Um presente para Cássia Eller e para os fãs

Chega às lojas Dez de Dezembro, primeiro disco compilando as gravações que a cantora deixou inéditas

Marco Antonio Barbosa
04/12/2002
O legado de Cássia Eller começa, afinal, a ressurgir no mercado a partir da próxima semana. Na próxima terça-feira, dia 10 - exatamente no dia em que Cássia, morta no fim do ano passado, completaria 40 anos - chegará às lojas o álbum Dez de Dezembro, primeira compilação póstuma que investe no material inédito gravado pela cantora. O disco é o primeiro (e possivelmente o único) fruto do trabalho de Nando Reis sobre as fitas deixadas por Cássia. O ex-Titã concedeu uma entrevista coletiva na segunda-feira (dia 2), precedida pela audição do disco, no Rio de Janeiro, no qual falou sobre o baú de Cássia, seu papel na manutenção do legado da cantora e o (ainda vivo) luto pela amiga e parceira.

"O mais importante agora, um ano depois, é celebrar a vida e a alegria de viver da Cássia, do que ficar lamentando a morte dela. A falta que ela me faz ainda é imensa; acho que só o tempo vai fazer com que diminua a dor dessa...punhalada", confessou Nando, que foi escolhido pela gravadora Universal para ser o organizador e produtor do acervo de gravações de Cássia. "Passei muitos momentos de grande emoção com ela. Com esse disco pude render à Cássia uma espécie de homenagem", relata o ex-baixista dos Titãs.

Dez de Dezembro contém 11 faixas, selecionadas de um total de 20 canções que teriam qualidade para serem lançadas comercialmente. As fitas sairam dos arquivos da Universal e do acervo pessoal de Cássia, atualmente em posse de sua companheira Maria Eugênia. Junto a Nando no processo esteve o empresário da intérprete, Ronaldo Villas. "Preferimos manter foco nas canções inéditas em primeiro lugar, priorizando, claro, as gravações que estivessem com boa qualidade. Muita coisa acabou eliminada de cara por falta de definição sonora", diz Nando.

A grande maioria das gravações estava no estágio de demo, só com a voz de Cássia e seu violão. Escolhidas as músicas, Nando se encarregou de, junto à banda que acompanhava a cantora, finalizar os arranjos. O engenheiro de som Dado Mello, que fez trabalho similar no disco-tributo a Capiba deixado inacabado por Raphael Rabello, foi encarregado de mixagem. Uma série de convidados especiais - "saídos da parede da memória", como Nando se referiu às ligações afetivas e espirituais que Cássia mantinha com outros músicos - foi também convocada para o disco. Zélia Duncan (cantando em Get Back, cover dos Beatles), os Paralamas do Sucesso Bi e Barone (que tocam em Nenhum Roberto, na qual Roberto Frejat também canta) e Gilberto Gil (em Fiz o que Pude) são os nomes em destaque. "Todos eram pessoas que a admiravam, que tinham uma relação especial com ela e a quem ela admirava também. Houve coerência na escolha dos convidados", fala Nando.

Como Cássia era a intérprete mais íntima da obra do próprio Nando, não faltam ao disco canções do compositor. All Star, No Recreio (a faixa de trabalho do álbum, já distribuída às rádios), e as já citadas Nenhum Roberto e Fiz o que Pude foram as escolhidas. Uma outra cover dos Beatles (Julia) e versões de Caetano Veloso (Eu Sou Neguinha), Cazuza (Só se For a Dois) e Zé Ramalho (Vila do Sossego) completam o repertório.

Nando ressalta que a escolha das canções foi tão próxima quanto o possível da seleção que a própria Cássia faria. "Nossa principal preocupação foi fazer com que o disco tivesse uma unidade, não ficasse com cara de 'colcha-de-retalhos'. Não houve um critério único para a escolha; foi um processo afetivo, documental e estético", narra Nando. "Foi difícil concluir o trabalho de uma artista que não está aqui para dar o seu aval. Mas, como já produzi dois discos dela, pensava a todo instante o que ela faria ou não", conta o amigo e produtor. Curiosamente, duas das músicas, Nenhum Roberto e Fiz o que Pude, Nando recorda, constavam da primordial demo que o compositor ofertou à cantora, ainda em 1992, com músicas até então inéditas.

"Posso garantir que ela sem dúvida aprovaria o resultado final. O disco não traiu de maneira alguma sua memória e ficou no padrão da qualidade que a Cássia tinha com seu trabalho", diz Nando. Ele afirma, em seguida, que não há garantias de que outros discos póstumos possam se seguir a Dez de Dezembro. "Ainda sobrou alguma coisa inédita, mas não muita", diz o produtor em relação ao resto do acervo deixado por Cássia. "Prefiro esperar e ver o que vai acontecer com este disco novo, como as pessoas reagirão, para só então pensar no futuro."