Xis segue rumo sem abaixar a cabeça

Rapper lança Fortificando a Desobediência, primeiro CD por uma grande gravadora, e quer ver o hip hop evoluir no país

Marco Antonio Barbosa
19/12/2001
Rap, por natureza, é sinônimo de desobediência. De inconformidade com as regras musicais e sociais estabelecidas pelo mercado. O que se pode esperar então de um rapper que proclama não só sua desobediência, mas também sua opção pela contramão de tudo aquilo que se espera dele? Essa é a pergunta que não quer calar quando no confronto com Xis, figura das mais carimbadas do rap paulistano. Depois de conseguir um destaque invulgar na mídia nos últimos dois - incluindo participações em álbuns de artistas mainstream e prêmio da MTV - ele retorna com o disco Fortificando a Desobediência ouvir 30s, com o qual assume a missão de alavancar a evolução do hip hop brasileiro. A desobediência está explícita em todo o canto. No resultado final do disco (mais "difícil" e desobrigado de perseguir um novo hit fácil) e na inesperada troca de gravadora - Xis trocou a credibilidade da Trama pela multinacional Warner. E avisa: quer ser o primeiro artista de rap negro a estourar via uma grande gravadora.

"Não estou preocupado com o resultado comercial deste disco. Mas a verdade é que o rap de verdade, com artistas negros, ainda não aconteceu para o grande mercado brasileiro. A Warner agora pode estar abrindo este caminho, junto comigo", afirma Marcelo Santos - o Xis, ex-DMN, autor do hit Us Manos e as Mina 30'' excerpts, dono (junto a KL Jay, dos Racionais MCs) da gravadora 4P. Rapper e empreendedor dentro da cena, Xis acredita que o Brasil está pronto para isso. "O país inteiro é uma grande periferia, e o rap fala a língua da periferia. Não há quem não se identifique", fala Xis.

Xis está ciente da contradição (aparente) que há entre sua vontade de desobedecer e sua atual ligação com uma gravadora major. "Minha desobediência é poder ditar exatamente o que eu quero fazer, dentro de uma gravadora grande. Eu já estava disposto a fazer este disco sozinho mesmo, a Warner só chegou para dar uma organizada na coisa", fala o rapper. Quanto à saída da Trama - à qual seguiu-se uma pequena polêmica via imprensa entre o rapper e a direção do selo - Xis abafa, metaforicamente. "Sabe fim de namoro, quando cada parte do casal quer ir para um lado diferente?", compara. Mas dá uma pista: "Queriam mudar a minha imagem, com aquelas jogadas de núcleo de moda..."

Quando fala em só fazer o que quer, Xis não está brincando. Primeiro, nem tentou fazer um outro Us Manos e as Mina em Fortificando..., um disco bem mais complexo e variado. "Sei que este repertório novo representa um risco. Quis deixar de lado também as músicas com temas mais românticos e pegar mais forte na crítica." Na produção do álbum, um batalhão de conceituados DJs (KL Jay, Plínio Profeta, Zé Gonzales). "Não foi mole orquestrar essa galera, encarei várias viagens de ônibus entre São Paulo e o Rio", conta Xis.

A bolacha ganhou tinturas de música eletrônica (Chapa o Côco, com batida drum'n'bass), cubana (a faixa-título, gravada em Havana com direito a seção de metais de músicos locais), jazz-soul (Sonho Meu, com baixo acústico, trompete e backings femininos) e do samba esquema novo de Jorge Ben (em 6 da Manhã). "Musicalmente o novo CD não tem nem comparação com o Seja como For ouvir 30s (seu primeiro disco solo) - que teve como único instrumento um sampler e um orçamento de R$ 6.000", relembra o artista.

Xis pode bem aproveitar o bom momento do rap brasileiro e, apoiado pela Warner, chegar a estourar. Potencial para isso ele tem. "Fizemos um single em 1997 para vender quatro mil cópias, e vendemos oito mil. Com o Seja como For, pensávamos em vender 15 mil, chegamos a 43 mil - fora os piratas, aí bate quase nos cem mil. Na Warner, o mínimo que eu pretendo chegar é a 30 mil. Também não prometi a eles nada além disso", fala Xis. Já em relação ao tal bom momento, o rapper não se empolga tanto. "Essa exposição é coisa da mídia. Os discos sempre saíram, sempre houve premiações para o rap, mas isso tudo só aparece na TV e nos jornais quando interessa", dispara.

Instalado em uma grande gravadora e desfrutando alta visibilidade no meio artístico - graças às dobradinhas feitas com gente como Cássia Eller, Pavilhão 9, Paula Lima, Thaíde & DJ Hum e DJ Jamaika - Xis agora quer usar seu capital para ajudar seus mano. "Precisamos profissionalizar a cena. Melhorar o som dos discos, dos estúdios, dos técnicos. Temos que continuar no mesmo caminho que já fizemos até aqui, só que em melhores condições", discursa o rapper. Aí entra seu selo 4P, que está a todo vapor planejando lançamentos para 2002. "Eu escolho o artista quando ele ainda está na periferia, sem estrutura, sem saber como funciona o mercado", fala Xis. "Daí eu ensino o cara a fazer os contatos certos, a buscar o que ele tem direito, a lidar com advogados..." O selo tocado por Xis e KL Jay está com os grupos Da Bandit, Conseqüência e Rota de Colisão prontos para registrar suas estréias em disco.