Uma breve trajetória da cafonice sonora

Inspirado pelo livro Eu Não Sou Cachorro, Não, o jornalista Ricardo Schott analisa a história da música brega

12/09/2002
"Eu sou brega, mas sou feliz/ Muito mais brega é o meu país". O refrão foi cantado por um grupo enorme de artistas tidos como bregas (gente como José Augusto, Wanderley Cardoso, Joanna e até o hoje sumidaço Markinhos Moura) num antigo Programa Legal, da TV Globo, apresentado por Regina Casé e Luiz Fernando Guimarães. O programa tentava fazer uma espécie de painel existencial do brega, mostrando as formas nas quais ele se mostrava (em frases feitas, temas recorrentes nas letras das músicas, etc) e entrevistando artistas - gente que, muitas vezes, está meio sumida da mídia mas ainda tem público certo, percorrendo o interior dos estados (como Odair José, que sempre tem suas músicas regravadas e cuja obra recusa-se a envelhecer).

Considerado de baixo nível pela intelectuália brasileira - muito embora cantores como Caetano Veloso e Marisa Monte sejam os primeiros a reconhecerem que há valor na música brega - esse tipo de som agora tem quem lhe faça justiça, e não da forma caricatural como normalmente se vê: o professor de História Paulo César de Araújo, vindo do interior da Bahia (de onde mais?) está lançando um livro que é uma verdadeira homenagem ao brega. O nome não poderia ser mais apropriado: Eu Não Sou Cachorro, Não. A idéia do professor é ousada: colocar o brega como sendo um dos movimentos mais importantes de nossa música e tirá-lo do gueto da cultura de massa e da música popularesca (que fez com que o brega até fosse visto com carinho, mas nunca levado a sério como manifestação artística).

Um dos trunfos do livro é mostrar a quantidade de músicas censuradas que artistas como Odair José, Waldick Soriano e até Nelson Ned tiveram nos anos 70. Odair, definido galhardamente pelo jornalista Luiz Antonio Mello como "Bob Dylan da praça Mauá", nunca deixou por menos em sua obra: sempre enfocou o mundo que rondava as classes mais populares. A falta de grana, os desejos de consumir, a prostituição (cantada sob o enfoque de um cara que freqüentava a Vila Mimosa, e não pelo "modo de vista" de algum malandro da Lapa), a pílula anticoncepcional, o escândalo nas famílias mais conservadoras... A obra de Odair José é um prato cheio e realmente até hoje fica difícil de entende como é que ninguém ousou estudar Odair em alguma universidade, como grande cronista do cotidiano que ele foi e ainda é. Quem pretende ler um livro sobre MPB que realmente saia dos eixos já deve estar encomendando o seu.

Alguns anos antes, a revista BIZZ tinha publicado um verdadeiro dicionário do brega, com um detalhado glossário, tipos diferentes de "breguices" e até uma suspeita volta às origem do termo. Ao mesmo tempo que muita gente afirma que "brega" surgiu por causa de um forró feito numa casa noturna dirigida por um certo Nóbrega (as letras N e O teriam caído do cartaz e originado o termo) uma grande corrente jura que o termo, na realidade, seria apenas uma maneira de se referir à chamada zona do meretrício (um forrozinho de Antonio Carlos e Jocafi gravado pelos Golden Boys, Perambulando, mostra isso na letra: "eu saí na sexta-feira/com idéia de voltar/mas fui dançar naquele brega/e nunca mais saí de lá"). Restrito ao norte do país, o termo só foi ganhar vulto mesmo no início dos anos 80, quando Eduardo Dusek lançou o disco Brega-Chique e se espalhou de vez alguns anos depois, com Wando, José Augusto, Joanna, Rosanna e Sullivan & Massadas (a maioria deles egressos do soul e da jovem guarda) povoando nossos dials.



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