A MÚSICA BRASILEIRA DESTE SÉCULO POR SEUS AUTORES E INTÉRPRETES - NORA NEY

A série de 25 CDs recém lançada pelo grupo Sesc de São Paulo tem toda ela um enorme valor documental, mas há alguns discos que merecem mais do que uma audição eventual a título de pesquisa. O de Nora Ney, por exemplo, é uma rara oportunidade estar diante da criadora de um modo absolutamente ímpar de cantar na MPB, pioneira no estilo diseuse, sem vibratos, em sua melhor forma vocal, com maravilhosa dicção. Em 1973, quando o programa de TV que deu origem ao CD foi ao ar, Nora tinha acabado de gravar o LP Tire o Seu Sorriso do Caminho (Som Livre), uma revisão de carreira, com direito a algumas inéditas. Tal LP e este programa marcavam a volta da cantora à cena após um longo jejum fonográfico – quando se auto-exilou na Europa ao lado do marido e cantor Jorge Goulart, por conta das perseguições políticas que sofriam por serem abertamente comunistas (vale lembrar que quando o golpe de 1964 aconteceu, os discos do casal chegaram a ser atirados pelas janelas da Rádio Nacional). Ouvindo este CD com atenção, fica evidente o quanto cantores maravilhosos da Era do Rádio, como Nora, ficaram injustamente estigmatizados como cafonas e ultrapassados. Ora, a cantora estava no auge de sua forma vocal, como se percebe tanto nos números de fossa (Ninguém me Ama, Preconceito, Bar da Noite, De Cigarro em Cigarro) como nos sambas (É Tão Gostoso Seu Moço e Vai, Vai Mesmo) em que ela ostentava um suingue especial que ainda não possuía quando começou a carreira. Depois deste registro, a cantora gravaria apenas mais dois LPs – hoje está parada por causa de um derrame que atingiu as cordas vocais. Nora se mostra divina neste programa, contando com sua voz grave e marcante histórias de seu tempo. Com porte de rainha, ela canta as músicas na íntegra, à exceção de Eu e a Brisa. A surpresa do repertório fica por conta de Stormy Weather, não creditada no CD. É um momento em que ela dá um show, recordando a época em que era freqüentadora assídua do Sinatra-Farney Fã-club. Indispensável. (Rodrigo Faour)