Uma cantora pé-na-estrada

Lana Bittencourt levou ao pé da letra seu slogan de A Internacional, viajando ora em turnês, ora forçada pela ditadura militar

Rodrigo Faour
16/10/2000
O slogan de A Internacional de Lana Bittencourt não ficou apenas como seu prefixo em programas de rádio. Já em 1956 ela partia por sua primeira turnê pelo exterior. "Fui à Argentina, Venezuela, Colômbia, Peru e Chile. Em 54, cantava no Copacabana Palace e um estrangeiro gostou do meu trabalho. Fomos então, eu e Dick Farney iniciar uma turnê", conta Lana, que numa dessas viagens esbarrou com Edith Piaf. "Conheci-a em Buenos Aires num jantar que nos ofereceram, em 56. É que na mesma época, nós estávamos em cartaz: eu no Teatro Maipu e ela num Teatro na Praça das Mães. Mais tarde a reencontrei em Paris". Aliás, foi também na capital francesa que Lana morou com Vinicius de Moraes (e sua mulher Lila) num pequeno estúdio e que viu o poeta escrever muitas letras de suas canções célebres. Contudo, ela também pôde conviver com um lado menos conhecido do poeta. "Lembro-me que eu e Lila passávamos uma fome desgraçada. A gente esperando na desgraceira do quarto e o Vinicius lá, de pileque, duro e com preguiça de ir à embaixada pegar dinheiro", diverte-se.

Lana também cantou na Rússia numa época em que não era muito comum artistas brasileiros cantarem no lado vermelho do mundo, num caminho aberto pelo casal Nora Ney e Jorge Goulart. "Cantei Mulé Rendeira e fiquei pasma porque todo mundo sabia a letra. Sabe por quê? Os russos sabiam mais do que os brasileiros de nosso folclore, de nossa cultura política. Lá, Lampião era um herói revolucionário", conta.

Doce espiãzinha
Uma das passagens mais emocionantes da vida de Lana se referem justamente à sua veia nacionalista. Patriota de carteirinha – seu pai era o Tenente Bittencourt, "que amarrou o cavalo de Getúlio Vargas no obelisco, na Intentona de 30" –, ela era socialista e chegou a ser perseguida por isso, na ocasião do golpe militar de 1964. Mesmo sem ser filiada ao Partido Comunista, costumava colaborar em suas viagens passando "recadinhos". "O negócio era bem velado e partiu de Cuba, mas não vou entregar porque tem muita coisa envolvida que não foi descoberta. Mas posso dizer que eu mandava muito recadinho para os líderes, para o presidente do México principalmente, porque o México estava envolvidíssimo nessa coisa de trazer o socialismo para o Brasil. E Cuba também, pois Fidel estava com 1.500 homens para invadir o Brasil. Pena que o pessoal descobriu. Só não me mataram porque meu pai era general", conta.

Quer dizer então que Lana era simpatizante do partidão? "Não. Nunca fui filiada ao Partido Comunista, até porque detesto comunismo, sou socialista! Fui mais uma Theda Bara, a doce espiãzinha...", ri a cantora, que hoje já superou o trauma de ver seus bens levados pelo Exército Brasileiro. "Depois do golpe de 64, respondi um processo e para pagar a fiança tive que me desfazer de tudo que eu tinha. Ou seja, me tomaram tudo. Só sobrou uma casa em Itaipava e um terreninho meu em Bela Iguaba, mesmo assim porque não estavam somente no meu nome. Isso prejudicou demais minha vida. Danei-me feito uma besta".

Nova carteira de identidade
Por causa de sua veia socialista, Lana comprometeu sua carreira no Brasil. Depois do álbum ao vivo Lana no 1.800 (1965), só voltaria a gravar no Brasil quase 20 anos depois, mesmo assim no formato independente. "Fiquei por dez anos impedida de atuar no Brasil por causa do meu problema de cidadania. Somente em 1980, o [presidente João Batista] Figueiredo me deu a anistia. Ganhei outra carteira de identidade. Antes disso, só podia vir aqui de passagem, não podia trabalhar", revela a cantora que chegou a fixar-se no México e na Itália, enquanto rodava pelo mundo atrás de trabalho. Ela diz que foi um período de muita tensão porque a cada país que ela chegava, as alfândegas queriam saber por que ela não podia residir em seu país. "Eles queriam saber se eu era revolucionária, guerrilheira ou se eu era perigosa. Essa pressão de estar toda hora em embaixadas, recebendo ordens de que eu não podia fazer agitação no país que eu entrasse... tudo isso foi terrível".

Depois desse período de exílio, ficou mais difícil para Lana voltar à mídia. Mesmo assim, gravou dois LPs independentes nos anos 80 – Jubileu de Prata e Karma Secular – e um CD de sucessos pela Polydisc de Recife, há dois anos. Continuou fazendo shows em pequenos espaços e chegou a viajar para a Espanha, no começo dos anos 80 e para o Japão em 1990, durante a comemoração dos 30 anos de bossa nova. Lana, porém, não guarda ressentimentos ou recalques de seu passado. "Amei tudo que fiz. Choro demais de saudade. Se você me vir chorar é porque é de saudades. Queria que aquilo voltasse, que de repente fechasse os olhos, entrasse no túnel do tempo para curtir de novo. Porque a carreira foi uma coisa muito bonita na minha vida. Não tenho mágoa de nada".

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