Verdadeira discoteca na ressaca das festas juninas

Um balanço das novidades de forró que chegaram recentemente às lojas

Marco Antonio Barbosa
01/07/2001
O trimestre maio/junho/julho é uma época mais do que tradicional para as gravadoras desovarem bolachas e mais bolachas de ritmos nordestinos em geral - aproveitando a proximidade das festas juninas. Este ano, depois que, sem querer querendo, um grupo chamado Falamansa ultrapassou o milhão de cópias vendidas, a cantiga dos cifrões deve ter soado mais alta ainda nos escritórios das gravadoras. Então, animando as quadrilhas versão 2001, há nas lojas um seleto espetinho de grupos mais ou menos inspirados no formato Falamansa de forró: gente jovem e animadinha, exibindo (quando convieniente) influências distantes dos ritmos nordestinos tradicionais, e com notado pendor para compor melodias mais próximas à quadradeza do pop do que do balanço legado por Gonzagão e asseclas.

O Guentaê, com o álbum Sapatilha 37 ouvir 30s (Universal), reza na cartilha universitária. Melodias agradáveis dão o tom o álbum, permeado de momentos que resvalam no pop - às vezes sem querer, como no refrão da faixa-título, às vezes de propósito como no cover da Blitz(!) Mais Uma de Amor. O uso discreto de instrumentos (violão, teclados) alheios à tradição do gênero reforça a aproximação com o pop. O grupo evita intencionalmente o arrasta-pé mais arretado, apostando basicamente em números mais cadenciados (Passando o Tempo, Vagabundo Confesso, Alguém Para Amar). De quando em quando, metem o pau no triângulo com mais vontade: Baião Relógio e Forromania garantem a animação dos forrozeiros mais afoitos.

Já os Filhos da Mãe (com um CD homônimo pela Indie Records ouvir 30s) exigem uma digestão mais complexa. A começar pela performance do vocalista Edy, que volta e meia solta uns "mermão!" nem um pouco nordestinos... O grupo arrisca uma versão de A Cera, dos brasilienses d'O Surto, com direito até a guitarras distorcidas junto à sanfona e à zabumba. Estranhíssimo. Em seguida emendam fusões forró + reggae (Casa, Comida e Roupa Lavada), liquidificam o samba de Jorge Aragão (na versão de Eu e Você Sempre), aplicam violões dedilhados à indefectível Eu Só Quero Um Xodó (Anastácia/Dominguinhos), metem uma bateria reta e guitarras (de rock, mesmo!) na introdução de Pequenininha e seguem com outras bizarrias. Para dar um refresco nas novidades, apelam para Luiz Gonzaga (Sabiá) e Cecéu (Forró Desarmado), mas melam tudo de vez com a letra grotesca de Jeguelina - que narra um caso explícito de bestialismo! Pior do que ressaca de quentão.

O Peixelétrico vem com o referendo de Marco Mazzola (na produção) e da muderna Rita Ribeiro, que participa da faixa Muviola. Tudo isso no álbum Peixelétrico ouvir 30s (Abril). O grupo não esconde as influências de reggae, parte integrante do balancê de faixas como Felicidade, Semelhanças ou Prainha Branca - e de uma certa maneira também na temática praieira da maioria das letras. Mas também chutam em outras direções. Tem até uma tentativa de blues, com gaita e tudo, em Maré de Lua, e tons flamencos em Lôco. Recuperam rumos mais seguros a seguir, nas rapidinhas Mundo Girando e Bomba de São João. No geral, um disco simpatiquinho, mas talvez a performance do vocalista Ricardo Trip soe suave e pouco agreste para os mais acostumados com um som de raiz. (Pensando bem, Ricardo Trip lá é nome de forrozeiro?!)

Apesar de serem mineiros, sotaque agreste é o que não falta ao Chama Chuva, através da entonação mais que arretada do vocalista Giovanni. As 12 músicas de Chama Chuva ouvir 30s (EMI), o álbum, oscilam entre a vontade de se aliar ao forró pop à la Falamansa e a proximidade à tradição. Um refresco: eles vetam instrumentos alheios ao forró tradicional, à exceção do violão. Também tem influências de reggae (como em Samarina, estragada por backing vocals femininos breguérrimos) e apelam para o "pop Sulmaravilha", com um cover de A Novidade, dos Paralamas. Mas o andamento mais cadenciado da maioria das faixas, aliada à já citada "autenticidade" do vocal de Giovanni, garantem um clima bem mais próximo ao pé de serra legítimo do que os outros grupos jovens do pacote - e ainda lascam o chapéu no inspirado instrumental Arrastando Chinelo.

Em outro bloco, vêm os grupos mais tradicionais que aproveitaram a época são-joanesca para pôr na praça seus novos lançamentos. Caso do Trio Nordestino, que coroa seus 41 anos de carreira - ainda que apenas o zabumbeiro Coroné seja da formação original - com o álbum Balanço Bom ouvir 30s (Deckdisc/Abril). Não fosse pelos (de novo!) vocais femininos de fundo, o trio seria 100% tradição, sem misturas ou tentativas de melodias pop. Os "novos tradicionais" Targino Gondim e Miltinho Edilberto dizem presente, respectivamente com Ainda Queima e Como Alcançar uma Estrela. O trio é melhor nos forrozinhos de letras marotas (Amor Escondido, Fumacê), em contraposição às músicas de temática romântica (Me Dá Meu Coração, Sem Querer, Gotas de Luar e tantas outras). Bom mesmo é o resgate de um sucesso da formação original, Cochilou o Cachimbo Cai, misturado à faixa-título.

Com 20 anos de carreira, o Trio Virgulino chega em Coração Feliz ouvir 30s (Deckdisc/Abril) com uma sonoridade tão polida e "sulista" que chega a assustar. A produção muito limpinha tira o punch, deixa as limitações melódicas e a repetição de temas (românticos, claro) das letras muito à mostra. Apelam ao populismo em Foi Por Um Triz, com participação do Falamansa, e buscam o referendo da tradição de Dominguinhos, que chega em A Sorte é Cega. Miltinho Edilberto retorna, cedendo Não Tenha Medo. Resumindo a história, eles fazem o básico do bate-coxa; não fariam feito na Feira de São Cristóvão, mas ficam indefinidos entre a poeira subindo e a sedução do asfalto.

Diante desse panorama nem sempre animador, melhor mesmo é ficar com o álbum ao vivo de Luiz Gonzaga (o arrepiante Volta Pra Curtir ouvir 30s , BMG, recém-laureado com disco de ouro) ou mesmo com a eterna honestidade de Dominguinhos, com Lembrando de Você ouvir 30s. Não há gato possível a se comprar debaixo dessas duas lebres.