Uma cantora muito além da mera genética
Flavia Virginia, filha de Djavan, lança Livro-Mãe, seu primeiro álbum solo, e prova ter luz própria
Marco Antonio Barbosa
09/08/2001
Genética - e parentesco também - é destino. O que pode ser uma benção para uns, torna-se um fardo para outros. Só que a cantora Flávia Virgínia, filha mais velha do cantor e compositor Djavan, recusa-se a ser enquadrada em qualquer uma das hipóteses. "Certamente, não chega a doer ser filha do Djavan. É natural que as pessoas fiquem curiosas. Mas o que eu vejo é que quem mais se impressiona com isso é a imprensa... as pessoas que ouvem meu trabalho não ligam para este fato, e eu também não", é o que garante Flávia, de 29 anos. E ela prova o que diz com seu primeiro álbum solo, Livro-Mãe , recém-lançado pela gravadora Jam Music. Trata-se do trabalho de uma artista que caminha com as próprias pernas, e que nem de longe se abriga sob a sombra criativa do pai.
Apesar de ser o primeiro disco de Flávia, ela passa longe de ser uma estreante. Na verdade, sua primeira aparição no mundo da música se deu pelas mãos do próprio pai: ela cantou com ele em 1988 no álbum Djavan, na faixa Curumim. De lá para cá, ela construiu uma sólida carreira como vocalista de apoio de medalhões como Gal Costa, Marisa Monte e Elba Ramalho e Maria Bethânia, além de ter cantado com feras do jazz internacional junto ao grupo do saxofonista americano Marcus Miller. "Eu sempre quis fazer este disco. Mas demorei tanto porque a vida dá muitas voltas...", afirma a cantora. Livro-Mãe reúne 13 anos da vida de Flávia Virginia em forma de canções. "No disco tem desde músicas bem recentes, que é o caso de Janela - que entrou meio em cima da hora no CD - e também tem coisas antigas, como Crescendo, que é uma música feita em 1988, quando eu tinha 16 anos", diz a cantora. Não por acaso, é em Crescendo que papai Djavan dá as caras, fazendo um dueto com a filha. Ela se detém sobre a influência que o consagrado alagoano teve sobre sua formação musical: "Meu pai me marcou em tudo: no estilo de cantar, na concepção que eu tenho sobre minha carreira... aprendi a compôr com ele, observando o jeito dele."
Em Livro-Mãe, Flávia escolheu o caminho da independência radical, o que a faz se destacar quase como uma alienígena num cenário inflacionado de cantoras sem criatividade. Ela compôs sozinha as 13 canções do álbum e produziu e arranjou integralmente o disco. Mais: exibe no disco uma disposição rara para o ecletismo sonoro, fazendo uma ponte entre a música negra norte-americana (soul, funk) e referências a princípio díspares. Como o jazz (Amado de Papel), a música caribenha (Sangria), sons árabes (Mãe) e o flamenco (Praça de Espanha). Tudo acaba soando com uma coerência surpreendente.
"Toda essa variedade vem dos diferentes tipos de música que eu ouvi a minha vida toda. Se você ouve, digamos, cinco compositores, na hora de compôr só vai conseguir se ater um único estilo. Mas se você ouviu uns 200...", explica Flávia, que prossegue: "Sempre escutei todos estes ritmos e estilos e isso vai surgindo em minhas canções. Até essa coisa de incorporar a música de vários lugares do mundo, que é uma coisa estranha - eu nunca viajei para lugar nenhum, só conheço a Disneylândia (risos), mas conheço música árabe, espanhola, caribenha."
Ela continua: "Muitos compositores dizem que compõem 'MPB'. Ora, MPB não é um ritmo, um estilo - é uma mistura de muitos ritmos e estilos. O Gilberto Gil, por exemplo, faz forró, samba, reggae, funk... isso é MPB. Gosto de pensar que eu trabalho com a MPB, mas com a concepção original dela, essa variedade de sons. Além do mais, como é meu primeiro disco, quis fazer uma demonstração de todos os estilos em que sou capaz de fazer música. Dei uma 'palinha' geral daquilo que eu sou. Pode ser que no futuro eu me concentre mais em determinado ritmo ou musicalidade."
Numa demonstração de fé em si mesma, Flávia preferiu assinar por conta própria os arranjos de suas canções. "Levei muitos anos concebendo o formato musical deste disco. Tive que fazer tudo sozinha porque era um trabalho que só eu mesma poderia fazer... na hora em que componho a canção, já estou pensando que tipo de arranjo ela vai ter, eu vejo tudo isso junto. Foi complicadíssimo, mas saiu", diz a cantora. O trabalho no álbum começou em 1998 e foi interrompido por vários fatores externos. "Nesse meio tempo eu tive um filho, casei, mudei para o Rio, me separei, voltei para São Paulo..."
Além do pai, Flávia Virgínia conta com a ajuda de alguns seletos companheiros em Livro-Mãe. O irmão Max Robert entra com o baixo em várias faixas, Martinália (filha de Martinho da Vila) toca percussão em Amaralina, e Armandinho ("um dos maiores músicos do mundo", segundo Flávia) toca guitarra em Sinuca. Daniel Gonzaga (filho de Gonzaguinha) canta com ela em Canto e Oração da Terra. Flávia se entusiasma ao falar de uma nova geração da música brasileira com a qual ela se identifica. "Vejo uns paralelos meio tortos entre eu e mais uma galera que está surgindo, gente que ainda não se destacou muito na mídia até por falta de uma estratégia mais eficaz de divulgação. (A cantora carioca) Bia Grabois, o Mu Chebabi, o próprio Daniel, que tem uma das vozes mais lindas do Brasil... São nomes a se observar com atenção."
Ela prossegue, conclamando uma renovação efetiva de quadros na música brasileira. "A MPB estagnou. É uma gente que está vendo o futuro com a nuca, virando as costas para o que é novo. Eu não quis incluir nenhuma regravação neste disco justamente para não entrar nesse esquema reverente ao mesmos medalhões de sempre. E também não gosto nem de citar gente como Caetano, Gil e outros tantos, porque eles não estão presentes em meu trabalho. Eu estou com os novos e só." Frase incomum para quem foi criada justamente por um medalhão da MPB à altura dos citados. Mas de onde menos se espera é que nascem as revoluções.
Apesar de ser o primeiro disco de Flávia, ela passa longe de ser uma estreante. Na verdade, sua primeira aparição no mundo da música se deu pelas mãos do próprio pai: ela cantou com ele em 1988 no álbum Djavan, na faixa Curumim. De lá para cá, ela construiu uma sólida carreira como vocalista de apoio de medalhões como Gal Costa, Marisa Monte e Elba Ramalho e Maria Bethânia, além de ter cantado com feras do jazz internacional junto ao grupo do saxofonista americano Marcus Miller. "Eu sempre quis fazer este disco. Mas demorei tanto porque a vida dá muitas voltas...", afirma a cantora. Livro-Mãe reúne 13 anos da vida de Flávia Virginia em forma de canções. "No disco tem desde músicas bem recentes, que é o caso de Janela - que entrou meio em cima da hora no CD - e também tem coisas antigas, como Crescendo, que é uma música feita em 1988, quando eu tinha 16 anos", diz a cantora. Não por acaso, é em Crescendo que papai Djavan dá as caras, fazendo um dueto com a filha. Ela se detém sobre a influência que o consagrado alagoano teve sobre sua formação musical: "Meu pai me marcou em tudo: no estilo de cantar, na concepção que eu tenho sobre minha carreira... aprendi a compôr com ele, observando o jeito dele."
Em Livro-Mãe, Flávia escolheu o caminho da independência radical, o que a faz se destacar quase como uma alienígena num cenário inflacionado de cantoras sem criatividade. Ela compôs sozinha as 13 canções do álbum e produziu e arranjou integralmente o disco. Mais: exibe no disco uma disposição rara para o ecletismo sonoro, fazendo uma ponte entre a música negra norte-americana (soul, funk) e referências a princípio díspares. Como o jazz (Amado de Papel), a música caribenha (Sangria), sons árabes (Mãe) e o flamenco (Praça de Espanha). Tudo acaba soando com uma coerência surpreendente.
"Toda essa variedade vem dos diferentes tipos de música que eu ouvi a minha vida toda. Se você ouve, digamos, cinco compositores, na hora de compôr só vai conseguir se ater um único estilo. Mas se você ouviu uns 200...", explica Flávia, que prossegue: "Sempre escutei todos estes ritmos e estilos e isso vai surgindo em minhas canções. Até essa coisa de incorporar a música de vários lugares do mundo, que é uma coisa estranha - eu nunca viajei para lugar nenhum, só conheço a Disneylândia (risos), mas conheço música árabe, espanhola, caribenha."
Ela continua: "Muitos compositores dizem que compõem 'MPB'. Ora, MPB não é um ritmo, um estilo - é uma mistura de muitos ritmos e estilos. O Gilberto Gil, por exemplo, faz forró, samba, reggae, funk... isso é MPB. Gosto de pensar que eu trabalho com a MPB, mas com a concepção original dela, essa variedade de sons. Além do mais, como é meu primeiro disco, quis fazer uma demonstração de todos os estilos em que sou capaz de fazer música. Dei uma 'palinha' geral daquilo que eu sou. Pode ser que no futuro eu me concentre mais em determinado ritmo ou musicalidade."
Numa demonstração de fé em si mesma, Flávia preferiu assinar por conta própria os arranjos de suas canções. "Levei muitos anos concebendo o formato musical deste disco. Tive que fazer tudo sozinha porque era um trabalho que só eu mesma poderia fazer... na hora em que componho a canção, já estou pensando que tipo de arranjo ela vai ter, eu vejo tudo isso junto. Foi complicadíssimo, mas saiu", diz a cantora. O trabalho no álbum começou em 1998 e foi interrompido por vários fatores externos. "Nesse meio tempo eu tive um filho, casei, mudei para o Rio, me separei, voltei para São Paulo..."
Além do pai, Flávia Virgínia conta com a ajuda de alguns seletos companheiros em Livro-Mãe. O irmão Max Robert entra com o baixo em várias faixas, Martinália (filha de Martinho da Vila) toca percussão em Amaralina, e Armandinho ("um dos maiores músicos do mundo", segundo Flávia) toca guitarra em Sinuca. Daniel Gonzaga (filho de Gonzaguinha) canta com ela em Canto e Oração da Terra. Flávia se entusiasma ao falar de uma nova geração da música brasileira com a qual ela se identifica. "Vejo uns paralelos meio tortos entre eu e mais uma galera que está surgindo, gente que ainda não se destacou muito na mídia até por falta de uma estratégia mais eficaz de divulgação. (A cantora carioca) Bia Grabois, o Mu Chebabi, o próprio Daniel, que tem uma das vozes mais lindas do Brasil... São nomes a se observar com atenção."
Ela prossegue, conclamando uma renovação efetiva de quadros na música brasileira. "A MPB estagnou. É uma gente que está vendo o futuro com a nuca, virando as costas para o que é novo. Eu não quis incluir nenhuma regravação neste disco justamente para não entrar nesse esquema reverente ao mesmos medalhões de sempre. E também não gosto nem de citar gente como Caetano, Gil e outros tantos, porque eles não estão presentes em meu trabalho. Eu estou com os novos e só." Frase incomum para quem foi criada justamente por um medalhão da MPB à altura dos citados. Mas de onde menos se espera é que nascem as revoluções.