Vitor Ramil volta com sua <i>estética do frio</i>
Em seu mais novo CD, Tambong (que tem também uma versão em espanhol, para a região platina), o músico gaúcho realiza uma fusão de gêneros e ritmos musicais de origem brasileira, argentina e uruguaia
Carlos Calado
03/10/2000
Três anos após o lançamento de seu cultuado álbum Ramilonga, o cantor, violonista e compositor gaúcho Vitor Ramil retorna às lojas, provando que sua teoria da estética do frio não era apenas uma bem-humorada provocação poética, mas um verdadeiro manifesto musical. Tambong, seu sexto disco, é o primeiro produzido para o mercado da região platina: além da edição brasileira, sai também numa versão em espanhol para ser distribuída na Argentina, no Uruguai e no Chile.
"Eu me dei conta de que não me sinto à margem de um centro, eu estou no centro de uma outra história. É daqui que vem a minha música e o meu texto. Resolvi dar livre curso a tudo isso que me formou", afirma o compositor gaúcho, falando a CliqueMusic por telefone, de Pelotas, sua cidade natal, onde voltou a viver nos últimos dois anos. "Eu acho que as regiões do Brasil sofrem por se sentirem distantes do centro do país, à margem dos acontecimentos de Rio e São Paulo", argumenta Ramil, dizendo que depois de viver por quase sete anos no Rio sentiu-se exilado. "Minha música começou a ficar ressecada. Senti que minha musicalidade estava desaparecendo. Foi bom ter vivido no Rio, por encontrar ali uma escola de leveza. Mas foi mais fundamental para mim voltar para o Sul", diz o gaúcho, neto de espanhol e filho de uruguaio com uma brasileira.
O título Tambong, conta Ramil, surgiu num sonho já após as principais sessões de gravação, realizadas em Buenos Aires, na Argentina. "Essa palavra contém os sons de tango, samba, bossa, candombe e milonga", explica o compositor, definindo a particular fusão de gêneros e ritmos musicais de origem brasileira, argentina e uruguaia que compõem seu disco. "Não é misturar berimbau com acordeom. Tambong é o sentimento de estar numa confluência de linguagens que vêm da Argentina, do Uruguai e do Brasil, mas significa trabalhar com todos esses elementos sem que eles sejam estanques. A idéia é que essa fusão possa fluir naturalmente."
Percussão exótica
Para concretizar o projeto foi fundamental a parceria com o baixista, guitarrista e cantor argentino Pedro Aznar, com o qual Ramil já tinha tocado junto, na Argentina, em canjas e apresentações ocasionais. "Ele conhece muito a música brasileira. Assim, deixamos a musicalidade fluir sem grandes encucações. Temos uma sintonia musical muito grande", diz o gaúcho. Além da presença de Aznar e dos convidados brasileiros Egberto Gismonti ("Ele era o meu ídolo máximo, aos 18 anos. Eu era fanático por ele"), Lenine e Chico César, Ramil conta também em quase todas as faixas com a percussão exótica do argentino Santiago Vazquez, repleta de instrumentos orientais, africanos e latino-americanos, além de brinquedos.
"Não sou adepto do folclorismo, mas sempre gostei de exotismos. Gosto de mesclar instrumentos primitivos com os instrumentos de afinação temperada", diz Ramil, citando como exemplo o estranho doudouc, tocado por Vazquez, na faixa Grama Verde. "A gente ria muito na gravação, porque esse instrumento está totalmente desafinado. Pedro chegou a pensar em afiná-lo, mas eu não deixei. Gosto dessa mistura de sofisticação com um primitivismo. Isso nunca deixa que a música fique fria."
Entre as 14 faixas, Ramil alterna canções inéditas, como Para Lindsay (baseada em obra do poeta beat Allen Ginsberg, traduzida por Cláudio Willer) e O Velho Leon e Natália em Coyoacán (a partir de poema do paranaense Paulo Leminski), com regravações de canções de seu álbum À Beça (registrado em 1995, mas só lançado em edição restrita, numa revista de Porto Alegre). Esse repertório destaca ainda versões de duas canções do norte-americano Bob Dylan: Um Dia Você Vai Servir Alguém (Gotta Serve Somebody) e Só Você Manda em Você (You’re a Big Girl Now). "Gosto de pegar letras do Dylan, porque ele é o rei do mote. Ele desenvolve um tema como ninguém, só que é mais verborrágico do que lapidador. É um exercício de recriação e acabamento que eu adoro fazer", justifica.
Num interessante texto que escreveu sobre o disco, infelizmente não incluído no encarte, Ramil repete uma brincadeira comum em seu estado natal. Ao mencionar os países em que o álbum será lançado, ele inclui ao lado do Brasil o Rio Grande do Sul. "Isso já faz parte de nosso folclore. Na época do lançamento do Ramilonga, eu levantava a tese de que a gente cultivava uma espécie de separatismo latente. Na verdade, não há um sentimento separatista vivo, mas como a relação do Rio Grande do Sul com o Brasil sempre foi um pouco truncada, cultivamos isso como uma brincadeira", diverte-se.
O primeiro show de lançamento de Tambong acontece em Porto de Alegre, em 17 de novembro, no teatro da Reitoria da UFRGS. Em âmbito internacional, a Argentina deve ser o segundo país a ver esse show. Depois de cinco anos se apresentando por lá, Ramil tem agora o apoio da multinacional Booking and Management, empresa de agenciamento artístico de Buenos Aires, que pretende transferi-lo do circuito cult argentino para o mainstream. Simultaneamente ao lançamento do novo CD, o compositor gaúcho também acaba de reeditar seus discos anteriores por meio de seu selo, o Satolep Music. Informações no site www.vitorramil.com.br
"Eu me dei conta de que não me sinto à margem de um centro, eu estou no centro de uma outra história. É daqui que vem a minha música e o meu texto. Resolvi dar livre curso a tudo isso que me formou", afirma o compositor gaúcho, falando a CliqueMusic por telefone, de Pelotas, sua cidade natal, onde voltou a viver nos últimos dois anos. "Eu acho que as regiões do Brasil sofrem por se sentirem distantes do centro do país, à margem dos acontecimentos de Rio e São Paulo", argumenta Ramil, dizendo que depois de viver por quase sete anos no Rio sentiu-se exilado. "Minha música começou a ficar ressecada. Senti que minha musicalidade estava desaparecendo. Foi bom ter vivido no Rio, por encontrar ali uma escola de leveza. Mas foi mais fundamental para mim voltar para o Sul", diz o gaúcho, neto de espanhol e filho de uruguaio com uma brasileira.
O título Tambong, conta Ramil, surgiu num sonho já após as principais sessões de gravação, realizadas em Buenos Aires, na Argentina. "Essa palavra contém os sons de tango, samba, bossa, candombe e milonga", explica o compositor, definindo a particular fusão de gêneros e ritmos musicais de origem brasileira, argentina e uruguaia que compõem seu disco. "Não é misturar berimbau com acordeom. Tambong é o sentimento de estar numa confluência de linguagens que vêm da Argentina, do Uruguai e do Brasil, mas significa trabalhar com todos esses elementos sem que eles sejam estanques. A idéia é que essa fusão possa fluir naturalmente."
Percussão exótica
Para concretizar o projeto foi fundamental a parceria com o baixista, guitarrista e cantor argentino Pedro Aznar, com o qual Ramil já tinha tocado junto, na Argentina, em canjas e apresentações ocasionais. "Ele conhece muito a música brasileira. Assim, deixamos a musicalidade fluir sem grandes encucações. Temos uma sintonia musical muito grande", diz o gaúcho. Além da presença de Aznar e dos convidados brasileiros Egberto Gismonti ("Ele era o meu ídolo máximo, aos 18 anos. Eu era fanático por ele"), Lenine e Chico César, Ramil conta também em quase todas as faixas com a percussão exótica do argentino Santiago Vazquez, repleta de instrumentos orientais, africanos e latino-americanos, além de brinquedos.
"Não sou adepto do folclorismo, mas sempre gostei de exotismos. Gosto de mesclar instrumentos primitivos com os instrumentos de afinação temperada", diz Ramil, citando como exemplo o estranho doudouc, tocado por Vazquez, na faixa Grama Verde. "A gente ria muito na gravação, porque esse instrumento está totalmente desafinado. Pedro chegou a pensar em afiná-lo, mas eu não deixei. Gosto dessa mistura de sofisticação com um primitivismo. Isso nunca deixa que a música fique fria."
Entre as 14 faixas, Ramil alterna canções inéditas, como Para Lindsay (baseada em obra do poeta beat Allen Ginsberg, traduzida por Cláudio Willer) e O Velho Leon e Natália em Coyoacán (a partir de poema do paranaense Paulo Leminski), com regravações de canções de seu álbum À Beça (registrado em 1995, mas só lançado em edição restrita, numa revista de Porto Alegre). Esse repertório destaca ainda versões de duas canções do norte-americano Bob Dylan: Um Dia Você Vai Servir Alguém (Gotta Serve Somebody) e Só Você Manda em Você (You’re a Big Girl Now). "Gosto de pegar letras do Dylan, porque ele é o rei do mote. Ele desenvolve um tema como ninguém, só que é mais verborrágico do que lapidador. É um exercício de recriação e acabamento que eu adoro fazer", justifica.
Num interessante texto que escreveu sobre o disco, infelizmente não incluído no encarte, Ramil repete uma brincadeira comum em seu estado natal. Ao mencionar os países em que o álbum será lançado, ele inclui ao lado do Brasil o Rio Grande do Sul. "Isso já faz parte de nosso folclore. Na época do lançamento do Ramilonga, eu levantava a tese de que a gente cultivava uma espécie de separatismo latente. Na verdade, não há um sentimento separatista vivo, mas como a relação do Rio Grande do Sul com o Brasil sempre foi um pouco truncada, cultivamos isso como uma brincadeira", diverte-se.
O primeiro show de lançamento de Tambong acontece em Porto de Alegre, em 17 de novembro, no teatro da Reitoria da UFRGS. Em âmbito internacional, a Argentina deve ser o segundo país a ver esse show. Depois de cinco anos se apresentando por lá, Ramil tem agora o apoio da multinacional Booking and Management, empresa de agenciamento artístico de Buenos Aires, que pretende transferi-lo do circuito cult argentino para o mainstream. Simultaneamente ao lançamento do novo CD, o compositor gaúcho também acaba de reeditar seus discos anteriores por meio de seu selo, o Satolep Music. Informações no site www.vitorramil.com.br