Um Tom Jobim feito para orquestra
O álbum duplo Jobim Sinfônico resgata a produção do compositor direcionada à música erudita
Marco Antonio Barbosa
07/08/2003
Inúmeros são os epítetos que Tom Jobim mereceu ao longo de sua carreira; gênio da
bossa nova, o pai da Garota de Ipanema, porta-voz da música popular
brasileira no mundo. Entre as várias aspirações do maestro, uma que tocava fundo em
seu coração - mas que não chegou a se tornar amplamente conhecida do público -
era sua faceta dedicada à música erudita. "Inspirado pela música dos grandes mestres
e apaixonado pela música erudita, Tom norteou assim praticamente toda a sua obra
mesmo nas canções mais populares", conforme reza o texto de apresentação de
Jobim Sinfônico
, álbum duplo recém-lançado pela Biscoito Fino. Sim, é isso
mesmo: trata-se de resgatar a produção que o compositor de Corcovado e
Águas de Março fez tendo em mente os salões de concertos
orquestrais.
Muito se comenta, há anos, sobre a inclinação de Tom Jobim para a erudição, mas nem sempre pode-se ouvir as obras em si. O papa da bossa fez sinfonias, valsas, peças curtas para piano e várias trilhas sonoras para filmes e produções televisivas. Ainda segundo o texto do encarte de Jobim Sinfônico, foi o sucesso de sua produção popular - especialmente a projeção conseguida no exterior - o que eclipsou o lado erudito de sua musicalidade. E, por tabela, o impediu de se dedicar full-time às orquestras. De rigorosa formação clássica (estudou com o maestro Hans Koellroeuter e com a renomada professora de piano Lúcia Branco), admirador de Villa-Lobos, Tom deixou-se levar pela malemolência do samba torto consagrado por João Gilberto & cia.
O projeto foi concebido e tocado adiante pela dupla Paulo Jobim (filho mais velho de Tom) e Mario Adnet. Paulo conta que a obra erudita de Tom era um segredo bem guardado mas que merecia ser mostrado ao mundo. "Sempre acalentei o sonho de compilar e relançar essas peças feitas para orquestra, que na verdade eram a grande aspiração de meu pai. Ele sempre quis se voltar para a música de câmara", afirmou Paulo. A vontade do filho de Tom começou a se concretizar com a ajuda de Adnet. A dupla passou boa parte dos anos de 2001 e 2002 revendo as partituras e gravações - muitas delas raras ou até mesmo inéditas - deixadas pelo compositor.
Do levantamento, saltaram 17 composições, a maior parte estritamente erudita e sinfônica, complementada por algumas canções populares arranjadas para orquestra. O intuito de reverência e preservação do sentido original das obras foi cumprido. "Não inventamos nada, os arranjos foram mantidos como os originais", explica Adnet, ressaltando: "Só ampliamos a instrumentação, agregamos mais elementos. Mas o clima 'sinfônico' já era um dado das composições", fala o músico e produtor. Os arranjos originais levam as assinaturas de Claus Ogerman, Eumir Deodato, Nelson Riddle, Dori Caymmi e do próprio Jobim.
Adnet e Paulo recuperaram pelo menos duas raridades legítimas: um par de peças completamente inéditas de Tom. Prelúdio foi escrita em 1956, quando o compositor tinha a cabeça cheia de Debussy e Ravel, fruto das aulas de piano. A composição foi feita para seu colega de conservatório, o pianista Evandro Rosa. Foi o próprio Rosa quem cedeu a partitura. A outra inédita é Lenda, peça feita sob encomenda do maestro Radamés Gnatalli, em 1955. Outras peças do repertório têm hoje status de lenda. É o caso da Sinfonia da Alvorada, lançada em 1960 em tributo à inauguração de Brasília. O disco original só teve uma edição limitada, na época de seu lançamento, e a própria sinfonia só foi executada publicamente duas vezes. Bangzália, tema feito para a minissérie de TV Globo O Tempo e o Vento, teve de ser tirada "de ouvido" por Adnet - a partitura original se perdeu (levada pelo tempo ou pelo vento?).
Além disso, obras mais conhecidas como a suite da peça Orfeu da Conceição (1956), com seus quatro movimentos, e a trilha sonora do filme A Casa Assassinada (1970), de Paulo Cesar Saraceni, estão no pacote. E ainda há concessões à face mais conhecida de Tom, a do exímio compositor popular. A Felicidade, Gabriela e Garota de Ipanema foram encaixadas entre as obras sinfônicas, sem prejuízo para a coerência do disco. "É interessante porque ajuda o ouvinte a ter um panorama completo da obra do Tom", diz Adnet sobre a inclusão das canções populares.
Na hora de tirar as composições do papel, Paulo e Adnet não economizaram. Dois concertos foram gravados em novembro do ano passado, na Sala São Paulo (SP), com os 70 músicos da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo regidos pelo maestro Roberto Minczuk. Além disso, várias participações especiais pontuam o recital; a mais marcante delas é Milton Nascimento, que canta Se Todos Fossem Iguais a Você (da suite de Orfeu) e Matita Perê. Músicos como o baterista Duduka da Fonseca, os pianistas Benjamin Taubkin e Marcos Nimrichter e o contrabaixista Zeca Assunção completam o time. A suntuosidade do instrumental ampliou as intenções dos arranjos originais, quase todos feitos para grupos menores, com menos músicos. O DVD, dirigido por Luiz Fernando Goulart, traz a íntegra do que se ouve nos CDs, além de uma entrevista com Tom Jobim e depoimentos de Adnet, Paulo e Roberto Minczuk.
Muito se comenta, há anos, sobre a inclinação de Tom Jobim para a erudição, mas nem sempre pode-se ouvir as obras em si. O papa da bossa fez sinfonias, valsas, peças curtas para piano e várias trilhas sonoras para filmes e produções televisivas. Ainda segundo o texto do encarte de Jobim Sinfônico, foi o sucesso de sua produção popular - especialmente a projeção conseguida no exterior - o que eclipsou o lado erudito de sua musicalidade. E, por tabela, o impediu de se dedicar full-time às orquestras. De rigorosa formação clássica (estudou com o maestro Hans Koellroeuter e com a renomada professora de piano Lúcia Branco), admirador de Villa-Lobos, Tom deixou-se levar pela malemolência do samba torto consagrado por João Gilberto & cia.
O projeto foi concebido e tocado adiante pela dupla Paulo Jobim (filho mais velho de Tom) e Mario Adnet. Paulo conta que a obra erudita de Tom era um segredo bem guardado mas que merecia ser mostrado ao mundo. "Sempre acalentei o sonho de compilar e relançar essas peças feitas para orquestra, que na verdade eram a grande aspiração de meu pai. Ele sempre quis se voltar para a música de câmara", afirmou Paulo. A vontade do filho de Tom começou a se concretizar com a ajuda de Adnet. A dupla passou boa parte dos anos de 2001 e 2002 revendo as partituras e gravações - muitas delas raras ou até mesmo inéditas - deixadas pelo compositor.
Do levantamento, saltaram 17 composições, a maior parte estritamente erudita e sinfônica, complementada por algumas canções populares arranjadas para orquestra. O intuito de reverência e preservação do sentido original das obras foi cumprido. "Não inventamos nada, os arranjos foram mantidos como os originais", explica Adnet, ressaltando: "Só ampliamos a instrumentação, agregamos mais elementos. Mas o clima 'sinfônico' já era um dado das composições", fala o músico e produtor. Os arranjos originais levam as assinaturas de Claus Ogerman, Eumir Deodato, Nelson Riddle, Dori Caymmi e do próprio Jobim.
Adnet e Paulo recuperaram pelo menos duas raridades legítimas: um par de peças completamente inéditas de Tom. Prelúdio foi escrita em 1956, quando o compositor tinha a cabeça cheia de Debussy e Ravel, fruto das aulas de piano. A composição foi feita para seu colega de conservatório, o pianista Evandro Rosa. Foi o próprio Rosa quem cedeu a partitura. A outra inédita é Lenda, peça feita sob encomenda do maestro Radamés Gnatalli, em 1955. Outras peças do repertório têm hoje status de lenda. É o caso da Sinfonia da Alvorada, lançada em 1960 em tributo à inauguração de Brasília. O disco original só teve uma edição limitada, na época de seu lançamento, e a própria sinfonia só foi executada publicamente duas vezes. Bangzália, tema feito para a minissérie de TV Globo O Tempo e o Vento, teve de ser tirada "de ouvido" por Adnet - a partitura original se perdeu (levada pelo tempo ou pelo vento?).
Além disso, obras mais conhecidas como a suite da peça Orfeu da Conceição (1956), com seus quatro movimentos, e a trilha sonora do filme A Casa Assassinada (1970), de Paulo Cesar Saraceni, estão no pacote. E ainda há concessões à face mais conhecida de Tom, a do exímio compositor popular. A Felicidade, Gabriela e Garota de Ipanema foram encaixadas entre as obras sinfônicas, sem prejuízo para a coerência do disco. "É interessante porque ajuda o ouvinte a ter um panorama completo da obra do Tom", diz Adnet sobre a inclusão das canções populares.
Na hora de tirar as composições do papel, Paulo e Adnet não economizaram. Dois concertos foram gravados em novembro do ano passado, na Sala São Paulo (SP), com os 70 músicos da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo regidos pelo maestro Roberto Minczuk. Além disso, várias participações especiais pontuam o recital; a mais marcante delas é Milton Nascimento, que canta Se Todos Fossem Iguais a Você (da suite de Orfeu) e Matita Perê. Músicos como o baterista Duduka da Fonseca, os pianistas Benjamin Taubkin e Marcos Nimrichter e o contrabaixista Zeca Assunção completam o time. A suntuosidade do instrumental ampliou as intenções dos arranjos originais, quase todos feitos para grupos menores, com menos músicos. O DVD, dirigido por Luiz Fernando Goulart, traz a íntegra do que se ouve nos CDs, além de uma entrevista com Tom Jobim e depoimentos de Adnet, Paulo e Roberto Minczuk.