Uma <i>Cantada</i> de Adriana Calcanhotto no ouvinte

Quatro anos depois de seu último disco de inéditas, cantora lança álbum no qual busca o minimalismo sonoro

Mônica Loureiro
30/10/2002
Enquanto alguns artistas se valem de múltiplos recursos para buscar um diferencial em sua música, Adriana Calcanhotto busca o caminho inverso. "Tenho um pouco da ideologia punk, não sei fazer música, mas faço. E minha idéia é depurar tanto uma canção até que ela se sustente com um só acorde", diz a cantora e compositora.

Adriana está lançando o CD Cantada, após quatro anos sem apresentar material inédito - o último foi o álbum Maritmo ouvir 30s. "Cantada tem músicas iniciadas em 1998, uma inclusive que considero minha despedida de Ipanema, onde morava antes de me mudar para o Alto da Boa Vista", cita, referindo-se à canção Sobre a Tarde.

Mesmo confessando que está compondo cada vez menos - "Acho que é porque o telefone toca demais... e eu não tenho uma exuberância musical como Carlinhos Brown, por exemplo", desculpa-se -, Adriana é autora de nove das 15 músicas do disco. Entre os parceiros, nomes que a acompanham há longa data: Antonio Cícero, Waly Salomão e Péricles Cavalcanti.

"É, eu tenho visitado o mesmo universo de autores, funciona como um desenvolvimento de diálogo. Mas para fazer um disco novo, primeiro penso nas canções. Elas podem chegar a 30, 40, para depois decidir quais que entram", explica, comparando seu repertório a um quebra-cabeças: "As canções vão se agregando".

Em algumas faixas, Adriana tem convidados especiais. O trio carioca Moreno + 2 participa em Programa, Los Hermanos (que anda fazendo uma versão de Esquadros em seus shows) em A Mulher Barbada, Daniel Jobim em Music/Impressive Instant (uma inesperada releitura do sucesso dançante da cantora pop Madonna) e o grupo Bossacucanova em Jornal de Serviço (Leitura em Diagonal das Páginas Amarelas).

"(O grupo) Moreno + 2 me convidou para participar de um show na Lona Cultural Gilberto Gil. Foi lá que conheci o pessoal do Los Hermanos, batemos papo e combinamos de gravar algo juntos. Só demorou a definir a canção...", lembra Adriana. A cantora fala também da música de Madonna: "Adoro Music. Minha idéia era preservar somente a letra e a batida, mas Daniel (Jobim) quis fazer todo o arranjo no piano acústico e com sons sobrepostos. No show, ela estará mais crua, só com meu violão e um piano", avisa. Ela revela que chegou a samplear a voz de Madonna na parte "samba, samba, samba", mas que o resultado não ficou satisfatório - "Ela ficou parecendo um ET!", brinca.

Jornal de Serviço, um poema musicado de Carlos Drummond de Andrade, foi um desafio para Adriana. "Sempre tentei gravar esse poema. Era para ter entrado no `Marítimo', mas ficou meio rap, tipo Gabriel (O pensador)... Agora, com o Bossacucanova, achamos o tom certo. No show, nem vamos tocar com instrumentos, apenas com o som das Páginas Amarelas folheadas", revela.

O compositor Péricles Cavalcanti comparece com uma "dobradinha" curiosa nas faixas 10 e 11 de Cantada. Adriana explica: "Intimidade (Sou Seu)' ele já havia gravado em seu disco. Com temos um tom comum, eu o chamei para o estúdio para reproduzir os mesmos arranjos. E aproveitei para pedir que fizesse a versão feminina, que é a Sou Sua!".

Já a música que dá título ao CD é bastante conhecida na voz de Maria Bethânia, apesar de não como Cantada e sim Depois de Ter Você ouvir 30s. "Já que ela sempre muda os nomes das músicas, agora eu mando tudo sem título... Quando soube que ela ia gravar essa, liguei para avisar que se chamava Cantada, mas não deu mais tempo! Agora, no Maricotinha ao Vivo ouvir 30s, ela corrigiu...", diverte-se.

Adriana está com dois projetos editoriais para se dedicar após a turnê de Cantada. O primeiro surgiu de um convite da editora portuguesa Quasi. "É para fazer um livro com minhas letras. Já estou trabalhando na seleção das músicas, só não sei ainda se virá com cifras ou não", diz. O outro é pela editora Salamandra: "Fui chamada para musicar o livro O Gato Chamado Gatinho, de Ferreira Gullar". Aliás, Adriana já havia gravado um disco infantil, que não foi lançado. "Eu comecei o CD na Sony e terminei na BMG. Resultou em um disco metido, datado e resolvi não lançar. Mas não desisti de fazer um trabalho para crianças", avisa.

Enquanto isso, a cantora ensaia para o lançamento do CD Cantada - que sai simultaneamente em Portugal - que acontece dia 16 de outubro em Porto Alegre. "Estamos com certa dificuldade em fazer a transição do disco para o palco. Tanto que estamos criando arranjos específicos de algumas músicas para o show", diz.