Uma brasileira entre os melhores do New York Times

A cantora e compositora Luciana Souza acaba de ter seu segundo disco, The Poems of Elizabeth Bishop and Other Songs, incluído na seleção dos grandes discos de jazz e pop de 2000 organizada pelo jornal

Carlos Calado
28/12/2000
Radicada há nove anos nos EUA, a cantora e compositora Luciana Souza começa enfim a desfrutar um maior reconhecimento por sua atuação na área do jazz. Seu segundo álbum oficial,The Poems of Elizabeth Bishop and Other Songs (lançado em setembro no mercado norte-americano pelo selo Sunnyside) foi incluído entre os melhores discos de jazz e música pop do ano, eleitos pelos críticos do influente jornal The New York Times, na edição do último dia 17. Luciana aparece na lista do crítico Ben Ratliff, ao lado do soulman D’Angelo, da banda Los Hombres Calientes e dos pianistas Chick Corea e Danilo Perez, entre outros.

"Foi uma coisa totalmente inesperada. Fiquei feliz porque uma indicação do Ben Ratliff, em um jornal tão lido como o New York Times, funciona como um batismo. Isso valida não só o meu trabalho de cantora, mas também o de compositora. Quando eu escrevo é ali que está a minha voz", comemora Luciana, que foi a São Paulo passar o Natal com seus pais, os compositores Walter Santos e Tereza Souza, que se tornaram conhecidos durante o apogeu da bossa nova, nos anos 60.

Luciana ressalta também que o fato de seu álbum ter sido lançado por um selo alternativo, sem grandes recursos financeiros, dá um sabor especial a essa indicação. "Viajando com a banda do Danilo Perez, eu sei a diferença que faz uma gravadora que chega antes dos shows, que coloca posters e divulga o disco em todas as grandes lojas da cidade. O selo que lançou meu disco conta apenas com um cara, sentado numa mesa com um computador e um telefone", compara a cantora, lembrando que até agora - também por causa da turnê com Perez - fez apenas um único show de promoção de seu disco.

Obsessão
O interesse de Luciana pela obra da cultuada poeta norte-americana Elizabeth Bishop (1911-1979) teve início quatro anos atrás, ao ganhar da mãe um livro com seus poemas. "Comecei a mergulhar na vida dela, a ler os poetas que ela recomendava, e identifiquei-me com os lugares que ela gostava. Fiquei meio obcecada por ela", confessa a cantora, que em 1998 inspirou-se no poema The Fish (O Peixe), para compor uma peça instrumental de 40 minutos comissionada pelo Merkin Hall, um centro judaico de Nova York.

"Elizabeth escreveu pouquíssimo, só três livros de poesias, mas foi uma escritora premiadíssima. Morou no Brasil, era lésbica e uma pessoa muito na dela", relata Luciana, reconhecendo o fascínio que sente pelo perfeccionismo da escritora norte-americana. "Ela chegou a passar 15 anos recusando-se a publicar um poema, por achar que ainda faltava uma palavra mais apropriada. Tenho algo assim com a música. Às vezes, canto uma música no palco e não a olho mais. Então, posso encontrá-la quatro anos depois e a reescrevo. Acho que compor tem algo de artesanal. Essa coisa da espontaneidade do jazz é legal, mas às vezes me incomoda", afirma.

Além de musicar quatro poemas de Bishop em seu álbum (Sonnet, Argument, Insomnia e Imber Nocturnus), Luciana assina outras oito composições. Nelas, chamam atenção seus sofisticados vocais sem palavras (o que se conhece por scat singin’, nos círculos do jazz), em constante diálogo com o sax tenor de Chris Cheek, outro talento da nova geração. "Não sou uma cantora típica de jazz. Isso acaba sendo uma vantagem", diz a compositora nascida em São Paulo, que até o ano passado ainda lecionava na badalada Berklee School of Music, em Boston, depois de completar o mestrado em Estudos de Jazz, no New England Conservatory, em 1994.

Fórmula
"Fazer sucesso no jazz pode ser uma coisa perigosa", observa a cantora, explicando que se preocupa em não ficar marcada por um determinado estilo ou especialidade musical. "Você poder virar um Brad Mehldau, que é um pianista de grande toque, um intérprete maravilhoso, mas é obrigado a gravar um disco por ano seguindo a mesma fórmula. Você faz sucesso com aquilo e a expectativa do público é que você continue fazendo aquilo. Não quero que ninguém tenha expectativa nenhuma comigo, porque nem eu mesma tenho. Não quero ser enquadrada."

Depois de gravar dois álbuns (o anterior, An Answer to Your Silence, saiu pelo selo NYC, em 1999) relativamente ousados para os padrões do mercado atual de jazz, Luciana admite que seria interessante poder contar com o apoio de uma grande gravadora. "Uma gravadora de Chicago já me ofereceu muito dinheiro para fazer um disco de standards de música norte-americana, mas na época decidi não aceitar. Agora estou meio cansada de bancar meus trabalhos. Se um grande produtor de jazz vier com um projeto, vou sentar e pensar. Agora as pessoas já sabem quem eu sou."

Esse próximo projeto pode ser um disco de bossa nova e MPB, que Luciana gravou em 1998, mas ainda não está finalizado. A seu lado, ela tem apenas a companhia dos violões de Romero Lubambo, Marco Pereira e do pai, Walter Santos, cada um tocando em quatro faixas. No repertório, entram composições de Tom Jobim, Toninho Horta, Djavan, Luiz Gonzaga e Walter Santos. "Acho que Duos pode ser um bom título, porque funciona em inglês e português. Na verdade, eu gostaria de refazer esse disco, porque ele foi gravado ao vivo, em um estúdio pequeno de Nova York, que eu mesma paguei. Como algumas gravadoras estão me sondando, existe essa possibilidade."

Projetos diversos
Enquanto isso, a afilhada do mago Hermeto Pascoal continua atuando em vários projetos simultâneos. Seus vocais também farão parte dos próximos álbuns do contrabaixista John Patitucci e do guitarrista Mike Stern, já em fase de gravação. De 8 a 10 de fevereiro, no Symphony Hall de Boston, Luciana será a solista da peça Passion According to St. Mark, do argentino Osvaldo Golijov, que a Boston Symphony Orchestra vai executar, com regência de Robert Spano. "Vai ser muito emocionante apresentar esse trabalho nessa cidade, onde morei muitos anos", comemora.

No mês seguinte, ela volta a excursionar com a banda do panamenho Danilo Perez. "Aprendi muito com ele. Cantar com outros musicos é enriquecedor. Você cresce, tem novas oportunidades e quando volta a fazer seu trabalho, está muito mais a fim", diz Luciana, que só voltará a cantar o repertório de seu álbum dedicado a Elizabeth Bishop no dia 22 de março, em apresentação no Cornelia Street Cafe, em Nova York. Em seguida, acompanhada pelos mesmos músicos que tocam nesse CD, ela comanda a primeira turnê de sua carreira: uma série de shows por 10 cidades da Espanha, incluindo Madri e Barcelona.

Casada com um norte-americano (o baterista David Korchin) e sem planos imediatos de voltar ao Brasil, Luciana admite que gostaria de cantar num festival de jazz ou fazer uma turnê de shows pelo país. "Seria maravilhoso. Foi muito bom ter ido estudar nos Estados Unidos, mas até hoje ainda penso como seria se eu tivesse aceitado o convite do Djavan para cantar com ele", conta, revelando que também tem planos de gravar álbuns só com canções de Djavan ou Milton Nascimento. "É claro que eu quero trabalhar e ganhar mais, mas o que estou fazendo hoje é uma felicidade. Se eu morresse amanhã, já estaria muito contente." Quem quiser saber mais sobre a cantora pode acessar seu site: www.lucianasouza.com