Uma década depois, o Nenhum de Nós volta ao Brasil

Sucesso em 88 com a música Camila, Camila, a banda gaúcha tenta deixar o isolamento sulista para conquistar os adolescentes do país com o CD Histórias Reais Seres Imaginários

Silvio Essinger
16/05/2001
Há quem até ache que eles acabaram. Mas o Nenhum de Nós, banda gaúcha de rock da última leva dos anos 80, dos sucessos Camila, Camila, Astronauta de Mármore (versão de Starman, de David Bowie), Sobre o Tempo e Ao Meu Redor, nunca chegou sequer perto de encerrar sua carreira, iniciada 15 anos atrás em Porto Alegre. Ele passaram a viver, isso sim, a sua "realidade de banda média do Sul", como conta conta o baixista e vocalista Thedy Corrêa. Só na turnê do CD Paz e Amor amostras de 30s (de 1998), eles fizeram mais de 200 shows - mas todos no circuito que engloba Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

"De qualquer forma, a gente achava uma sacanagem o nosso trabalho ficar restrito ao Sul", protesta o músico. Fato é que agora, enfim, o Nenhum de Nós está de volta ao cenário nacional com o CD Histórias Reais Seres Imaginários amostras de 30s, que acaba de ser lançado pela Sony Music. De volta às estradas de outrora, a banda se apresenta dia 20 em São Paulo (no Sesc Itaquera, dentro do projeto Todos os Sons) e 23 no Rio (no Ballroom).

Com a música Amanhã ou Depois (que conta com a participação da vocalista Maria Gabriela Epumer, que é da banda do astro de rock argentino Charly Garcia) começando a tocar nas rádios, o Nenhum de Nós pôde ter uma dimensão da renovação do seu público. "A gente conseguiu manter uma linha editorial e continua a sensibilizar os adolescentes. Eles gostam da gente não porque a gente fez Camila [que tocou muito no ano de 1988], mas por causa da nossa música", acredita o guitarrista Carlos Stein. "Tudo o que a gente diz é baseado em experiências da vida real, o que dá consistência às letras", arremata Thedy. Não à toa, o disco se chama Histórias Reais Seres Imaginários e uma das músicas, Julho de 83, é uma das mais confessionais que a banda já compôs.

Liberdade criativa
O novo disco marca a volta por cima de uma fase ruim, que começou em 1993, quando o Nenhum de Nós gravou um disco que se pretendia mais pesado, cheio de guitarras sujas. Diante do resultado, a PolyGram resolveu simplesmente arquivá-lo - e ele só saiu ano passado, pelo selo gaúcho Antídoto, com o título de Onde Você Estava em 93? amostras de 30s. "Eu gosto dele", assume Thedy. "Para nós, hoje é um disco datado, mas apontou caminhos. Tivemos uma liberdade criativa que nós nunca havíamos experimentado."

Em meio a um impasse com a gravadora, eles foram à luta em seguida e fizeram um show acústico no Teatro São Pedro, em Porto Alegre, que acabou virando o disco Acústico ao Vivo (um dos primeiros de bandas de rock no Brasil), lançado em 1994. "Foi um CD que a gravadora tratou de soterrar, mas que acabou vendendo bastante. Chegou a disco de ouro (100 mil cópias)", revela Thedy.

Dispensados da PolyGram, começava de fato o período sombrio do Nenhum de Nós. "A gente foi dado como morto", dramatiza Carlos Stein. "Mas o tempo passou e até hoje a gente faz esse show acústico." Segundo Thedy, o que valeu nessa hora foi a lição de artistas como os Paralamas do Sucesso, que também sofreram bastante com o refluxo comercial do rock no Brasil do começo dos anos 90. "As bandas tem que fazer pressão para as coisas acontecerem", ensina.

Seguindo um planejamento, de acordo com a sua "realidade de banda média do Sul", o Nenhum de Nós seguiu fazendo seus shows e gravou os discos Mundo Diablo (1996, lançado pela Velas) e Paz e Amor. "Nossa inquietude era em ter um bom material para gravar", diz Thedy. Sem maiores pretensões, eles começaram ano passado as gravações de Histórias Reais com o tecladista Sacha Amback (que também havia produzido o Paz).

"A gente marcava estúdio e depois ia ver quem lançaria", conta o baixista. Rolou então um flerte com Sony. A audição do disco que eles estavam preparando deixou os diretores artísticos Ronaldo Vianna e Liminha bastante impressionados. "Liminha ainda ligou para o Herbert Vianna para saber se éramos caras legais. A gente nunca tinha tido um contato antes", conta Carlos Stein. Não poderia dar outra: a Sony comprou o passe dos gaúchos e Herbert acabou até tocando uma guitarra solo no final da faixa Nego.

A tônica é a autoralidade
"Diferentemente de muitas das bandas dos anos 80 que estão voltando", ressalta Carlos, o Nenhum de Nós faz sua reentrada no mercado com um disco só de músicas inéditas. "Quando a gente começou a fazer a banda, a idéia era não seguir nenhum modelo. A gente sempre perseguiu um estilo musical próprio. A tônica do nosso trabalho é a autoralidade", acrescenta.

E hoje em dia, as novas músicas convivem tranqüilamente com as antigas, como observa o baterista Sady Homrich: "Do alto dos nossos 15 anos de carreira não temos nenhum arrependimento. É um orgulho para nós ter feito Camila, Camila, que até o Cazuza gravou ouvir 30s (e foi lançado no disco póstumo Por Aí). Foi emocionante, ele estava quase no último gás." O efeito colateral do punhado de hits, no entanto, é que a banda não escapou da praga das coletâneas - a mais recente foi a da série Focus amostras de 30s, da BMG, gravadora que tem os primeiros discos da banda. "Nessa ao menos a gravadora me ligou para perguntar o que a gente queria pôr", conta Thedy.

"Devo admitir que a gente está ficando velho...", suspira Carlos Stein. Mas ele mostra animação com a nova safra de bandas de rock de Porto Alegre, representada pela dobradinha Bidê ou Balde/Video Hits (leia matéria), que começa agora sua corrida em busca do sucesso nacional. "Tudo isso acontece porque algumas bandas fizeram que houvesse um mercado para o rock no Sul. Bandas que não apagaram a luz e não foram embora", ressalta o guitarrista, sem animosidade em relação às novas bandas. "Respeito muito essa nova cena. Não existe ranço, elas estão tocando de igual para igual com a gente."