Uma voz contra a opressão
Compositor destemido e passional, Gonzaguinha foi um dos artistas mais engajados da MPB, falando com extrema lucidez de política, de existência, do papel da mulher e das relações conjugais
Rodrigo Faour
26/04/2001
Ouvindo discos de Gonzaguinha ou os diversos sucessos que distribuiu para cantores dos mais diversos quilates e estilos, como Maria Bethânia, Simone, Elis Regina, Gal Costa, Marlene, Ângela Maria, As Frenéticas, Agnaldo Timóteo, Joanna, Fafá de Belém, Cauby Peixoto, MPB-4, Quarteto em Cy, Zizi Possi e tantos outros, tem-se verdadeira uma aula de história do Brasil. Gonzaguinha foi um de nossos expoentes no ramo da canção de protesto, além de ter sido um dos artistas que mais cantaram as angústias existenciais, abrindo espaço até mesmo para a análise das relações conjugais e do papel da mulher na sociedade.
O teor da obra de Gonzaguinha é altamente confessional, totalmente ligado à sua trajetória pessoal - da rejeição que sofreu de Luiz Gonzaga, seu pai adotivo, à infância de moleque no morro de São Carlos (RJ), passando finalmente pela militância no MAU (Movimento Artístico Universitário), a partir de 1967, ao lado de Ivan Lins, Aldir Blanc e outros valores da MPB que começavam a se destacar.
Nos anos 70, Gonzaguinha foi um dos artistas mais perseguidos pela censura. Tinha que fazer dois discos para conseguir gravar um - chegou a ter 15 músicas censuradas num único LP. Nas próprias canções ele respondia aos que achavam que podiam sabotá-lo. É o caso de Recado (1978): "Se me der um beijo eu gosto/ Se me der um tapa eu brigo/ Se me der um grito não calo/ Se mandar calar mais eu falo (...) Verbo eu pra mim já morreu/ Quem mandava em mim nem nasceu."
Por um Brasil mais justo
Gonzaguinha lutou por um Brasil mais justo em todos os níveis e também para seus companheiros da música: foi um dos fundadores da Sombrás, responsável por uma mudança radical na questão do direito autoral, com a criação do Ecad. Ele também fundou seu próprio selo fonográfico, Moleque, para editar suas músicas. Para ser um cantor mais acessível e poder levar sua mensagem a um número maior de brasileiros, dispensou a figura do empresário, que dizia "só encarecer o preço do artista". Posturas radicais numa época em que todos tinham medo de tudo e poucos tinham coragem de se expor.
"Uma canção de amor também é aquela que canta o suor do trabalho/ O calo das mãos de quem canta a esperança (...) com garra e fé", diz a letra de Uma Canção de Amor , lançada por Joanna, em 1981. Gonzaguinha levou a sério esses versos a vida inteira. Até demais. No começo de sua carreira, ganhou o rótulo de "cantor-rancor". Mesmo com motivos de sobra para sentir e escrever músicas com títulos como Desesperadamente , Suor e Serragem e Catatonia Integral , seus primeiros discos são pesadíssimos, bem difíceis de serem ouvidos. A estréia no sucesso se deu com as igualmente pesadas O Trem e Pobreza por Pobreza , que obtiveram grande repercussão nos festivais universitários, junto com Comportamento Geral ("Você deve abaixar a cabeça/ E dizer sempre muito obrigado/ São palavras que ainda lhe deixam dizer/ Por ser homem bem disciplinado").
"A vida é bonita, é bonita, é bonita"
Em 1976, viriam seus primeiros sucessos românticos, Espere por Mim, Morena e Começaria Tudo Outra Vez , em meio a um repertório em que predominavam as canções-porrada, de âmbito sócio-político. Seus discos foram ficando mais leves à medida que a abertura política ia acontecendo no Brasil. Seu LP de maior sucesso, De Volta ao Começo (1980), traz canções de diversos matizes. Entre elas, o samba E Vamos à Luta , que fala da alma do brasileiro que lutava por seus direitos e sabia curtir a vida ("Eu acredito é na rapaziada/ Que segue em frente e segura o rojão"), a passional Sangrando e os dramas conjugais explícitos em Grito de Alerta e Ponto de Interrogação , além de uma crônica sobre a abertura política e a anistia em Marcha do Povo Doido .
Dois anos depois, em 1982, Gonzaga gravaria seu maior sucesso como intérprete, a otimista O Que É o Que É ("Viver e não ter a vergonha de ser feliz..."), um samba que alguns anos antes ninguém imaginaria que ele fosse capaz de compor - finalmente, Gonzaga fazia as pazes com a vida. Dessa época, são as leves Feliz , Mamão com Mel , Lindo Lago do Amor , Maravida , Eu Apenas Queria que Você Soubesse, Caminhos do Coração e outros sucessos falando das coisas boas da vida e do amor.
Mesmo assim, o compositor jamais abandonaria sua verve político-social, já que em todos os seus discos sempre havia músicas que falavam dos rumos do país e da situação do povo brasileiro. Seu último sucesso, É ("A gente não tem cara de babaca"), de 1988, revela-se um protesto ainda incrivelmente atual: "A gente quer é ser um cidadão/ A gente quer viver uma nação."
O teor da obra de Gonzaguinha é altamente confessional, totalmente ligado à sua trajetória pessoal - da rejeição que sofreu de Luiz Gonzaga, seu pai adotivo, à infância de moleque no morro de São Carlos (RJ), passando finalmente pela militância no MAU (Movimento Artístico Universitário), a partir de 1967, ao lado de Ivan Lins, Aldir Blanc e outros valores da MPB que começavam a se destacar.
Nos anos 70, Gonzaguinha foi um dos artistas mais perseguidos pela censura. Tinha que fazer dois discos para conseguir gravar um - chegou a ter 15 músicas censuradas num único LP. Nas próprias canções ele respondia aos que achavam que podiam sabotá-lo. É o caso de Recado (1978): "Se me der um beijo eu gosto/ Se me der um tapa eu brigo/ Se me der um grito não calo/ Se mandar calar mais eu falo (...) Verbo eu pra mim já morreu/ Quem mandava em mim nem nasceu."
Por um Brasil mais justo
Gonzaguinha lutou por um Brasil mais justo em todos os níveis e também para seus companheiros da música: foi um dos fundadores da Sombrás, responsável por uma mudança radical na questão do direito autoral, com a criação do Ecad. Ele também fundou seu próprio selo fonográfico, Moleque, para editar suas músicas. Para ser um cantor mais acessível e poder levar sua mensagem a um número maior de brasileiros, dispensou a figura do empresário, que dizia "só encarecer o preço do artista". Posturas radicais numa época em que todos tinham medo de tudo e poucos tinham coragem de se expor.
"Uma canção de amor também é aquela que canta o suor do trabalho/ O calo das mãos de quem canta a esperança (...) com garra e fé", diz a letra de Uma Canção de Amor , lançada por Joanna, em 1981. Gonzaguinha levou a sério esses versos a vida inteira. Até demais. No começo de sua carreira, ganhou o rótulo de "cantor-rancor". Mesmo com motivos de sobra para sentir e escrever músicas com títulos como Desesperadamente , Suor e Serragem e Catatonia Integral , seus primeiros discos são pesadíssimos, bem difíceis de serem ouvidos. A estréia no sucesso se deu com as igualmente pesadas O Trem e Pobreza por Pobreza , que obtiveram grande repercussão nos festivais universitários, junto com Comportamento Geral ("Você deve abaixar a cabeça/ E dizer sempre muito obrigado/ São palavras que ainda lhe deixam dizer/ Por ser homem bem disciplinado").
"A vida é bonita, é bonita, é bonita"
Em 1976, viriam seus primeiros sucessos românticos, Espere por Mim, Morena e Começaria Tudo Outra Vez , em meio a um repertório em que predominavam as canções-porrada, de âmbito sócio-político. Seus discos foram ficando mais leves à medida que a abertura política ia acontecendo no Brasil. Seu LP de maior sucesso, De Volta ao Começo (1980), traz canções de diversos matizes. Entre elas, o samba E Vamos à Luta , que fala da alma do brasileiro que lutava por seus direitos e sabia curtir a vida ("Eu acredito é na rapaziada/ Que segue em frente e segura o rojão"), a passional Sangrando e os dramas conjugais explícitos em Grito de Alerta e Ponto de Interrogação , além de uma crônica sobre a abertura política e a anistia em Marcha do Povo Doido .
Dois anos depois, em 1982, Gonzaga gravaria seu maior sucesso como intérprete, a otimista O Que É o Que É ("Viver e não ter a vergonha de ser feliz..."), um samba que alguns anos antes ninguém imaginaria que ele fosse capaz de compor - finalmente, Gonzaga fazia as pazes com a vida. Dessa época, são as leves Feliz , Mamão com Mel , Lindo Lago do Amor , Maravida , Eu Apenas Queria que Você Soubesse, Caminhos do Coração e outros sucessos falando das coisas boas da vida e do amor.
Mesmo assim, o compositor jamais abandonaria sua verve político-social, já que em todos os seus discos sempre havia músicas que falavam dos rumos do país e da situação do povo brasileiro. Seu último sucesso, É ("A gente não tem cara de babaca"), de 1988, revela-se um protesto ainda incrivelmente atual: "A gente quer é ser um cidadão/ A gente quer viver uma nação."
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