X estréia solo falando mais sério do que nunca

O ex-líder do Câmbio Negro lança Um Homem Só

Marco Antonio Barbosa
13/06/2001
"É necessário ser contundente. Não adianta vir com meias palavras, porque do jeito que a coisa está para o povo das periferias - drogas, falta de perspectiva, violência de todos os lados - não é com papo-furado que vai se conseguir mudar alguma coisa". O discurso é o mesmo de antes, mas agora o rapper que é uma letra está sozinho. Pouco menos de um ano depois que o grupo de hip hop brasiliense Câmbio Negro se separou, seu líder, X, lança seu primeiro álbum solo, Um Homem Só ouvir 30s, pela Trama. E no CD, X desfia suas crônicas barra-pesadíssimas sobre uma realidade barra-pesadíssima - a das comunidades pobres brasileiras. Exatamente como nos tempos do Câmbio Negro, mas com algumas diferenças fundamentais.

O disco solo coroa a trajetória de X, pioneiro do rap em Brasília (mais especificamente na cidade-satélite de Ceilândia, na periferia do Distrito Federal) que passou dos bailes de subúrbio ao break e caiu no hip hop em fins dos anos 80. À frente de sua antiga banda (que durou dez anos), X transformou-se numa figura de proa no rap brasileiro, responsável por um hip hop feito à base de guitarras pesadas que influenciou muita gente Brasil afora. Solo, o rapper afiou ainda mais seu discurso - a ponto de quase amedrontar o ouvinte.

"Falo de certas coisas às vezes num tom bem fúnebre, mesmo. Fica meio deprimente, mas é intencional. Quero chocar o povo, para abrir os olhos de que está me escutando", afirma X. E ele trata de racismo, pobreza, violência, carências sociais e abandono institucional. "Por aí tem corrupção, fraudes, assaltos - até apagão querem empurrar para as pessoas. Minhas letras são para o povo tomar um baque e reagir", explica X.

Em Violência Gratuita, por exemplo, ele cospe: "Estamos fazendo exatamente o que eles querem (...)botecos abertos, escolas vazias, estupros, tiroteios(...)/Destrua tudo, destrua o pouco que tem / Seja o que o sistema quer, mais um zé ninguém". Já em Capital da Esperança, X vocifera: "A minha roupa rasgou, o meu tênis furou / há meses eu não sei o que é a palavra amor(...) A cada dia, eu pareço mais um bicho". E na particularmente tenebrosa Só Mais Um Dia, ele narra o dia-a-dia de um presidiário: "Grades e cadeados, tudo fechado / Pequei, estou pagando, estou encarcerado". Tudo isso com sua voz de trovão, a mais potente do hip hop brasileiro.

"Não quero glamourizar a vida no gueto", afirma X. "O importante para mim é tentar abrir a cabeça da galera que tem mais condição de pensar e de agir, o povo que tem grana para comprar CD, a classe média. Quero que, ouvindo o que eu tenho para dizer, eles se toquem e façam o que puderem para melhor a vida na periferia. Se não fizerem nada, vai acabar se voltando contra eles. Quando a violência ficava restrita à favela, ninguém dava ouvidos, porque não atingia a 'sociedade'. Agora que a criminalidade está insuportável, batendo também nos bairros de classe média, aí sim eles ficam preocupados. Fazer campanha na TV e passeatas contra a violência é uma coisa válida, mas não dá mais para fazer vista grossa para a realidade."

Essa realidade está, segundo X, espalhada por todo o país, e não apenas na empobrecida vizinhança em que ele cresceu, em Ceilândia. "As verdades que eu falo estão por todo o canto, pode se encaixar em qualquer bairro pobre do Brasil. Gente sem escola, sem saúde, crescendo com violência criminal e policial. Eu já falo disso há dez anos, só não me dão espaço", espeta o rapper.

Também há espaço para recados à nova geração do rap. Sem citar nomes, X manda a galera novata manter o respeito a ele e a seus pares, na faixa Quem É Você?. "Houve um crescimento muito grande do rap, com coisas boas e ruins. Aí acontece de uns caras novos chegarem sem muito respeito, sem perceber que eu e mais um monte de gente estamos aí há muito mais tempo. Então Quem É Você? é só um aviso pra quem estiver chegando vir na manha, na paz, para poderem durar tanto na cena quanto os veteranos já duraram."

Em Um Homem Só, X continua inovando em termos musicais, mas preferiu mudar radicalmente sua sonoridade. "Nesse disco solo eu pude fazer algumas coisas que eu já tinha vontade de tentar há tempos", conta o rapper. "Eu queria mesmo conseguir um som bem diferente do que eu fazia com o Câmbio Negro. Partir para idéias mais ecléticas, variadas."

Junto aos DJs Marcelinho, Raffa e TDZ, X experimentou misturar bases sampleadas e programações típicas do hip hop com instrumentações "ao vivo". O rapper conta: "Eu já trabalho com bandas de verdade desde 1995, com o Câmbio Negro. Com o passar do tempo, fui conhecendo discos e artistas novos, de estilos diferentes do rap, e acabei mudando minha cabeça. Nesse sentido, o Marcelinho e o TDZ ajudaram muito, eles tem grandes idéias, manjam muito de música. Assim, juntando minhas idéias com as deles, ficou uma coisa legal. Pudemos arriscar algumas ousadias".

Entre estas ousadias, notáveis são, por exemplo, Casa Grande e Senzala, que inclui violões sampleados da dupla Duofel, ou Só Mais Um Dia, que também tem violão - mas tocados ao vivo, por Bell (ex-guitarrista do Câmbio Negro). A canção chegou até a merecer uma versão acústica, com Pedro Mariano cantando o refrão (substituindo um sample de Cláudio Zoli na versão original).

Bem abastecido de projetos e denúncias, X não descarta a possibilidade de, um dia, passar do discurso à prática social - candidatando-se a algum cargo público em Brasília. "Já pensei várias vezes nisso. Tenho muitas idéias para melhor a vida do povo carente, como por exemplo reformular o sistema carcerário, botar os presos para trabalhar em prol da comunidade. Mas política é um jogo perigoso. Tenho medo de entrar, porque sei que minha família pode acabar sofrendo; acabam te acusando disso, daquilo, arrumando amantes e filhos que nunca existiram só para destruir tua vida", afirma X, casado e pai de um menino.

E, questionado se a contundência e a radicalidade de seu discurso não podem atrapalhar o desempenho comercial de Um Homem Só, X retruca, com a certeza de quem sabe que está sempre falando sério: "Sinceramente, não estou nem um pouco preocupado com isso". O que vale é pôr a voz na rua, e isso ele já conseguiu.