Vânia Bastos, a nova sócia do Clube da Esquina

Cantora paulista presta homenagem aos compositores mineiros em seu novo disco, com canja de Milton Nascimento

Filipe Quintans
20/05/2002
Se a história da MPB fosse escrita através de seus movimentos mais importantes, o Clube da Esquina com certeza ganharia um farto capítulo. Movimento que trouxe à tona nomes como Milton Nascimento, o pianista e arranjador Wagner Tiso e o letrista Fernando Brant, o Clube (assim chamado pelo fato da turma se reunir na esquina das ruas Paraisópolis e Divinópolis) trouxe Minas para os ouvidos do Brasil, assim como a Tropicália tinha feito com a música vinda do Nordeste. Assustando executivos da antiga Odeon ao propor um disco duplo reunindo compositores mineiros, Milton Nascimento estava prestes a dar reconhecimento a gente como Lô e Márcio Borges, Beto Guedes, Tavinho Paes. O disco, um sucesso na época, despontou "o povo de Minas" e exatos 30 anos depois ganha reinterpretação pela voz de uma paulista de Ourinhos : Vânia Bastos. A cantora, associada até hoje com a vanguarda paulista, acaba de lançar o álbum Vânia Bastos Canta Clube da Esquina,lançado pela parceria MZA/Abril Music ouvir 30s.

Lembrando do aniversário de 30 anos do primeiro fruto do movimento - o disco Clube da Esquina 1 ouvir 30s - o produtor Marco Mazzola, dono do selo MZA, convidou Vânia Bastos para o projeto de um disco-homenagem a esse aniversário. "Foi no ano passado pelo Mazzola", disse Vânia ao Cliquemusic "e na realidade nem tinha feito as contas para saber que o Clube faria 30 anos em fevereiro de 2002". A cantora explica a importância que as músicas dos mineiros tiveram em sua vida: "(O Clube) é um dado forte na minha carreira. São canções que não ficaram ultrapassadas, com letras evocativas e melodias bastante elaboradas. Acho que o maior legado do movimento foi ter unido a tradição do cancioneiro mineiro com elementos modernos, como o rock."

A intérprete conta que participou do disco puxada muito mais por sua memória emotiva. "Minha ligação com as canções do Clube é emocional. Meu irmão tinha um faro aguçado para comprar discos e sempre achava os melhores, especialmente os do Clube da Esquina" conta. A tal ligação com o repertório, principalmente com o de Clube 1 fizeram com que o repertório desse disco prevalecesse no tributo. "Naquela época, é claro que eu não podia imaginar que, 30 anos depois, seria uma cantora e que seria convidada para cantar essas músicas tão bonitas", diz Vânia.

Cantora de timbre elegante, Vânia procurou não ficar presa ao esquema das famigeradas releituras, matéria fácil para vender discos hoje em dia. "O original dessas canções é a perfeição e mexer com a perfeição é muito complicado" atesta. Obedecendo principalmente às estruturas originais das músicas, ela vê nesse tipo de trabalho um respeito grande com a obra de compositores como Milton Nascimento e Fernando Brant, por exemplo. Ao invés de utilizar instrumental pesado, burilando arranjos complexos e enchendo as canções de elementos forçados, Vânia optou pelo também elegante piano de Luiz Avellar, arranjador do disco, acompanhado por um naipe de cordas, adicionando texturas elegantes e minimalistas a melodias simples, compostas numa roda tipicamente mineira.

No somatório final, sobram em qualidade as belas (e reformadas) Nada Será Como Antes, Paisagem da Janela e Cais, todas assegurando a Vânia lugar entre as melhores cantoras brasileiras. De Clube da Esquina 2 ouvir 30s, entraram apenas Nascente e Paixão e Fé, essa última como vinheta. "Pensamos muito, consideramos várias formas de apresentar essas músicas. A solução voz e piano acabou prevalencendo porque eu já estou acostumada a este formato, tudo combina. O Luiz Avellar, a quem só fui conhecer agora, trouxe uma bagagem diferente, influências de jazz e erudito", conclui Vânia, que completa: "Para reler aquilo tudo (as canções do Clube) é preciso achar uma outra forma, completamente diferente."

A participação de Milton Nascimento em San Vicente (fazendo arrepiantes vocais de apoio) é um ponto a se destacar no álbum. "Para mim, foi um luxo", resume Vânia sobre a participação de Bituca. O Mazzola já tinha trabalhado com ele, mostrou o disco para o Milton e foi ele quem falou: 'Não, eu vou lá'." E ele foi! Até então, eu tinha encontrado com o Milton só em estúdio e camarim." A cantora lembra que participou do recente show em homenagem aos 50 anos de Lô Borges, acontecido em Belo Horizonte, o que estreitou seus laços com a mineirada. "Lô convidou várias pessoas - Milton, Beto Guedes, o Skank - e me convidou também. Eu era a única não-mineira. Gostei da forma como eles deram seu aval ao meu trabalho."

Vânia Bastos Canta Clube da Esquina inclui um livreto com fotos antigas dos membros do Clube e texto de Fernando Brant e Marco Mazzola. Tudo reforçando a apresentação do CD como um projeto, termo tão em voga na indústria fonográfica. Vânia, que já lançou discos em homenagem a Caetano Veloso (Cantando Caetano ouvir 30s, de 1992) e Tom Jobim (As Canções de Tom Jobim ouvir 30s, 95), não assume a bandeira de cantora de projetos. "Este disco novo foi um convite muito especial, uma honra para mim como cantora. Trabalhos como este, com um tema fechado, não são meu plano de trabalho; eles apenas surgem", afirma a intérprete.