Uma década de Paralamas em 12 faixas

Em entrevista a CliqueMusic, o baterista João Barone se aprofunda na história musical resumida pela recém-lançada coletânea Arquivo II (1991-2000) e dá pistas sobre o novo disco da banda, que deve estar gravado até julho

Silvio Essinger
07/12/2000
Dez anos atrás, os Paralamas do Sucesso compilaram no disco Arquivo os grandes hits da sua carreira e, como cereja do bolo, puseram uma regravação de Vital e Sua Moto (do primeiro disco, Cinema Mudo, de 1983) e uma interpretação inédita de Caleidoscópio (de Herbert Vianna, lançada anos antes pela cantora Dulce Quental). Agora, com mais uma década de estrada nas costas, eles lançam o Arquivo II (leia a crítica e ouça trechos das músicas), obedecendo ao mesmo esquema. Regravaram uma antiga (Mensagem de Amor, do disco O Passo do Lui, de 1984), que havia sido virada de cabeça para baixo no show de seu último disco, o Acústico (1999), e trouxeram uma inédita, Aonde Quer Que Eu Vá (parceria de Herbert e Paulo Sérgio Valle). Apanhado dos discos Os Grãos (1991), do comercialmente mal sucedido Severino (94), de Vamo Batê Lata (95), 9 Luas (96) e Hey Na Na (98), o Arquivo II recupera uma década que não foi nada fácil para os Paralamas - mas que eles souberam tirar de letra, mantendo-se firmes na estrada.

Num papo descontraído com CliqueMusic, o baterista João Barone relembrou as histórias da banda nos anos 90 e adiantou alguns dos seus planos para 2001. Com a turnê do Acústico virtualmente encerrada no final do mês, os Paralamas se preparam para ficar seis meses compondo e gravando o novo disco. Três músicas já estão prontas. "É uma coisa diferente. Tem uma coisa mais patente de rock, uma pegada bem forte de guitarra, riffs e coisas que se pode assoviar junto", conta. Tudo vai ser feito calmamente, com tempo de sobra para os integrantes se dedicarem aos seus projetos paralelos. Entre os de Barone, estão os shows com o The Silvas, banda de surf music montada com o produtor Liminha e o baixista Nenê (dos Incríveis). Eles tocam em janeiro na Tenda Brasil no Rock In Rio e devem até gravar um disco. "É uma brincadeira que tomou corpo e ficou interessante", conta o baterista. Nesse meio tempo, ele ainda ataca de cantor no disco-tributo a John Lennon que está sendo organizado pelo selo Geléia Geral, de Gilberto Gil. Vai ser "com aquela voz do robô do Perdidos no Espaço" numa versão do clássico psicodélico Tomorrow Never Knows, que contará com a guitarra de Edgard Scandurra (do Ira!), mais as programações eletrônicas e vocais da mulher de Barone, Katia B.

CliqueMusic - Esses últimos nove anos dos Paralamas foram bem diferentes dos primeiros nove, não é?
João Barone -
A gente estava fazendo um balanço dia desses e viu que, estatisticamente, a gente passou a tocar menos no rádio e a vender mais disco do que a gente vendia no início. Muitas coisas aconteceram. Entre elas, a reafirmação da carreira na virada da década e a abertura do mercado latino, que hoje em dia está em banho maria porque o momento financeiro na Argentina não é bom.

CliqueMusic - A coletânea começa justamente no momento em que o Brasil vivia a devastação do governo Collor e vocês começavam a se firmar na Argentina. Como está hoje o mercado latino para vocês?
João Barone -
A gente está com um déficit de vendagem. É difícil manter o que a gente conseguiu lá se não houver uma associação de fatores, como um momento econômico legal e a própria aposta da gravadora em termos locais. Na Argentina, a gente ainda tem um público sensacional. Acabamos de chegar de lá na semana passada - fizemos dois shows acústicos em lugares pequenos. A gente ainda insiste e tenta viabilizar ao máximo esse tipo de empreitada. Mas é meio complicado, porque a economia está braba até para quem é de lá. Às vésperas de embarcar, a gente falou: "Pô, tomara que ainda tenha Argentina quando a gente chegar lá!"

Ao contrário de agora, no início da década de 90, estava rolando um momento super legal economicamente nos países da América do Sul. E o showbiz estava se organizando, tinha começado a MTV latina... No meio dos anos 80, o rock na Argentina era uma coisa muito underground. A gente acabou indo parar lá por conta do Rock In Rio. Nossa primeira apresentação foi em 86, num festival em Mendoza, com a Blitz. Depois a gente voltou e começou a achar legal a cena local, mas era ainda uma banda underground - tanto que muitos dos fãs antigos não gostaram dessa coisa de a gente gravar em espanhol. Aí a gente começou o intercâmbio com os artistas de lá - Charly [Garcia], o Fito [Paez], os Pericos, o Soda Stereo... Essa época era muito efervescente e o momento econômico botava isso tudo numa lente de aumento. Com o tempo, a situação foi ficando braba, mas funcionou bem durante um tempo

CliqueMusic - E como era o Brasil para vocês no começo dos 90?
João Barone -
Houve uma espécie de inquisição das bandas que começaram nos 80, elas sofreram muito nessa fase. Existia uma certa má vontade da imprensa e de outros meios de comunicação, que jogavam pedra no que estava supostamente estabelecido para descobrir o novo.

CliqueMusic - As primeiras músicas da coletânea (Trac Trac e Tendo a Lua, do disco Os Grãos, de 1991) apontam para uma tentativa de sofisticação no som dos Paralamas.
João Barone -
A gente sempre teve vontade de fazer diferente, de não cair no moto contínuo. Acho que isso ficou patente quando a gente começou a tentar se produzir, no Bora Bora (disco de 1988). Os Grãos foi uma tentativa de requintar um pouco mais o negócio, de fazer uma coisa mais dentro do estúdio. Muitas das músicas desse disco a gente não chegou a tocar [ao vivo] uma vez sequer antes de gravar. Normalmente, a gente experimentava muito as músicas antes de entrar no estúdio. Os Grãos é uma espécie de tentativa de fazer um Pet Sounds (obra-prima dos Beach Boys, toda arquitetada e realizada em estúdio pelo líder Brian Wilson). A gente suplantou esse esforço no Severino, que acabou sendo até mais complicado do que a gente imaginava. A idéia era realmente se enfurnar no estúdio, experimentar um monte de coisas, bater lata, mas teve um problema com que a gente não contava, que era o engenheiro de som que o Phil Manzanera (guitarrista da banda inglesa Roxy Music e produtor do Severino) usava, que era o maior maluco, o maior mala.

CliqueMusic - Como você equacionava no Severino a vontade de experimentar com o fato de os Paralamas serem, em última instância, uma banda pop?
João Barone -
Na verdade, a gente nunca se preocupou com isso, nunca entrou com isso na hora de fazer as músicas. Era algo totalmente imponderável. Na época, a gente não deu a menor bola. Até fazia muito humor negro: "Pô, olha só essa música, Cagaço, quando é que isso vai tocar no rádio? Nunca!" E foi a primeira música de trabalho. O mais curioso é que a versão em espanhol do Severino acabou sendo muito exitosa, para usar a palavra deles. Dos Margaritas tocou pra caramba nos países da América Latina e o disco rendeu muitos shows para a gente fora do Brasil, vários vídeos na MTV Latina. Ao mesmo tempo, apesar dessa coisa etérea do disco, a turnê do Severino foi super bacana, a gente fez muito show e a gravou durante eles o Vamo Batê Lata (álbum ao vivo, com CD extra juntando quatro músicas inéditas), que acabou sendo nosso disco que mais vendeu.

CliqueMusic - Aliás, por que nenhuma música de Severino - nem em versão ao vivo - entrou na coletânea?
João Barone -
A gente pensou muito se gravaria a versão de Dos Margaritas que está tocando no show do Acústico, mas chegou à conclusão de que, em termos de execução, não tem nenhuma música que sequer se compare a essas que a gente selecionou. A gente falou: "Quer saber? Vamos deixar o Severino para lá porque ele é isso mesmo, ele não está dentro do conceito do single que tocou muito."

CliqueMusic - O que o Severino significa para você hoje?
João Barone -
Apesar de não terem sido bem recebidos pela crítica e não terem sido grandes vendedores, ele e Os Grãos mostraram com o tempo o que realmente são: discos introspectivos e experimentais. A gente abriu parênteses no formato mais pop para fazê-los.

CliqueMusic - Naquele EP de estúdio do Vamo Batê Lata, nada menos que três das quatro faixas se tornaram sucessos e entraram na coletânea: Uma Brasileira, Luís Inácio (300 Picaretas) e Saber Amar. Vocês esperavam por essa?
João Barone -
Não, nem um pouco. Na esteira do sucesso de Uma Brasileira acabaram vindo as outras músicas. E ainda teve a polêmica do Luís Inácio ("Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou/ são 300 picaretas com anel de doutor"), com aquela tentativa de censurar a música, que acabou gerando uma exposição muito grande, a letra sendo lida no Congresso e tal. Foi muita sorte, uma janela aberta numa hora bacana. Uma Brasileira é um clássico pop. Tem a composição do [Carlinhos] Brown, a gente tocando, o Djavan participando... Realmente, ela se provou uma música super pop, de efeito imediato.

CliqueMusic - Depois do Vamo Batê Lata, pode-se dizer que começa uma nova fase para os Paralamas...
João Barone -
No 9 Luas, o disco seguinte, a gente resolveu fazer uma coisa que não costumava fazer normalmente, que é premeditar um pouco a coisa. Pensar em coisas que fossem bem resolvidas em dois minutos e meio, três minutos. Queríamos fazer um disco pop - e funcionou. O extrato que a gente tem do 9 Luas (Lourinha Bombril (Parate Y Mira), La Bella Luna e Busca Vida) é bem legal. Foi um disco muito gostoso de fazer, muito leve. A gente estava de saco cheio daquelas experiências meio chatas que teve dentro de estúdio, de chegar e ficar horas para fazer as coisas. A gente falou: "Vamos fazer que nem a gente fez no Passo do Lui, entrar e gravar disco em 15 dias." Isso é mais ou menos o que está orientando a gente hoje, não há mais saco para ficar dentro de estúdio.

CliqueMusic - No disco seguinte, o Hey Na Na, enquanto todo mundo estava indo mais para a eletrônica, vocês estavam voltando para o som de banda.
João Barone -
Isso tem a ver com o fato de a gente não querer mais gastar tempo para realizar as coisas. Oitenta por cento do disco a gente gravou no estúdio do Chico Neves, do outro lado da rua. A bateria, a gente foi gravar no estúdio antigo da Odeon e a mixagem a gente fez no Real World, estúdio do Peter Gabriel - e aí sim teve um processo interessante. A mixagem hoje em dia é mais importante do que era antes, você pode trabalhar muito som conceitualmente, pode arrumar e desarrumar ele. Nesse sentido, o Chico foi muito legal, ele tem muitas idéias, muita coisa ficou diferente do que era do que quando a gente gravou.

CliqueMusic - Os sucessos desse disco, Ela Disse Adeus e O Amor Não Pode Esperar, são canções pop bem redondas. Mas Hey Na Na tem outras músicas bem diferentes...
João Barone -
O Hey Na Na é um híbrido do experimentalismo e da sonoridade estranha com o caráter pop, a gente conseguiu juntar as duas coisas. E a turnê do disco foi muito boa em termos de resposta do público. Nessa época, a gente estava fazendo três projetos: o show do disco, a turnê com os Titãs (tocando os sucessos, no projeto Sempre Livre Mix) e estava preparando o Acústico, que acabou gravando depois.

CliqueMusic - Hoje em dia vocês ainda fazem o show elétrico eventualmente?
João Barone -
Hoje em dia a gente faz o Acústico eventualmente (risos)! A gente voltou a fazer o elétrico, chegou o final da fase acústica. E não há intenção de gravar tão cedo um projeto parecido. Não tem essa de "vamos aproveitar que deu certo e fazer de novo".

CliqueMusic - Em aparições recentes, como o show da festa Ronca Ronca, vocês voltaram a tocar em trio. É para valer?
João Barone -
A célula base dos Paralamas sempre foi o trio e a gente explorava os músicos ao redor para estruturar mais o som. Outro dia desses, curiosamente eu estava me lembrando que a gente não tem nenhum registro de show em trio - o primeiro disco ao vivo da gente foi o D (em Montreux, 1987), e o João Fera (tecladista) já estava com a gente. Temos as fitas do Rock In Rio gravadas e possivelmente alguma hora vamos mixar aquilo e lançar. Foi um grande momento e éramos só nós três no palco. Acho que agora, mais do que nunca, nós temos todas as opções a seguir. Temos uma banda super legal e estamos muito afiados com o pessoal que toca conosco há muito tempo. Mas eventualmente nos shows chega um momento em que é só o trio mesmo, quando a gente toca Selvagem. É uma opção que a gente pode manipular num próximo disco. Não gravar ele inteiro só com trio, mas estar com essa formação presente.

CliqueMusic - Você falou no primeiro Rock In Rio. Como vai ser para você estar na terceira edição com o The Silvas e não com os Paralamas?
João Barone -
Olha, está sendo melhor (risos)! Antes de qualquer polêmica, a gente tinha decidido não tocar no Rock In Rio - ele coincidiu com a época em que a gente ia parar mesmo.

CliqueMusic - Por falar em polêmica, como você viu essa saída do Grupo dos Seis (Skank, Raimundos, Charlie Brown Jr., Cidade Negra, Jota Quest e O Rappa, que se revoltaram com o tratamento que estavam recebendo da organização do festival)?
João Barone -
Foi legal, uma tomada de atitude bacana, isso não veio de graça. Ao mesmo tempo, não vai prejudicar o evento. E é importante que ele dê certo - e vai dar certo. Vai ter um mar de gente lá para ver as bandas que ficaram, em especial as estrangeiras, que não vêm ao Brasil toda hora e que todo mundo quer ver num evento dessa magnitude. Os artistas nacionais que vão tocar no Rock In Rio sabem exatamente o que vai acontecer. Quem não estiver a fim de se sujeitar, pegue o seu chapéu e vá embora - e foi o que o pessoal fez. Tem bandas que dariam o braço direito para estarem lá tocando e tem outras que não precisam estar ali, sujeitas a abrir para uma banda estrangeira de menor valor intrínseco, que venda menos discos.

CliqueMusic - O Arquivo II, coincidentemente, abrange o período em que o Herbert lançou seus três discos solo. Como isso bateu para você?
João Barone -
No primeiro (Ê Batumaré, de 1992) eu fiquei meio inseguro: "Pô, vão dizer que a banda acabou!" Fiquei meio desconfortável, mas depois a gente começou a conviver na boa, até gravou música daquele disco (Rio Severino, no Severino e, ao vivo, no Vamo Batê Lata). O Herbert tem uma coisa opressiva, ele não pára de trabalhar nunca. Mas ele abriu um capítulo interessante, acho que até reafirma a banda.

CliqueMusic - Uma coisa que se comenta sobre os Paralamas é como pode três caras estarem juntos aí há quase 20 anos. Como é a convivência, a negociação? Parece que o Bi Ribeiro é o mais conciliador dos três.
João Barone -
A gente tenta fazer uma coisa bem ponderada. O Bi, ao mesmo tempo em que pode ser um fio terra, também empaca muito. Cada um de nós tem um poder de veto mas ele é quem usa mais (risos). As coisas vão acontecendo harmonicamente. A gente vai tocando, vê como funciona. Um dá palpite no que o outro está fazendo, é sempre legal. O lance de o Herbert compor é muito importante, porque as músicas já vêm com um formato muito bem delineado - a gente então parte para trabalhar as sonoridades.