Uma cantora que não faz concessões
Inezita Barroso denuncia que gravadoras nunca lhe pagaram direitos por seus discos e até tentaram lhe impingir modismos diversos
Rodrigo Faour
11/04/2001
CliqueMusic — Nos anos 50, na fase em que quase ninguém tinha vitrola para tocar LPs, suas gravadoras lançaram quatro LPs de dez polegadas seus... Isso era porque você vendia muito disco, não?
Inezita Barroso — Acho que eu vendia sim. Mas desde quando gravadora paga cantor? São 48 anos de carreira e gravei quase 80 discos, entre compactos, 78rpms, LPs e CDs. De tudo isso, o que eu recebi? Nada. E ainda tem os piratas. O cara tem as matrizes, inventa uma fábrica de CDs e põe os discos na rua. Tem uns oito ou nove discos meus, piratas, por aí. Você não escolhe o repertório nem recebe nada. Também detesto as compilações da minha obra que são feitas por aí. Não têm critério nenhum, misturam música com orquestra a música com regional e põem sempre Marvada Pinga e Lampião de Gás em todos! São terríveis!
CliqueMusic — Quais foram as maiores barras que você enfrentou para se manter fiel ao seu estilo, sem concessões?
Inezita Barroso — Não faltaram as tentações. Diziam: "Ah! Porque disco desse tipo não vende. Por que você não grava com tecladinho e guitarra?" E eu dizia: "Então não vou gravar mais. Não recebo e ainda vou ter que gravar do jeito de que não gosto?". Da Copacabana às outras gravadoras menorezinhas, todas tentaram me impor outros estilos. Nunca na minha vida vou gravar uma coisa igual aos outros. Eu sou eu! Senão, vira esse sertanejo atual... sempre a mesma coisa. Não adianta nada querer esse apelo comercial porque essas explosões de sucesso passam. Fica o trabalho honesto, devagar, lento.
CliqueMusic — Você foi a primeira a resgatar uma série de canções folclóricas e caipiras, numa época em que ninguém dava bola a esse tipo de música.
Inezita Barroso — Gravei muitos sucessos caipiras que a gente chamava "jóias da música sertaneja" em quatro LPs. Depois dos próprios autors, fui uma das primeiras a gravar Cavalo Preto, Menino da Porteira, Pingo D'Água, Cabocla Teresa... Também gravei muito Heckel Tavares, Waldemar Henrique, Jayme Ovalle, Manoel Bandeira, Catullo, Luciano Gallet... gente que até então ninguém gravava. Achavam: "Ah! Não é nem erudito nem popular". Para eles, folclore deveria jogado no lixo. Também gravei muita coisa da Babi de Oliveira, uma pessoa muito doce, grande compositora baiana. Ela recolheu e adaptou bem muita coisa bonita. Quem era muito amigo dela, com quem convivi muito no Rio de Janeiro, era o violonista Garoto. Tive grandes reuniões no Rio, com Tom Jobim, Billy Blanco, Zé Vasconcellos e o Garoto... Eles gostavam muito do que eu fazia, senão eu nem pisaria ali, era um círculo muito fechado.
CliqueMusic — Você atuou em sete filmes e ganhou prêmio de melhor atriz por seu papel em Mulher de Verdade. Já reviu esses filmes recentemente?
Inezita Barroso — Os que a TV Cultura tem eu revi. Vou te contar: eu odeio me ver na TV (risos). Quando levam esses filmes de que participo, fico com uma vergonha. Além disso, no dia seguinte vêm os caras lá do meu programa e falam: "Nossa, você era magrinha, tinha uma cinturinha... era linda!" O "era" é um negócio que incomoda muito (risos).
CliqueMusic — Mas realmente você ostentava uma beleza que não era brincadeira. Naquela época não foi sex symbol?
Inezita Barroso — Nunca fui o tipo da hora. Nunca ouvi dizer isso nem na época do cinema. Bonitas eram Tônia Carreiro, Marisa Prado... Aí, agora em 2001, o sujeito chega e diz: "Ah, você era linda!", me dá uma raiva! (risos) Agora está na moda aquele tipo que a gente chama de Barbie, com a perna dura e a calça apertada... Algum tempo atrás era o tipo da Sônia Braga, enfeitada, com brincões. Eu sempre estive na contramão, não só da mídia como do padrão de beleza e tudo mais. É sina! (risos)
CliqueMusic — Uma vez, em matéria da Revista do Rádio, dos anos 50, você já denunciava que muitos compositores se apropriavam de temas folclóricos. A manchete tinha uma declaração sua dizendo: "São uns ladrões!" (risos)
Inezita Barroso — Mas é verdade... Roubam canções de marujada, carnaval, folia de reis... Uma vez a Record promoveu a Bienal do Samba e deu algo que hoje seria 20 mil reais para o primeiro prêmio. E ganhou o Baden Powell com o samba Lapinha (parceria com Paulo César Pinheiro), cantado por Elis Regina. Olhei aquilo, e perguntei: "O que é que é isso?" Isso é uma música folclórica que eu tinha gravado nove anos antes como Capoeira, que me foi dada pelo Carybé da Bahia. A música e a letra eram iguais, só mudava o ritmo. Deu um bochicho danado. Fui para a imprensa, denunciei, aí recolheram o disco, trocaram o selo e colocaram o nome dos autores, "sobre um motivo popular da Bahia". Consegui só essa vez, mas tem outras que escapam. É chato a gente falar porque é gente famosa que não deveria fazer isso.
O Nega Maluca era um samba de Niterói que eu gravei no LP Inezita em Todos os Cantos. Em Niterói, tinha um negão que se chamava Peitão, alto e fortão. Um dia ele me mostrou coisas que hoje estamos fartos de ouvir no carnaval. O fato é que esses estribilhos eram vendidos. Neguinho estava precisando de dinheiro, davam unzinho para ele e o cara podia usar e abusar de sua música. Nesse caso, pegaram o "Tava jogando sinuca uma nega maluca me apareceu..." e enfeitaram o resto da música. Não é uma honestidade como a da Babi de Oliveira... Ela adaptou maravilhas como Maria Macambira ("Lavou roupa toda a vida"). Era um tema de lavadeiras que ela jamais disse que era dela. Honestidade é isso!
CliqueMusic — Com quase 50 anos de carreira profissional, como você revê todo esse seu caminho em nossa música?
Inezita Barroso — A música brasileira em qualquer gênero vale a pena. Acho que é uma missão da gente. Tem que fazer criança gostar disso. Se não cai no fundo do poço, uma música inútil, idiota, que não tem letra, nem ritmo. Um país desses que tem ritmos maravilhosos de Norte a Sul fica travado para fazer um ritmo só quadrado... não pode!
Inezita Barroso — Acho que eu vendia sim. Mas desde quando gravadora paga cantor? São 48 anos de carreira e gravei quase 80 discos, entre compactos, 78rpms, LPs e CDs. De tudo isso, o que eu recebi? Nada. E ainda tem os piratas. O cara tem as matrizes, inventa uma fábrica de CDs e põe os discos na rua. Tem uns oito ou nove discos meus, piratas, por aí. Você não escolhe o repertório nem recebe nada. Também detesto as compilações da minha obra que são feitas por aí. Não têm critério nenhum, misturam música com orquestra a música com regional e põem sempre Marvada Pinga e Lampião de Gás em todos! São terríveis!
CliqueMusic — Quais foram as maiores barras que você enfrentou para se manter fiel ao seu estilo, sem concessões?
Inezita Barroso — Não faltaram as tentações. Diziam: "Ah! Porque disco desse tipo não vende. Por que você não grava com tecladinho e guitarra?" E eu dizia: "Então não vou gravar mais. Não recebo e ainda vou ter que gravar do jeito de que não gosto?". Da Copacabana às outras gravadoras menorezinhas, todas tentaram me impor outros estilos. Nunca na minha vida vou gravar uma coisa igual aos outros. Eu sou eu! Senão, vira esse sertanejo atual... sempre a mesma coisa. Não adianta nada querer esse apelo comercial porque essas explosões de sucesso passam. Fica o trabalho honesto, devagar, lento.
CliqueMusic — Você foi a primeira a resgatar uma série de canções folclóricas e caipiras, numa época em que ninguém dava bola a esse tipo de música.
Inezita Barroso — Gravei muitos sucessos caipiras que a gente chamava "jóias da música sertaneja" em quatro LPs. Depois dos próprios autors, fui uma das primeiras a gravar Cavalo Preto, Menino da Porteira, Pingo D'Água, Cabocla Teresa... Também gravei muito Heckel Tavares, Waldemar Henrique, Jayme Ovalle, Manoel Bandeira, Catullo, Luciano Gallet... gente que até então ninguém gravava. Achavam: "Ah! Não é nem erudito nem popular". Para eles, folclore deveria jogado no lixo. Também gravei muita coisa da Babi de Oliveira, uma pessoa muito doce, grande compositora baiana. Ela recolheu e adaptou bem muita coisa bonita. Quem era muito amigo dela, com quem convivi muito no Rio de Janeiro, era o violonista Garoto. Tive grandes reuniões no Rio, com Tom Jobim, Billy Blanco, Zé Vasconcellos e o Garoto... Eles gostavam muito do que eu fazia, senão eu nem pisaria ali, era um círculo muito fechado.
CliqueMusic — Você atuou em sete filmes e ganhou prêmio de melhor atriz por seu papel em Mulher de Verdade. Já reviu esses filmes recentemente?
Inezita Barroso — Os que a TV Cultura tem eu revi. Vou te contar: eu odeio me ver na TV (risos). Quando levam esses filmes de que participo, fico com uma vergonha. Além disso, no dia seguinte vêm os caras lá do meu programa e falam: "Nossa, você era magrinha, tinha uma cinturinha... era linda!" O "era" é um negócio que incomoda muito (risos).
CliqueMusic — Mas realmente você ostentava uma beleza que não era brincadeira. Naquela época não foi sex symbol?
Inezita Barroso — Nunca fui o tipo da hora. Nunca ouvi dizer isso nem na época do cinema. Bonitas eram Tônia Carreiro, Marisa Prado... Aí, agora em 2001, o sujeito chega e diz: "Ah, você era linda!", me dá uma raiva! (risos) Agora está na moda aquele tipo que a gente chama de Barbie, com a perna dura e a calça apertada... Algum tempo atrás era o tipo da Sônia Braga, enfeitada, com brincões. Eu sempre estive na contramão, não só da mídia como do padrão de beleza e tudo mais. É sina! (risos)
CliqueMusic — Uma vez, em matéria da Revista do Rádio, dos anos 50, você já denunciava que muitos compositores se apropriavam de temas folclóricos. A manchete tinha uma declaração sua dizendo: "São uns ladrões!" (risos)
Inezita Barroso — Mas é verdade... Roubam canções de marujada, carnaval, folia de reis... Uma vez a Record promoveu a Bienal do Samba e deu algo que hoje seria 20 mil reais para o primeiro prêmio. E ganhou o Baden Powell com o samba Lapinha (parceria com Paulo César Pinheiro), cantado por Elis Regina. Olhei aquilo, e perguntei: "O que é que é isso?" Isso é uma música folclórica que eu tinha gravado nove anos antes como Capoeira, que me foi dada pelo Carybé da Bahia. A música e a letra eram iguais, só mudava o ritmo. Deu um bochicho danado. Fui para a imprensa, denunciei, aí recolheram o disco, trocaram o selo e colocaram o nome dos autores, "sobre um motivo popular da Bahia". Consegui só essa vez, mas tem outras que escapam. É chato a gente falar porque é gente famosa que não deveria fazer isso.
O Nega Maluca era um samba de Niterói que eu gravei no LP Inezita em Todos os Cantos. Em Niterói, tinha um negão que se chamava Peitão, alto e fortão. Um dia ele me mostrou coisas que hoje estamos fartos de ouvir no carnaval. O fato é que esses estribilhos eram vendidos. Neguinho estava precisando de dinheiro, davam unzinho para ele e o cara podia usar e abusar de sua música. Nesse caso, pegaram o "Tava jogando sinuca uma nega maluca me apareceu..." e enfeitaram o resto da música. Não é uma honestidade como a da Babi de Oliveira... Ela adaptou maravilhas como Maria Macambira ("Lavou roupa toda a vida"). Era um tema de lavadeiras que ela jamais disse que era dela. Honestidade é isso!
CliqueMusic — Com quase 50 anos de carreira profissional, como você revê todo esse seu caminho em nossa música?
Inezita Barroso — A música brasileira em qualquer gênero vale a pena. Acho que é uma missão da gente. Tem que fazer criança gostar disso. Se não cai no fundo do poço, uma música inútil, idiota, que não tem letra, nem ritmo. Um país desses que tem ritmos maravilhosos de Norte a Sul fica travado para fazer um ritmo só quadrado... não pode!
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