Yamandú Costa: a fúria dos pampas destroçando o violão

Violonista de 21 anos, que se apresenta todas as terças-feiras de maio no Paço Imperial (RJ), lança dois discos este ano e fala sobre as comparações com Raphael Rabello

Nana Vaz de Castro
04/05/2001
Foto: Nana Vaz de Castro
Yamandu Costa e Paulo Moura em show no Sesc, no Rio
Há quem pense que ele precisa de um novo violão a cada mês, tamanha é a violência com que castiga o instrumento. Mas não. O atual violão de Yamandu Costa, um Muñoz de sete cordas, é o mesmo há cerca de três anos, comprado de um amigo paulista. Foi paixão à primeira vista. "Estava hospedado na casa desse amigo, e nunca tinha tocado num sete cordas. Quando toquei fiquei louco, não larguei mais, comprei o violão dele", conta o gaúcho de 21 anos."

Quem já viu Yamandu (pronuncia-se "Diamandu") tocando em shows ou rodas informais de samba e choro não esquece. Sua técnica chama a atenção pela originalidade. O som não é limpo como pretendem os adeptos do virtuosismo clássico. Mas o vigor sonoro que emana das cordas (essas sim, arrebentam com muita freqüência) e sua criatividade rítmica e harmônica fascinam mesmo os mais escolados freqüentadores de rodas de choro.

"É uma técnica minha, brasileira, misturada com o clássico, com o vigor do tango e da música gaúcha. Agora por exemplo estou tocando o sete cordas, mas de uma forma diferente, sem fazer as baixarias típicas do choro" tenta explicar. Além do som, o que torna Yamandu inesquecível é sua postura um tanto "dramática" ao tocar. Ele se movimenta, levanta, senta, bate no violão, mistura pizzicato e rasqueado, o que faz com que alguns o considerem pretensioso na ânsia de mostrar tudo o que sabe fazer.

Não é essa a opinião do público que o assiste. No mês passado, a platéia que lotou o Sesc Rio Arte para vê-lo se apresentar ao lado de Paulo Moura no projeto Rio Sesc Instrumental vibrava ao fim de cada número, retribuindo cada gota de suor despendida pelo músico - e não foram poucas. Para completar, um problema elétrico fez com que o show fosse totalmente acústico, em um teatro de mais de 500 lugares. Ninguém reparou que não havia microfone nem amplificador. "Foi instigante", diz Paulo Moura, 50 anos de carreira, sobre a experiência. "O Yamandu tem um virtuosismo rítmico admirável. Ele consegue fazer desenhos rítmicos novos em um gênero teoricamente regular como o choro", elogia o clarinetista. "Ele faz coisas inacreditáveis", diz outro admirador, Guinga.

Família de músicos
Desde que deixou o Rio Grande do Sul, há três anos, Yamandu vem se apresentando com freqüência em eventos ligado ao choro, principalmente em São Paulo, onde morou até o ano passado, e Brasília. Morando no Rio há cerca de oito meses, ele se diz deslumbrado com a cidade. "Apesar de o mercado em São Paulo ser melhor, de ter mais dinheiro, o Rio é mais importante para se fazer um nome, para se conhecer as pessoas. Principalmente em relação ao choro, o Rio é o lugar onde a coisa nasceu", explica o habitual freqüentador da Lapa, ressaltando o que identifica como espécie de movimento de renovação do choro, com muitos eventos e novos músicos.

Para quem ainda não teve chance de assistir ao violonista, ele se apresentará a partir do dia 8 de maio, todas as terças-feiras no Paço Imperial, tocando um repertório que mistura Dilermando Reis, João Pernambuco, Baden Powell e temas do folclore gaúcho, uruguaio e argentino, que têm influência decisiva em seu estilo. Antes disso, toca este sábado, dia 5, em Salvador, na semifinal do Prêmio Visa Instrumental. "Estou animado, ainda não conheço a Bahia", conta ele, que confessa ter uma "alma cigana" comum à família. Não por acaso, seus pais, avô, tios, primos são músicos, e o iniciaram na carreira. "Cheguei até a tocar guitarra em bailes, com palheta e tudo, com meu pai", revela.

O violão surgiu em sua vida aos sete anos, quando já morava em Porto Alegre (nasceu em Passo Fundo), por intermédio do violonista argentino Lúcio Yanel, amigo de seu pai e grande representante das tradições pampianas. "Ele me inspirou a tocar violão, com seu estilo expressivo, é uma força violenta", conta o violonista, que acaba de gravar um disco com Yanel, a sair em breve pela gravadora gaúcha Acit. No repertório, claro, peças do folclore do Sul. Outro disco de Yamandu deve ser lançado ainda este ano, desta vez em parceria com o bandolinista Armandinho. Os dois se apresentaram juntos várias vezes no ano passado, e o resultado virou disco, ainda em fase de negociação com as gravadoras.

Houve ainda um outro CD, gravado em 97 nos Estados Unidos, por iniciativa de um produtor que o assistiu fazendo uma participação em um show de Almir Sater e Borghettinho no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio. Era sua primeira vez na cidade, e pouco tempo depois já estava em Nashville, Tennessee, gravando. No final das contas as coisas não aconteceram como esperado, Yamandu não concordou com as condições do contrato e o disco acabou não saindo. "Queriam que eu fizesse uma porção de shows por lá, eu teria que ficar um tempo morando nos Estados Unidos, queriam exclusividade, e não topei", conta, com seu carregado sotaque gaúcho.

Comparações a Raphael Rabello
Yamandu é constantemente comparado ao violonista Raphael Rabello (morto em 1995, aos 32 anos de idade), com quem guarda até alguma semelhança física. Até mesmo na escolha dos parceiros, o gaúcho segue os passos de Raphael (ouça trechos de Dois Irmãos amostras de 30s, de Raphael e Paulo Moura, e de Em Concerto amostras de 30s e Brasil Musical amostras de 30s, de Raphael e Armandinho). "Eu acho que a nossa mão esquerda é parecida, mas o Raphael foi criado na roda de choro, e a minha formação é da tradição gaúcha, completamente diferente. No fundo, acho que as pessoas fazem essa comparação porque não querem perder a memória do Raphael. No início ele também era comparado como sucessor do Baden, e depois criou seu próprio caminho. Eu também não sou sucessor de ninguém, aos poucos vou criando meu próprio caminho", justifica. Mas ressalta: "Claro que Raphael foi uma influência para mim, mas da mesma forma que outros violonistas, como Baden Powell."

Aos 16 anos, em um show em Porto Alegre, Yamandu abriu um show de Baden. O compositor de Berimbau gostou do jovem e o chamou para dividir o palco em duas músicas. "Pra mim aquilo foi uma loucura, não entendi nada, mas foi ótimo", recorda. É de Baden também o disco que mais o marcou. "Era um que tinha o Choro para Metrônomo, Garota de Ipanema e Samba em Prelúdio acompanhado por orquestra amostras de 30s. Esse era um que não saía da vitrola", diz, lembrando que começou a estudar mais seriamente o violão aos 10, 11 anos. "Durante uns três ou quatro anos fiquei tocando sem parar. Mas isso não é a regra, eu sou preguiçoso para estudar, não sou disciplinado nem metódico. O que acontece é que umas três ou quatro vezes por ano eu me tranco por uns dias e fico só tocando o dia inteiro, escolhendo novas peças para o repertório".

No momento, Yamandu estuda com o amigo José Paulo Becker, do Trio Madeira Brasil, o arranjo para dois violões da Suíte Retratos, de Radamés Gnattali (coincidentemente - ou não - a peça foi gravada por Raphael Rabello, com Chiquinho do Acordeom amostras de 30s. É esperar para ver.