Zeca Pagodinho dispensa o fotógrafo em novo disco

Com sambas de primeira – o que não é nenhuma novidade –, Água da Minha Sede inova ao trazer a imagem do cantor em um desenho. "Não sei fazer pose", diz

Silvio Essinger
04/10/2000
Entrevista coletiva com Zeca Pagodinho é sempre uma surpresa – por causa de suas velhas conhecidas ausência de formalidade e falta de paciência para falar conceitualmente da música, o papo envereda pelos mais inacreditáveis assuntos. Hoje, na convocação para falar sobre seu novo disco, Água da Minha Sede, não foi diferente. Teve até alguém que perguntasse sobre Napster. "Quê isso?", indagou o sambista. Depois de saber que era uma forma de o ouvinte pegar suas músicas de graça na Internet, ele até arriscou opinião: "Deixa. Pior é se a música for uma m. e ninguém quiser ouvir." Nem mesmo o fato de não receber seus direitos autorais desanimou o cuca fresca – e confesso preguiçoso – Zeca. "É uma briga danada. Mais um, menos um, não faz diferença."

"Minha onda é a de sempre", esclareceu o sambista, com seu indefectível copo de Brahma e o cigarro aceso, como se estivesse em seu sítio em Xerém e não na Sala Caetano Veloso na gravadora. Água da Minha Sede vem em seguida ao incrivelmente bem-sucedido disco ao vivo – com 750 mil cópias vendidas. Quando perguntaram sobre a boa – ou má – fase que o samba atravessa ou atravessou, Zeca já tinha a resposta pronta. "Modéstia à parte eu nunca saí de moda, mesmo quando fiquei três anos sem gravar. Tenho amigos e gosto de fazer o samba que o povo gosta." Com sambas dos grandes compositores do gênero – Almir Guineto, Elton Medeiros, Wilson das Neves, Arlindo Cruz, Sombrinha, Dudu Nobre, Monarco, Beto Sem Braço, Sinhô, entre outros –, o disco inova ao trazer a imagem de Zeca não em foto, mas em ilustração de Elifas Andreato. "Pra mim se embrulhar em papel de pão tá bom, o que importa é o conteúdo. Acho meio enjoado fazer foto – não sei fazer pose. O desenho me poupou bastante."

Selecionar repertório para o disco sempre foi um problema para o sambista – pela abundância de material. "Eu precisava de um disco com 50 faixas para colocar as coisas que eu conheço e as coisas que eu gosto", conta. Corta daqui, corta dali, Água da Minha Sede saiu com 15 faixas. Mesmo assim, não foi o ideal. "Não dá para tocar todas num ano", reconhece. As músicas chegam aos borbotões – "Vem gente cantando no portão", conta. Algumas vezes, porém, Zeca teve que correr atrás dos compositores. Caso de Carlos Roberto da Mangueira, do Pagodeiro Fino Trato, que ele achou depois de passar uns dez anos procurando. Mas foi um impulso raro do sambista – o que tem valido é a velha preguiça, de quem não mistura trabalho e vida pessoal. "Meu lado vagabundo eu não deixo ninguém invadir, não", diz. No máximo, ele passa na escola de música que montou em frente de casa para ver se a garotada anda levando o estudo a sério. "Queria ter tido uma oportunidade dessas!"

Zeca chegou a gravar um clipe de Água da Minha Sede, música de trabalho do disco. "Não queria nem ir na gravação", confessa. "São meus filhos que vêem os clipes e me falam como ficou." O filho, por sinal, já andou revelando pendores musicais. "Ele quer aprender música moderna. Eu disse: ‘Se não cuidar da raiz a árvore não dá fruto. Teu pai tem tudo aí’", alertou o zeloso Zeca, adepto do lema "Faça o que eu mando, não faz o que eu faço". Perguntado se havia compositores jovens com qualidade hoje em dia, citou, entusiasmado, o pupilo Dudu Nobre. "O Dudu cresceu no meio da gente, conheceu Beto Sem Braço, Geraldo Babão. E é sucesso."