Zélia Duncan: partir, andar, na direção dos novos sons
Marcada pelo folk, mas com muito orgulho, cantora volta renovada em Sortimento, disco repleto de novas parcerias e músicos das mais variadas vertentes
Silvio Essinger
10/04/2001
Zélia Duncan é uma voz "arredondada e macia" em busca de um caminho. Cada vez menos ligada na perfeição técnica e nos malabarismos vocais e mais atenta à simplicidade cheia de sentido de uma Suzane Vega. E, principalmente, uma artista com ânsia de dar vazão a todos os sons que a vinham acompanhando nos últimos anos. Sortimento , primeiro disco de Zélia para a Universal Music (chega às lojas na segunda-feira que vem) é, depois de muito tempo, um desvio na rota a que seu público estava acostumado a segui-la. "Posso ser uma cantora de folk – e tenho o maior orgulho disso -, mas também sou brasileira", disse ela em entrevista coletiva na gravadora. "A MPB é um trunfo que nós temos."
Por nós, entenda-se a geração de artistas brasileiros de que ela faz parte. Compositores e intérpretes cujas idades vão além dos 30 e tantos anos, mas que só puderam se revelar na década de 90, depois de muita batalha. Zeca Baleiro, Chico César, Paulinho Moska, Lenine... "Isso foi porque nos anos 80 se tinha dois times: o da MPB e o do rock", analisa Zélia. "Nos 90, a gente se sentiu mais à vontade e se encontrou."
Sortimento foi a vez de a cantora perder os preconceitos e aliciar novos parceiros. Uma busca de oxigenação depois de três discos (Zélia Duncan , de 94; Intimidade , de 96; e Acesso , de 98) em parceria com o compositor, produtor e multinstrumentista Christiaan Oyens, que hoje faz parte da banda de Lulu Santos no projeto Lulu Acústico . No novo disco de Zélia, só uma faixa é da parceria, Me Revelar, que já circula na trilha da novela Um Anjo Caiu do Céu. "É uma típica composição Zélia-e-Christiaan", reconhece a cantora.
Christiaan ainda produziu quatro faixas do disco. Mas foi só. "Estávamos percorrendo caminhos diferentes", explica. Do casamento, Zélia foi direto para o swing. "Foi bom até para ter um senso crítico em relação às nossas próprias músicas." Das oito músicas que Arnaldo Antunes deixou, ela escolheu Alma, parceria com Pepeu Gomes. Rodrigo Maranhão, revelação da banda carioca Bangalafumenga (leia matéria), musicou duas letras da cantora, Chicken de Frango e Beleza Fácil. Outra revelação, só que de Niterói, Fred Martins ajudou-a em Flores e Hóspede do Tempo. "Detesto esse discurso de que já não há nada de bom, de que não há mais compositores", protesta. "Quero saber onde esse pessoal procurou. Eu arregacei as mangas, procurei e achei."
Retribuição de Rita Lee
A continuar com a infidelidade de Sortimento, Nando Reis, velho amigo das cantoras brasileiras, deu a faixa-título. E John, do Pato Fu, entrou com Todos os Dias. Já as outras presenças no disco não são tão inesperadas assim. A amiga Rita Lee, para quem Zélia havia musicado Pagu (do disco 3001), devolveu a gentileza musicando Desconforto. E Itamar Assumpção (que ela grava desde Intimidade e sonha em homenagear com um disco inteiro) comparece com a faixa de abertura, Por Que Que Eu Não Pensei Nisso Antes?.
Zélia pensava em entregar o disco a diversos produtores, como fez Herbert Vianna em seu recente solo, O Som do Sim . Nesse disco, ela se encantou com o trabalho nas faixas A Mais e Une Chanson Triste, justamente as produzidas por Beto Villares, responsável pela produção da série de CDs Música do Brasil e pelo Terceiro Samba , novo disco do Mestre Ambrósio. "Ele ia produzir três faixas e acabou produzindo oito", conta a cantora. Beto encheu o disco de músicos os mais variados – de integrantes do Mestre e o Trio Mocotó (no samba Na Hora da Sede, de Luiz Américo e Braguinha) ao DJ Marco e os rappers Johnny MC e Rappin Hood, que dão o recado em Desconforto. "Hoje em dia, a gente tem a impressão de que tudo já foi feito – daí a importância do rap, da pesquisa que ele faz", defende a cantora. "Como é que se vai dizer que o DJ não é um artista?"
Zélia, porém, não anda achando a menor graça na explosão comercial do funk carioca. "O ritmo é legal, mas as letras lamentáveis." Ela aposta no esgotamento rápido do filão. "Vai ter sempre algo que a gravadora vai dizer que o povo gosta. Mas o que é bacana e sólido vai estar sempre por aí." Por falar em possibilidades comerciais, ela jura que a nova gravadora não interferiu em nada na orientação de Sortimento: "A culpa pelo disco é toda minha, ninguém foi me espionar no estúdio. Tô velha demais pra isso, tenho 36 anos de idade", conta. Aliás, em alguns dias vai completar 20 de carreira, pois subiu no palco pela primeira vez aos 16, em 19 de maio de 1981, na Sala Funarte, em Brasília.
Como faixas-bônus de Sortimento, entraram Partir, Andar (que ela dividiu com Herbert em O Som do Sim) e Eu Vou Estar (que ela cantou com seu amigo de colégio Dinho no Acústico MTV do Capital Inicial) – foram sucessos de Zélia enquanto ela tramava seu novo disco. Mas, por pouco, a primeira ficou de fora. "Depois dos acontecimentos tristíssimos [com o líder dos Paralamas], resolvi não pôr a música. Mas um dia antes do acidente, o (presidente da Universal) Marcelo Castelo Branco conversou com Herbert e falou da vontade de incluir Partir, Andar no disco - ele ficou muito feliz. Saber disso me liberou por dentro", conta.
Adaptações no palco
O show de Sortimento estréia dia 17 do mês que vem no DirecTV Hall, em São Paulo, e continua, a partir do dia 7 de junho, no Canecão, no Rio. Zélia garante que não vai tentar imitar o disco no palco – vai, sim, fazer várias adaptações para tocar esse disco gravado com tantos e diferentes músicos. Percussão e teclados voltam à sua banda, que ainda contará com baixo, guitarra, bateria e sampler. "Tenho vontade de levar o Rodrigo Maranhão e os rappers para o palco", adianta.
Apesar de saber que seu público é meio refratário a mudanças, Zélia não se preocupa com a receptividade a Sortimento. "Ele se acostuma. Muitos queriam uma nova Catedral [seu primeiro sucesso, versão de música de Tanita Tikaram], mas depois me ouviram cantando com o Uakti [em Código de Acesso, de Acesso] e gostaram." Eles que se preparem então, pois a cantora está em plena fase rock, ouvindo muitas velharias como Humble Pie, Kinks, Thin Lizzy e The Who.
Por nós, entenda-se a geração de artistas brasileiros de que ela faz parte. Compositores e intérpretes cujas idades vão além dos 30 e tantos anos, mas que só puderam se revelar na década de 90, depois de muita batalha. Zeca Baleiro, Chico César, Paulinho Moska, Lenine... "Isso foi porque nos anos 80 se tinha dois times: o da MPB e o do rock", analisa Zélia. "Nos 90, a gente se sentiu mais à vontade e se encontrou."
Sortimento foi a vez de a cantora perder os preconceitos e aliciar novos parceiros. Uma busca de oxigenação depois de três discos (Zélia Duncan , de 94; Intimidade , de 96; e Acesso , de 98) em parceria com o compositor, produtor e multinstrumentista Christiaan Oyens, que hoje faz parte da banda de Lulu Santos no projeto Lulu Acústico . No novo disco de Zélia, só uma faixa é da parceria, Me Revelar, que já circula na trilha da novela Um Anjo Caiu do Céu. "É uma típica composição Zélia-e-Christiaan", reconhece a cantora.
Christiaan ainda produziu quatro faixas do disco. Mas foi só. "Estávamos percorrendo caminhos diferentes", explica. Do casamento, Zélia foi direto para o swing. "Foi bom até para ter um senso crítico em relação às nossas próprias músicas." Das oito músicas que Arnaldo Antunes deixou, ela escolheu Alma, parceria com Pepeu Gomes. Rodrigo Maranhão, revelação da banda carioca Bangalafumenga (leia matéria), musicou duas letras da cantora, Chicken de Frango e Beleza Fácil. Outra revelação, só que de Niterói, Fred Martins ajudou-a em Flores e Hóspede do Tempo. "Detesto esse discurso de que já não há nada de bom, de que não há mais compositores", protesta. "Quero saber onde esse pessoal procurou. Eu arregacei as mangas, procurei e achei."
Retribuição de Rita Lee
A continuar com a infidelidade de Sortimento, Nando Reis, velho amigo das cantoras brasileiras, deu a faixa-título. E John, do Pato Fu, entrou com Todos os Dias. Já as outras presenças no disco não são tão inesperadas assim. A amiga Rita Lee, para quem Zélia havia musicado Pagu (do disco 3001), devolveu a gentileza musicando Desconforto. E Itamar Assumpção (que ela grava desde Intimidade e sonha em homenagear com um disco inteiro) comparece com a faixa de abertura, Por Que Que Eu Não Pensei Nisso Antes?.
Zélia pensava em entregar o disco a diversos produtores, como fez Herbert Vianna em seu recente solo, O Som do Sim . Nesse disco, ela se encantou com o trabalho nas faixas A Mais e Une Chanson Triste, justamente as produzidas por Beto Villares, responsável pela produção da série de CDs Música do Brasil e pelo Terceiro Samba , novo disco do Mestre Ambrósio. "Ele ia produzir três faixas e acabou produzindo oito", conta a cantora. Beto encheu o disco de músicos os mais variados – de integrantes do Mestre e o Trio Mocotó (no samba Na Hora da Sede, de Luiz Américo e Braguinha) ao DJ Marco e os rappers Johnny MC e Rappin Hood, que dão o recado em Desconforto. "Hoje em dia, a gente tem a impressão de que tudo já foi feito – daí a importância do rap, da pesquisa que ele faz", defende a cantora. "Como é que se vai dizer que o DJ não é um artista?"
Zélia, porém, não anda achando a menor graça na explosão comercial do funk carioca. "O ritmo é legal, mas as letras lamentáveis." Ela aposta no esgotamento rápido do filão. "Vai ter sempre algo que a gravadora vai dizer que o povo gosta. Mas o que é bacana e sólido vai estar sempre por aí." Por falar em possibilidades comerciais, ela jura que a nova gravadora não interferiu em nada na orientação de Sortimento: "A culpa pelo disco é toda minha, ninguém foi me espionar no estúdio. Tô velha demais pra isso, tenho 36 anos de idade", conta. Aliás, em alguns dias vai completar 20 de carreira, pois subiu no palco pela primeira vez aos 16, em 19 de maio de 1981, na Sala Funarte, em Brasília.
Como faixas-bônus de Sortimento, entraram Partir, Andar (que ela dividiu com Herbert em O Som do Sim) e Eu Vou Estar (que ela cantou com seu amigo de colégio Dinho no Acústico MTV do Capital Inicial) – foram sucessos de Zélia enquanto ela tramava seu novo disco. Mas, por pouco, a primeira ficou de fora. "Depois dos acontecimentos tristíssimos [com o líder dos Paralamas], resolvi não pôr a música. Mas um dia antes do acidente, o (presidente da Universal) Marcelo Castelo Branco conversou com Herbert e falou da vontade de incluir Partir, Andar no disco - ele ficou muito feliz. Saber disso me liberou por dentro", conta.
Adaptações no palco
O show de Sortimento estréia dia 17 do mês que vem no DirecTV Hall, em São Paulo, e continua, a partir do dia 7 de junho, no Canecão, no Rio. Zélia garante que não vai tentar imitar o disco no palco – vai, sim, fazer várias adaptações para tocar esse disco gravado com tantos e diferentes músicos. Percussão e teclados voltam à sua banda, que ainda contará com baixo, guitarra, bateria e sampler. "Tenho vontade de levar o Rodrigo Maranhão e os rappers para o palco", adianta.
Apesar de saber que seu público é meio refratário a mudanças, Zélia não se preocupa com a receptividade a Sortimento. "Ele se acostuma. Muitos queriam uma nova Catedral [seu primeiro sucesso, versão de música de Tanita Tikaram], mas depois me ouviram cantando com o Uakti [em Código de Acesso, de Acesso] e gostaram." Eles que se preparem então, pois a cantora está em plena fase rock, ouvindo muitas velharias como Humble Pie, Kinks, Thin Lizzy e The Who.