Zeca Baleiro em tempo de simplicidade

Em seu terceiro álbum, Líricas, o maranhense resolve dar um descanso aos seus ouvidos - e aos do público - gravando em formato acústico melancólicas canções

Silvio Essinger
21/09/2000
Para Zeca Baleiro, não foi tão inesperada assim a guinada estética em seu terceiro álbum, o recém-lançado Líricas. "De certa maneira, ele estava esboçado nos outros discos", atenta. As canções melancólicas, tocadas em formato acústico, já apareciam, de fato, nos anteriores Por Onde Andará Stephen Fry? (1997) e Vô Imbolá (1999). "Mas talvez a mistura de ritmos tenha vindo para a frente da cena", diz, esboçando uma explicação. De certo, só a ressaca da parafernália eletrônica e o cansaço da estrada – foram mais de 100 shows de Vô Imbolá, no Brasil e na Europa, em um ano e dois meses –, que o apressaram na realização de Líricas, disco que reclama a chance de que a poesia seja ouvida e que os ouvidos tenham descanso. "A música eletrônica é bacana, mas ela precisa desse contraponto", prega. O resultado, o maranhense Zeca admite, foi o menos "esquizofrênico" dos seus discos até hoje.

Durante a pré-produção do disco, ele aprontou 35 canções. Em um mês e meio, gravou as 12 que entraram na bolacha. "Foi tudo muito simples, havia uma forma bem definida", explica. Foi o primeiro disco autoproduzido de Zeca (com a ajuda do técnico de som Walter Costa). "Ele é um Acústico, mas com outra textura", explica. O trabalho começou com os seus violões e os de Tuco Marcondes. Depois, de acordo com a necessidade, ele convocou os outros instrumentos, que podiam ser um órgão ou mesmo um quarteto de cordas. "Líricas é um disco de canções e ponto. Talvez o mais difícil tenha sido achar o simples", conta. "Hoje em dia a produção de um disco anda ficando maior do que a criação da canção. Há muita maquiagem, acho que para disfarçar a falta de conteúdo."

Metade das canções de Líricas estava no baú de Zeca. A mais antiga delas é o anti-reggae Babylon que, apesar do formato musical jamaicano, fala de se aproveitar os prazeres da Babylon – a riqueza material – que os rastafáris demonizavam. Zeca achava que a canção caberia melhor num de seus discos pops, mas o produtor Mazola "cantou a bola" e ele resolveu experimentar. Funcionou. "Essa agora foi a melhor forma que eu consegui para a música", diz. Outro lance inusitado de Líricas foi a inclusão de uma releitura de Proibida Pra Mim, rock dos skatistas santistas do Charlie Brown Jr. A idéia de Zeca foi tirar a canção do seu universo, onde estava soterrada pela massa sonora, e extrair um lirismo inesperado. "Penso em um dia fazer um disco só de releituras", adianta ele, que já havia virado de cabeça para baixo o Disritmia de Martinho da Vila no disco Vô Imbolá.

Melancolia on the road
Se há um sentimento que permeia as novas músicas de LíricasBlues do Elevador, Brigitte Bardot, Minha Casa – é o da transitoriedade, da melancolia on the road. "Ele tem essa coisa da estrada", confirma. No Blues, o maranhense remete a outros nordestinos, como Ednardo, Belchior, Zé Ramalho e Geraldo Azevedo, que arriscaram um flerte com o sotaque musical dos negros do Mississipi. "O nordestino tem uma alma meio bluesy. Sinto falta de trabalhos dessa natureza. A Antologia Acústica (de Zé Ramalho) é um clássico. Parece que precisa ter uma ousadia para bancar uma coisa dessas", reclama. Ainda no Blues do Elevador, Zeca pergunta, lá pelas tantas, se não há dias em não se está "achando a vida mais chata do que um cantor de soul". "Foi uma provocação com endereço certo", dispara. "O soul foi muito banalizado, como todo tipo de música. Há coisas boas mais recentes, mas há outras com uma inflexão vocal exagerada." Detalhe: Zeca é fã do soulman Carlos Dafé, de quem andou cantando Pra Que Vou Recordar o Que Chorei.

No momento, até mais do que em Líricas, Zeca está imerso é no espetáculo Mãe Gentil, do diretor e coreógrafo Ivaldo Bertazzo, que estréia hoje no Sesc Belenzinho e vai ao Rio no mês que vem. O cantor e compositor é o "menestrel" desse obra, que discute a identidade brasileira a partir de escritos de Gilberto Freyre, Paulo Prado e Euclides da Cunha ("Os progressivos e os reacionários", observa, irônico), com muita música e dança. Mãe Gentil conta com a participação de crianças da Zona Leste de São Paulo e a banda mirim Dragões do Forró, do interior do Ceará. Segundo Zeca, o convite para participar do espetáculo veio depois que Ivaldo foi ver o show de Vô Imbolá – onde havia também, de forma musical, uma discussão da identidade brasileira. Só depois do fim da temporada é que Zeca parte para o show de Líricas, que estréia dia 4 de novembro, no Tom Brasil (SP). A estética, mais uma vez é da simplicidade. O cantor e os músicos Tuco Marcondes, Lui Coimbra e Rogério Delayo se revezam em vários instrumentos. Além do repertório do disco, ele traz os hits de Zeca rearranjados e as versões de Mother (John Lennon) e Bola Dividida (Luiz Ayrão). Tudo muito lírico, como convém.