Um Ed Motta sem segundas intenções

Colecionador compulsivo de discos antigos, músico lança a continuação do bem-sucedido CD Manual Prático, repetindo a receita de aliar sofisticação ao apelo pop

Silvio Essinger
16/08/2000
Se há uma coisa que As Segundas Intenções do Manual Prático, o novo disco de Ed Motta, não tem é segundas intenções: está tudo muito claro, da capa (em estilo anos 50, com o selinho Estereofônico no canto e tudo) às músicas (que fazem um apanhado muito criterioso de sonoridades de mestres do jazz, soul e MPB, todos de antes da década de 80). "Queria ter todos os meus discos tocando comigo no meu disco", disse o músico, que completa 29 anos de idade nesta quinta-feira, em entrevista coletiva na sede da gravadora Universal. Posando para fotos num móvel pé-de-palito, segurando uma coqueteleira, Ed admitiu: "Não sou o cara das novidades, mas dos relançamentos."

Comprar discos antigos e falar deles é mais do que uma fixação para o cantor, compositor e multiinstrumentista: "É uma compulsão seríssima. Tenho momentos de depressão por conta disso porque não dá tempo de escutar tudo." Sua coleção hoje bate os 10 mil itens, entre LPs (principalmente) e CDs. "Se comprasse CDs no mesmo ritmo que compro vinis, ia pedir dinheiro na rua", conta.

Sempre brincalhão, Ed tenta explicar a compulsão como um trauma da adolescência passada no bairro da Tijuca (Zona Norte do Rio). Tempos em que ficava um mês inteiro juntando os trocados do ônibus, que embolsava indo a pé para o colégio, para comprar um disco importado na loja Modern Sound, em Copacabana. "Pegava o 415 (Usina-Leblon), que fazia uma viagem do tipo Rio-Itaipava. Dava para pensar na vida", diz. Ele conta que, quando assinou contrato com a Warner em 1987 para gravar o seu primeiro disco, com a banda Conexão Japeri, ganhou do presidente André Midani um dos melhores presentes de sua vida: um vale de 30 discos na loja.

Qualidade com olhar hollywoodiano
Segundas Intenções é a evidente continuação de Manual Prático Para Festas, Bailes e Afins Vol. 1, de 1997, disco que o reconduziu ao sucesso dos tempos de Manuel (foram quase 250 mil cópias vendidas), com uma bem dosada mistura de sofisticação e apelo pop. A receita usada agora é a mesma. "Há nesse novo disco uma unidade, embora bem sinuosa. Fui pela qualidade dos temas, mas mantive o olhar Hollywood. Se não, vou ter que voltar a andar de 415 para comprar um disco importado", diverte-se.

Filho musical confesso do soulman Cassiano, de quem está organizando uma coletânea para a gravadora Dubas, e do violonista e compositor Guinga (que o levou à MPB de Chico Buarque, Edu Lobo e Francis Hime, das harmonias rebuscadas que namoram com a música erudita), Ed descobriu recentemente um novo pai, fundamental para a realização de Segundas Intenções: o pianista e compositor João Donato. "Ele me deixou ligado no lance da simplicidade e me fez voltar ao pop. Eu estava ouvindo muita música de músico. Na verdade, sou um artista pop", conta. Antes de começar a gravar o disco, Ed curtiu uma experiência jazzística, com o show Músicas de Antigamente e Algumas Inéditas, no qual se fez acompanhar por um trio de baixo acústico, piano e bateria. Dele, saiu uma das músicas do disco, Outono no Rio, parceria com Nelson Motta.

Durante as gravações de Segundas Intenções, Ed foi esbarrar em um grande ícone da música para dançar do Brasil dos anos 50 e 60: o organista Ed Lincoln, que a convite tocou na faixa Conversa Mole. Foi uma grande coincidência: o grande auxiliar do cantor na busca de sons de órgãos dos anos 60 foi o técnico de gravação Marcelo Sabóia, que vem a ser filho de Lincoln. Ed confessa que deve ao xará (e a Horace Silver e João Donato) o seu estilo percussivo de tocar piano. Outra pessoa fundamental para a obtenção de timbres raros de teclados foi Fábio Fonseca, seu parceiro no primeiro disco, com quem não trabalhava há mais de 12 anos. No disco, Fábio operou e tocou instrumentos como o ancestral Arp 2600, sintetizador que causou impacto nos primeiros sucessos da discoteque, como Shake Your Tambourine.