Uma celebração da sanfona

Grandes nomes fazem ciclo de shows no Rio de Janeiro para festejar a importância do instrumento

Mônica Loureiro
03/07/2001
A sanfona ganha lugar de destaque a partir de hoje no Centro Cultural Banco do Brasil (RJ). A série "Sanfona Brasileira" apresenta dez músicos que fazem um verdadeiro mapeamento do instrumento pelo país. O primeiro show acontece nesta terça (dia 3), às 13h30 e 18h, promovendo o encontro entre Renato Cigano e Oswaldinho do Acordeon.

A sanfona brasileira é "parente" da concertina inglesa. Denominada acordeon, foi patenteada em Viena em 1829, mas só adquiriu o teclado duas décadas depois. Chegou ao Brasil - onde o fole de oito baixos no Nordeste já fazia história - com as imigrações italianas e alemãs e, aos poucos, foi conquistando povo e elite. Segundo o pesquisador Mário de Aratanha, Luiz Gonzaga fez mais sucesso pelo baião do que pela sanfona, pois "a elite musical só aceitou o acordeon a partir de estetas refinados como Chiquinho, que fez Radamés Gnatalli mudar seu conceito sobre o instrumento, e Orlando Silveira, que a partir do choro espraiou-se em arranjos que abrangeram estilos diferentes".

Os encontros - alguns inéditos - da série vão dar uma idéia de como a sanfona se adapta aos mais diversos estilos musicais. Em "O mundo é aqui", Renato Cigano e Oswaldinho apresentam duas vertentes distintas. O primeiro, de família cigana iugoslava, já atuou ao lado de grandes nomes da MPB. Na apresentação, ele mostra como a técnica e o virtuosismo europeus podem ser adaptados aos mais variados ritmos e estilos brasileiros. O carioca Oswaldinho carrega em sua experiente bagagem 19 discos. Sua maestria no instrumento o permite tocar desde Piazzola e Beethoven até MPB e música nordestina. Além disso, já acompanhou e gravou com nomes tão distintos quanto Paul Simon, Caetano Veloso e Raul Seixas.

O segundo show, no dia 10, une Renato Borghetti e Zé Calixto na "Sanfona de botão". Esta variação do instrumento se difere pela ausência do teclado (tem apenas botões) e pelo efeito mais percussivo, sem a linearidade do acordeon. Borghettinho, um dos mais conhecidos instrumentistas do Rio Grande do Sul, tem 15 discos gravados. Seu disco de estréia, em 84, foi o primeiro a receber um disco de ouro dado à música instrumental. Já Zé Calixto é um dos maiores tocadores de fole de oito baixos do país. Em 50 anos de forró, colecionou momentos ilustres, como suas parcerias com Gonzagão, Jackson do Pandeiro e Genival Lacerda.

Os albinos Hermeto Paschoal e Sivuca são a atração do dia 17 ("Do Nordeste para o mundo"). A criatividade e talento deles dispensam maiores comentários. "Eu sou coerente com a minha arte. Com a sanfona eu conto a minha história", afirma Sivuca. O show no CCBB-RJ será a primeira vez em mais de 20 anos que Sivuca e Hermeto dividem o palco. No repertório, devem entrar músicas como o clássico Bebê, de Hermeto, Homenagem à Velha Guarda, de Sivuca, e Das Quebradas, frevo composto em parceria pela dupla.

"O pantanal e o Sudeste" é o tema do dia 24, quando Toninho Ferragutti (responsável pela direção e roteiros da série) e Dino Rocha mesclam suas experiências. O primeiro consegue aliar choro, forró, gafieira e chamamé - um ritmo aparentado ao forró, bastante difundido no interior do Mato Grosso - a um apurado conhecimento musical. Seu primeiro CD, Sanfonemas, concorreu ao Grammy latino 2000 como melhor de música regional. E o sul-matogrossense Dino, conhecido como "rei do chamamé" mostra as influência paraguaia em sua música.

Encerrando a série no dia 31, Nordeste e Sul se encontram no show "Vários caminhos". O pernambucano Dominguinhos e o gaúcho Luiz Carlos Borges unem suas experiências com a sanfona. Considerado sucessor de Luiz Gonzaga, Dominguinhos domina hoje as técnicas das sanfonas de 48, 80 e 120 baixos. Afinal, em 50 anos de carreira e com mais de 40 discos lançados - o mais recente é o CD Lembrando de Você ouvir 30s - já aprendeu de tudo. "Eu já viajei com o Borges, já tocamos no Rio Grande do Sul e Argentina. Mas ainda não sei como será nossa apresentação. Como é um show especificamente instrumental, devo fazer solos e alguns chorinhos", diz Dominguinhos. Borges é um dos maiores responsáveis pela renovação da música regional gaúcha. Ele é instrumentista desde os sete anos de idade (tem atualmente 48) e já gravou 20 discos.