Uma dobradinha com o poder da criação

Na segunda parte da entrevista, Moacyr Luz fala da parceria com Aldir Blanc e comenta sobre o novo álbum

Dirley Fernandes
19/09/2001
“Hélio (Delmiro) me fez ficar atento à forma da música. O Aldir (Blanc) me deu consciência das palavras”, define Moacyr, trazendo da cozinha o pratinho com a calabresa, antes de começar a falar do vizinho de prédio e parceiro. “Ele chegou no bar para me ver tocando. Eu lá numa solidão! Mas estava levando uma das músicas que ele mais gosta - e eu também - da parceria Aldir Blanc/João Bosco, Vida Noturna (“Eu disse ao garçom que quero que ela morra...”)”. No fim do show, os dois futuros parceiros ficaram conversando ao redor de dezenas de garrafas de cerveja até o amanhecer. Na hora de ir embora, Moacyr ofereceu carona a Aldir. “Onde você mora?”, perguntou. “Depois da rua Uruguai”, respondeu o poeta, na forma comum utilizada pelos moradores da Muda, pequeno e bucólico sub-bairro da Tijuca. Acabou descobrindo que Aldir morava no mesmo prédio em que sua mãe tinha ido parar, depois do período nordestino, e onde ele estava passando um tempo. “Na garagem, a gente bateu mais uma hora de papo e combinou de fazer alguma coisa junto”.

Alguma coisa, no caso, é a fortuna crítica da vida carioca representada pelas músicas de uma parceria de mais de 15 anos, como Medalha de São Jorge, Saudades da Guanabara, Itajara 30'' excerpts, Meu Tempero É Sal 30'' excerpts, Pra que Pedir Perdão 30'' excerpts, Flores em Vida 30'' excerpts... “E umas trinta inéditas que...Pô!”, ameaça.

Encontro menos repentino Moacyr teve com o samba. O ritmo sempre esteve em sua música, mas de uns tempos para cá, o coração do rubro-negro se deixou levar. “Eu sou muito respeitador. Como vou falar de samba diante de Casquinha, Monarco, Guilherme de Brito?” Foi a partir do seu terceiro disco-solo, Mandingueiro ouvir 30s, lançado em 1998, que Moacyr se soltou: “Comecei a colocar a minha visão humilde do samba. Não me meto a ser partideiro, não faço segunda parte para se versar. Faço o meu.” Nessa época, o compositor costumava dizer que pedira socorro ao samba porque a música brasileira andava “muito sushi, muito água mineral com gás”.

O reencontro consigo mesmo trazido pela aproximação com o samba tem rendido a Moacyr, entre outras alegrias, o orgulho de ter produzido os CDs de estréia dos septuagenários mestres Casquinha e Guilherme de Britto. “Nesse mundo há uma generosidade maior. É fácil estar com essas pessoas para dividir, ouvir, aprender”. Mas também lhe fez ver a outra banda da moeda: “O samba ainda é muito discriminado. Tem uma classe média intelectualizada que não consegue ouvir, não compreende. Aí a Marisa Monte grava e eles ficam babando. Agora, a Velha Guarda está na moda. Mas atenção para esse pessoal com 40 anos! A gente precisa respirar. Ou vão esperar o Luiz Carlos da Vila, que, como compositor, não deve nada a ninguém, fazer 70 anos para prestar atenção nele? Ninguém quer comprar Jaguar, mas temos que trabalhar.”

Terminado os justíssimos protestos, Moacyr, depois de servir mais uma dose da cachaça Claudionor (de Januária -MG), uma das estrelas de sua coleção, reconhece que o momento para ele não poderia ser melhor: “Não é fácil você perceber que tem o direito de estar sendo ouvido, e não estar. Mas agora a minha geração está pondo a cabeça para fora, apesar de declarações infelizes, perversas com quem está trabalhando, de que não há novos compositores. Eu estou apaixonado pelo disco e fico feliz porque as pessoas estão prestando atenção a ele”, diz o cantor, mostrando trechos de Na Galeria (destaques para a interpretação pungente de Leva Meu Coração , esquecida maravilha de Roberto Martins e Mário Lago, e um Cartola clássico - Ao Amanhecer - registrado em andamento lento, quase em feitio de oração).

Preocupado com o estado de guerra da cidade que ama e do mundo em que vive, trabalhando para pôr em ordem os shows de lançamento de Na Galeria (dias 8 de outubro, no Teatro Rival, e dia 19, no Museu da Imagem e do Som, no Rio, e depois no Sesc Pompéia, em São Paulo), Moacyr não quer saber de desperdiçar energia à toa. “Hoje, estou me isentando de certas coisas. Eu bebo no bar da Dona Maria. Se as pessoas querem de mim a minha música, vão me achar. Mais eu não posso fazer”. Dito isso, é hora de tomar a saideira e fechar a conta. Até o lançamento de Tudo que Vivi, disco de composições próprias e inéditas que Moacyr pretende dar à luz em março do ano que vem.