu Quero Essa Mulher Assim Mesmo (regravada por Caetano Veloso em seu disco experimental, Araçá Azul), em que repetia esse refrão, alternando com adjetivos como "baratinada, alucinada, despenteada, descabelada, embriagada, intoxicada, desafinada, desentoada". Outro samba ótimo dessa vertente é Larga Meu Pé. "Nega, larga o meu pé/ Vá quando quiser/ Pra você não falta homem/ Pra mim não falta mulher".

Por fim, Monsueto fez também alguns sambas mais críticos. Caso de O Lamento da Lavadeira, com um trecho gravado recentemente por Marisa Monte, num medley com Ensaboa, de Cartola. "Trabalho, um tantão assim/ Cansaço é bastante sim/ A roupa, um montão assim/ Dinheiro um tiquinho assim/ Para lavar a roupa da minha sinhá", dizia parte da letra lançada originalmente por Marlene, em 56. No ano seguinte, a mesma cantora gravou a pouco conhecida Fogo na Marmita, que dizia "Todo dia ele desce para o trabalho levando a marmita na mão/ Deixa o seu suor, mas traz o dinheiro do pão". Agostinho dos Santos também gravou um samba tocante mesmo estilo, Na Casa de Antonio Jó. A letra de Monsueto deve ter sido inspirada em sua própria vida já que ele foi nascido e criado na favela do Morro do Pinto, no Rio de Janeiro.

"Assisti um quadro na casa de Antonio Jó/ Antonio tem oito filhos/ Levou um pão para casa/ Todos queriam um bico/ Mas o pão era um só/ Um prato de pirão d’água/ Todos sentados ao redor/ No centro do prato, um ovo/ Mas o ovo era um só/ Ao chegar a noite/ A confusa foi maior/ Quem dorme na beira da cama cai/ Todos queriam um canto/ Mas o canto era um só".

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