Zumbi do Mato, maior demente do planeta

Nonsense, improviso, caos e humor continuam sendo as coordenadas da estranhíssima e inclassificável banda carioca em seu segundo CD, Pesadelo na Discoteca

Silvio Essinger
05/01/2001
Não existe nada parecido com a banda carioca Zumbi do Mato, pode procurar. Em dez anos de existência, sua música já foi chamada de tudo – até mesmo de “minimalismo aleatório”, numa tentativa de definição de um de seus próprios integrantes -, mas a nenhuma conclusão se chegou. Formada pelo fã de heavy metal e baixista Zé Felipe, o Zumbi é uma banda que não tem guitarra. O grande baixista que é Löis Lancaster fica apenas com os vocais. Alguns não-bateristas já passaram pela bateria, hoje ocupada (estranhamente) por um profissional, Henrique Ludgero. E os teclados, os menos avançados que se pode achar, são tocados pelo ilustrador da banda, Marlos Salustiano. Com letras nonsense e umas poucas referências musicais identificáveis, que passam por Frank Zappa, Daminhão Experiença, free jazz e grindcore, o Zumbi acaba de lançar seu segundo disco, Pesadelo na Discotecaamostras de 30s, lançado pela Tamborete Entertainment. Apesar dos percalços da produção, Zé Felipe considera este um álbum “mais compacto, bem resolvido e acabado” que o primeiro, Menormeamostras de 30s, lançado pela Qualé Maluco, finado selo dos Planet Hemp BNegão e Formigão. E ele tem razão: só ouvindo aquele CD, que reuniu hits como Tiroteio do Esqueleto Sem Cabeça e Potinho de Anhanha para crer.

Como sempre, o título do disco vem do nada. Pesadelo da Discoteca é uma textura do programa manipulação de imagens Corel Draw, em péssima tradução para o português. Mais do que irônico para uma banda cujas músicas nem dançantes são. Os poucos mas entusiasmados fãs do Zumbi (que, segundo Zé, dariam para encher um Canecão) vão se fartar com os novos candidatos a clássico do disco: Música Polisensorial do Tom Waits para Surdos, Data (um quase heavy metal), Calendário 1999 (do refrão “Gente, que legal! Os objetos escolhidos para eu olhar existem!”) e Bufufú colagem de vozes que, muito lá de longe, pode até lembrar Walter Franco e Arnaldo Antunes. “O Zumbi não tem apego a nenhum tipo de raiz, não tem pesquisa”, revela o baixista. “As referências se perdem no terceiro ensaio.” Peidão, por exemplo, era para ser um clichê de samba seguido de um clichê de metal. “Não conseguimos, contaminamos os clichês”, diverte-se. A fuga do lugar comum é algo que, segundo ele, o Zumbi faz naturalmente. “Hoje em dia ninguém mais faz música para criar reações!”, reclama

Alguns fatores explicam a singularidade do Zumbi: os integrantes moram longe uns dos outros e raramente ensaiam. Compõem as músicas na passagem de som dos poucos shows que conseguem fazer. Geralmente, pegam uma letra de Zé ou de Löis e saem improvisando – e assim sai uma música. O baixista é o elemento dadaísta da banda – e não acha tão estranho assim o seu método de escrita, que já deu em versos como “o meu signo favorito, eu já disse, é o feijão/ toda vez que somo ele, dá sempre o mesmo total/ pulsa o silêncio em meu dedão/ piolhos comem mousse de Maracujá” (de Doente Porém Vivo). “Agora as bandas estão começando a fazer mais letras assim, principalmente por falta de assunto – até as da Bahia estão fazendo!”, diz.

A letra de Garão Tesé, por sua vez, foi feita num programa de randomização de palavras do site do Dr. Markov. “Qualquer um pode escrever uma letra do Zumbi!”, entrega o tecladista Marlos. Da Internet também, veio o interminável texto que deu origem à faixa Sincronicidade Artificial, Manipulação de Linguagem, Kundalini e as Fronteiras da Realidade, de 13 minutos, que encerra o disco.

Possibilidades comerciais? Os integrantes do Zumbi não perecem muito interessados no assunto. “Ninguém vai viver da banda, a questão é continuar fazendo, ter uma estrutura mínima de show”, diz Zé. A precariedade parece ser a sina desses cariocas. o baterista Henrique tinha deixado o Zumbi quando Pesadelo na Discoteca começou a ser gravado. O trio resolveu então fazer o disco com bateria eletrônica e gravou um punhado de faixas num dia só. Mas eis que Henrique voltou. Num dia, só gravaram o baixo e a bateria das outras músicas. Em outro, Zé dobrou os baixos. Mais um para gravar os teclados e refazer a vozes – ficou faltando apenas um para as participações especiais, que são um luxo: Bruno Gouveia (vocalista do Biquini Cavadão, que canta em A Grande Surda, brincadeira com faixa do primeiro disco de sua banda, cujo título saiu grafado errado na contracapa), Rogério Skylab (com quem o Zumbi planeja fazer um disco inteiro) e Cecília Gianetti (da banda carioca 4 Track Valsa), que faz a voz sensual em Toco, um reggae torto, composto por cima de uma letra de Löis sobre o cara que toma um fora de uma garota.

Além de ser uma das bandas mais insólitas sobre a face da terra, o Zumbi ainda é a que tem integrantes envolvidos em mais projetos paralelos bizarros. Com Löis, Zé tem o Jenesis (que se baseia na composição simultânea à gravação) e, sozinho, o Cidade dos Pés Juntos, de só de podreira metal. Marlos tem o Dense Music (de música experimental contemporânea), o Clark Cristo e o Ombak (de música eletrônica). Já Henrique tem o Pierrôs Lunáticos. O Zumbi segue, eventualmente, nos intervalos. Mesmo assim, o baixista não deixa de fazer planos para o próximo disco da banda. Ele, que – pasmem! – trabalhou em remixes de Sandy & Júnior, pensa em explorar mais o estúdio durante as gravações e assim fazer um disco mais esparso, com menos elementos, “um disco que possa respirar mais”. Em termos mais concretos, como o Bitches Brew, de Miles Davis. Essa é para se esperar! Mais diversão, no site da banda: www.members.tripod.com/zumbidomato

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