Uns & Outros e Finis Africae: a volta de quem (quase) não foi

Grupos dos anos 80 estão de volta apostando no trabalho de palco e na renovação de seu público

Marco Antonio Barbosa
19/06/2002
O Uns & Outros é, para quem não lembra, aquele grupo carioca que fez bastante sucesso em 1989 com a canção Carta Aos Missionários, foi minimizado pela crítica como "clone da Legião Urbana" e, pouco depois, desapareceu. Dizendo assim, parece que a banda foi mais um dos inexpressivos "meteoros" de vida breve no pop Brasil. O cantor Marcelo Hayena diz que a história foi bem diferente. "Em 1991 fomos dispensados pela Sony Music e naquela época era muito complicado pensar num trabalho independente. Para completar, era a época da explosão do sertanejo e da lambada, o rock perdeu o mercado", diz Marcelo. Então, o lançamento do disco Uns & Outros, quarto trabalho da banda, via Seven Music - ironicamente distribuído pela mesma Sony que chutou o grupo há uma década - não chega a ser exatamente um retorno. "Sim, porque nunca paramos de tocar ao longo dos anos 90", confirma o cantor.

O disco traz canções inéditas, aprontadas pelo quarteto (do qual hoje em dia apenas o vocalista esteve na formação dos anos 80) nos últimos dois anos. "Sempre tivemos a idéia de fazer um disco de músicas totalmente novas. O fato de eu ter conseguido montar um pequeno estúdio em minha casa contribuiu muito para o resultado final. Tivemos muito mais espaço e oportunidade para experimentar. Nunca pudemos criar com este tipo de liberdade. É muito bom, engrandece a música", afirma Hayena. Entretanto, Uns & Outros, o disco, não é 100% inédito. "Através dos e-mails que recebemos, vimos que as pessoas sentiam saudades do nosso som antigo. Acabamos abrindo espaço para uma espécie de votação em que escolhemos quatro músicas para entrarem em versões acústicas - mas simples, sem metais e sem muita produção", narra Hayena. Claro que Carta aos Missionários não poderia faltar. "Chegamos a pensar que talvez não fosse legal colocarmos essa faixa como single mais uma vez. Mas por outro lado, é bom que as pessoas que ainda não conheciam a gente tenham idéia do que foi o trabalho que desenvolvemos nos anos 80. Na verdade, fiquei muito impressionado ao descobrir que nosso público se renovou muito", diz o vocalista.

As expectativas sobre o retorno da banda são modestas. "Um estouro como o do Capital Inicial seria ótimo. Mas temos de ser realistas. O sucesso do retorno deles foi único e acho que nenhuma dessas bandas que está voltando agora pode chegar perto", acredita Marcelo Hayena. Ainda este mês a banda pretende iniciar uma turnê nacional, começando pelo Rio de Janeiro. "A receptividade do público tem sido muito boa. Nosso público se renovou muito. Hoje, temos fãs que na época do estouro nem tinham idade para gostar do que fazíamos. Vamos ver como as coisas vão acontecer ao vivo, juntando as duas gerações." diz Hayena.

Finis Africae X mercado, segundo round
O estouro da tríade Legião Urbana/Plebe Rude/Capital Inicial eclipsou toda uma safra de bandas brasilienses que surgiram logo depois. O Finis Africae talvez tenha sido a mais talentosa dessas bandas; incompreendido pelo mercado, o som sofisticado e sutil e algo suingante do grupo só conseguiu render um EP independente (1986) e um álbum (87), ambos com o nome da banda. O terceiro disco dos caras, Finis Africae Ao Vivo, só veio ver a luz do dia há pouco tempo, fechando um hiato de 15 anos. "Foi um desafio que assumimos com prazer e afinco, porque sabíamos que éramos capazes de encará-lo. Voltamos de verdade, não apenas para só matar as saudades ou por uma mera circunstância mercadológica, pois outros grupos dos anos 80 tinham voltado a gravar e fazer sucesso", diz o vocalista Eduardo de Moraes, direto no ponto.

O disco foi gravado em um show feito em Brasília, no Lago Paranoá, em abril do ano passado. O CD, lançado agora de maneira independente, coroa a retomada oficial da banda, reunida em 1999. "Eu tinha me mudado para a Suécia em 1991, só voltei naquele ano. De cara me encontrei com o Ronaldo (Pereira, baterista e único membro da formação original) e tivemos a idéia de tocar, para comemorar os 15 anos do primeiro show da banda, em 1984", conta Eduardo. De lá para cá, a banda tem se dedicado à estrada com raro afinco, fazendo shows praticamente todas as semanas (incluindo um polêmico projeto de homenagem à Legião Urbana capitaneado por Renato Rocha). Uma boa volta por cima, depois do desgosto da primeira dissolução, no começo dos anos 90. "As coisas não iam bem já há uns dois anos, sem gravadora, tocando cada vez menos e por cachês menores. O grupo deixou de existir naturalmente", relembra o vocalista. A banda foi dispensada da gravadora EMI (mesma da Legião e Plebe) depois de vender decepcionantes (para o selo, naturalmente) 20 mil cópias de seu primeiro LP.

"É um CD que tem como proposta básica resgatar o repertório que até então só existia em vinil", afirma Eduardo sobre o disco ao vivo, fazendo coro com Guilherme Isnard e Marcelo Hayena. O repertório resgata algumas das melhores músicas da primeira fase do Finis, como Armadilha, Mentiras, Máquinas do Prazer e Ética. E há novidades. "Usamos agora timbres mais atuais, modernos, principalmente nas guitarras e teclados. Continuamos compondo em jam-sessions e acho que os ensaios hoje estão mais produtivos do que eram há 15 anos", afirma Eduardo. A nova safra emplacou no disco ao vivo as músicas Acrobata ("É a que tem mais chance de emplacar", fala o cantor), O Homem e Jovens. Além disso, o Finis tem tocado covers de Legião Urbana (Conexão Amazônica), Capital Inicial (Fátima) e Plebe Rude (Até Quando Esperar). Com uma agenda de shows a cumprir até setembro, o grupo se diz despreocupado com as pressões do mercado. "Estamos hoje numa posição mais cômoda e já não somos mais tão ansiosos como há 20 anos", diz Eduardo. "Depois de terminarmos a turnê vamos analisar a receptividade do público e mídia, para decidirmos se vale a pena prosseguir para valer."