Us Mano e a Alcina

Cantora que celebrizou-se nos anos 70 por sua voz grave e repertório irreverente engaja-se no movimento rap paulista e grava duas faixas no CD de estréia do Júri Popular

Rodrigo Faour
16/04/2001
Us Mano e a Alcina, quem diria? Há 16 anos longe dos grandes estúdios (seu último álbum por uma grande gravadora foi Prenda o Tadeu, em 1985, depois gravou apenas o independente Bucanera, em 1992), Maria Alcina restringiu sua atuação artística a shows em pequenas casas paulistanas e a participações, como jurada, em populares programas de auditório, como os de Raul Gil e de Ed Banana. Mas agora, a cantora bate o martelo em outra freguesia: o Júri Popular - no caso, um grupo paulistano de rap, gênero que costuma pôr em julgamento o caos social do país com suas virulentas letras. A cantora acaba de gravar duas faixas - Júri de Periferia e Todos Me Seguem - no CD de estréia do Júri (que é formado por Mano Milsão, DJ Rodrigo e Júnior), previsto para ser lançado no mês que vem.

Imortalizada por canções divertidas como Fio Maravilha, Kid Cavaquinho e Alô, Alô!, Alcina está encarando o novo desafio com naturalidade. Diz que seu encontro com o Júri Popular aconteceu por acaso. "Um dia, estava comentando com um amigo empresário que eu gostava muito desse movimento de rap, que está muito forte aqui no Brasil, especialmente em São Paulo. Ele me disse que estava divulgando um grupo desse gênero, exatamente o Júri Popular. Acabou me apresentando aos rapazes, que me convidaram inicialmente a participar de uma faixa. O resultado foi tão bom que acabei participando de outra logo depois", explica a cantora, lembrando que seu jeito de cantar sempre foi muito falado, como o próprio rap.

Unidos pela atitude
"Esse movimento rap é muito a cara dos anos 70 porque tem muita atitude. E eu pertenço à geração que fazia música numa década em que o Brasil atravessava a ditadura. Embora, no geral, eu tenha escolhido um caminho mais lúdico, nunca deixei de ser ligada a um trabalho mais social através da minha música. Várias letras que eu cantava tinham um conteúdo, pretendiam dizer alguma coisa. E mesmo cantando coisas alegres, só pela minha própria postura libertária tive problemas com a censura (leia matéria). Como tenho esse passado relacionando música e atitude, o rap voltou a me situar como pessoa e artista. Identifico-me demais com o que esses grupos dizem nas letras. O incrível é que o pessoal do Júri Popular tem de idade o mesmo tempo que eu tenho de carreira. Eles nunca me viram atuando no palco. Acho isso o máximo", alegra-se.

A cantora conta que a sonoridade do rap também lhe apraz. "Fico alucinada porque no fundo é a música negra que dá o tom no rap. O pessoal que está fazendo a gravação nos estúdios também é muito inventivo com esse lado da sonoridade", elogia. Disposta a reconquistar seu espaço na MPB, Alcina também está em fase de captação de recursos para gravar um novo álbum solo, apenas com composições do baiano Gerônimo (autor dos hits É D'Oxum e Eu Sou Negão). "Ele tem uma alma latina que é uma maravilha. Sou sua fã número um! Mas esse trabalho com o rap me fascinou tanto que se der certo, eu gostaria mesmo era de gravar um novo disco ao lado do Júri Popular".

Rapper diz que cantora incorporou o espírito da coisa
Junior, um dos integrantes do Júri Popular, explica que quando deu a Alcina a letra da primeira música que gravaram juntos não imaginava que o resultado seria tão surpreedente. "Inicialmente, quando nos foi sugerido pelo produtor que gravássemos com Maria Alcina, não imaginávamos que ela teria realmente a ver com o nosso estilo. Mas a gravação saiu dez vezes melhor do que a gente previa. Ela incorporou a coisa do rap. Aquela voz forte que ela tem ficou ainda muito mais forte no rap", conta.

O CD de estréia do Júri Popular tem duas opções de título. Ou se chamará Todos Me Seguem ou Rota 66. Este último é o nome de um dos raps do grupo, inspirado no livro do jornalista Caco Barcelos, que relata a trajetória de um dos dez maiores matadores da polícia paulista. "Tudo o que o nosso grupo retrata são histórias verídicas. Acho que muitos grupos ficam na emoção e esquecem da razão. Ficam metendo o pau e xingando um monte de gente e não sabem nem qual é o foco de suas acusações. Nossos raps nem têm muitos palavrões, não usamos nem palavras tão pesadas. Queremos ir direto ao ponto, mas com mais consciência e cabeça. Se nos perguntarem sobre quaisquer de nossas letras, saberemos explicar exatamente sobre o que ou sobre quem estamos falando", dispara Júnior.

Resta ao público esperar o lançamento deste CD que promete ser, no mínimo, dos mais curiosos da temporada.